Rio Carnaval Carnaval 2022

Muito luxo, componentes engajados e boas ideias: Viradouro sonha com o bi

Com samba feito carta e lirismo contra a pandemia, Viradouro busca o bi lembrando carnaval de 1919 e com homenagem aos médicos
Escola de Niterói traça paralelo entre o carnaval deste ano e o de 1919, reazlizado logo após a pandemia da gripe espanhola Foto: Amanda Perobelli / Reuters
Escola de Niterói traça paralelo entre o carnaval deste ano e o de 1919, reazlizado logo após a pandemia da gripe espanhola Foto: Amanda Perobelli / Reuters

RIO — A Viradouro escolheu o luxo para pavimentar o caminho do bicampeonato. Muito rica, a escola de Niterói passou muito bem pela avenida e está autorizada a sonhar. Mas será com (algum) sofrimento. No primeiro módulo de julgamento — uma cabine dupla — o ótimo mestre-sala Julinho perdeu o sapato do pé esquerdo, que certamente será observado pelos jurados.

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As alegorias e fantasias foram muito bem feitas, e contavam a história do carnaval de 1919, o primeiro pós-pandemia da gripe espanhola. O carro de Obaluayê foi o mais bonito. Havia ainda diversidade nas alas, com coreografias interessantes — a formação da cruz vermelha e da bandeira da escola são dois exemplos.

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Samba em forma de carta

Mas e a carta? O inovador samba em formato epistolar foi cantado com força pelos componentes, mas não explodiu como se esperava. A Sapucaí assistiu imóvel.

A Viradouro disputará o bi, mas não será a barbada que muitos bambas esperavam.

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Erika Januza, rainha à frente da bateria da Viradouro Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Erika Januza, rainha à frente da bateria da Viradouro Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

A atriz Érika Januza estreou na Avenida como rainha à frente da bateria da escola, Érika estava vestida com uma peruca que ia até os quadris e uma fantasia de 12 quilos. Diante de ritmistas trajados de caveirinha, depois da Gripe Espanhola, Érika comemorou.

— Todo mundo está nessa energia de gratidão por termos conseguido vencer tudo isso e estar aqui. É muito bom ver essa Sapucaí cheia de novo — revelou.

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Para ela, o enredo da vermelha e branca de Niterói “representa o nosso renascimento, depois de tudo o que vivemos”:

— Quando a gente achava que tudo era impossível vamos mostrar que ainda há alegria. Não tive nem tempo de ficar nervosa, porque estou tão feliz. Matar essa saudade depois de dois anos de molho. Carnaval movimenta a economia, alimenta famílias, é a nossa cultura, representa o Brasil de uma forma incrível, tínhamos que voltar logo para cá — diz a rainha, garantindo que é pé quente: — Estou confiante no bicampeonato.

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Paixão em versos

"Carnaval, te amo / Na vida és tudo pra mim". Foi com esses versos cheios de paixão pela folia que a Unidos do Viradouro tenta o bicampeonato, com doses de lirismo e humor para lembrar aquele que é considerado um dos reinados de Momo mais inesquecíveis de todos os tempos: o de 1919.

Aquela foi a primeira fuzarca pós-epidemia de gripe espanhola. A de agora marcou o retorno dos desfiles à Marquês de Sapucaí desde que eclodiu a pandemia da Covid-19. E a proposta dos carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus  Ferreira foi traçar um paralelo sentimental entre esses dois momentos, mostrando as incertezas e a importância do carnaval na vida das pessoas.

Num dos setores da vermelho e branco, a escola homenageou os profissionais de Saúde que atuaram na linha de frente contra as duas emergências sanitárias.

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Zanon lembra que, em 1919, médicos combinaram de ir ao Baile do Liberty Club, que celebrava a Cruz Vermelha, vestidos de palhaços listrados. Pois os palhaços listrados serão representados na Viradouro. E um setor inteiro da escola se abriu ao meio para eles encenarem uma das cenas que mobilizaram o país na pandemia contemporânea: quando médicos davam alta a pacientes, e os recuperados da doença, muitas vezes em cadeiras de rodas, passavam por um corredor de profissionais que os aplaudiam.

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Confira o samba-enredo

"Não há tristeza que possa suportar tanta alegria!"

Autores: Felipe Filósofo, Fabio Borges, Ademir Ribeiro, Devid Gonçalves, Lucas Marques e Porkinho

Intérprete: Zé Paulo Sierra

Amor, escrevi esta carta sincera
Virei noites à sua espera
Por te querer quase enlouqueci
Pintei o rosto de saudade e andei por aí
Segui seu olhar numa luz tão linda
Conduziu meu corpo, ainda
O coração é passageiro do talvez
Alegoria ironizando a lucidez
Senti lirismo, estado de graça
Eu fico assim quando você passa
A Avenida ganha cor, perfuma o desejo
Sozinho te ouço se ao longe te vejo
Te procurei nos compassos e pude
Aos pés da cruz agradecer à saúde

Choram cordas da nostalgia
Pra eternidade, uma samba nascia

Não perdi a fé, preciso te rever
Fui ao terreiro, clamei: Obaluaê!
Se afastou o mal que nos separou
Já posso sonhar nas bênçãos do tambor
Amanheceu! Num instante já
Os raios de sol foram testemunhar
O desembarque do afeto vindouro
Acordes virão da Viradouro
Tirei a máscara no clima envolvente
Encostei os lábios suavemente
E te beijei na alegria sem fim
Carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim

Assinado: um Pierrot Apaixonado
Que além do infinito o amor se renove
Rio de janeiro, 5 de março de 1919

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