Carnaval
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Por Aydano André Motta — Rio de Janeiro

Quando a terceira alegoria da Portela se descontrolou, no setor 3 da Sapucaí, e bateu na grade da frisa, paralisando o desfile, estava selado o destino da festa do centenário azul e branco. A metade final da maratona de samba ganhou face trágica e a maior campeã de todas desmoronou em plena pista, logo num dia tão precioso.

Buraco no desfile da Portela no carnaval 2023 — Foto: Lucas Altino
Buraco no desfile da Portela no carnaval 2023 — Foto: Lucas Altino

Medo e tristeza se alastraram pela Passarela, para encerrar a celebração e mergulhar a segunda-feira no anticlímax da tragédia carnavalesca. A Portela ainda cantou pelo resto de sua apresentação, mas os problemas prevaleceram. Buracos imensos multiplicaram-se pela pista e outras falhas brotaram.

O carro que lembrava os carnavais dos anos 1940 teve o eixo quebrado e adernou perigosamente, repetindo a cena da alegoria do Tuiuti em 2017. O destino, dessa vez, impediu que houvesse vítimas. Ninguém se feriu, mas a Portela ficou parada por vários minutos, com um buraco imenso à frente do acidente. A ocorrência evoca questionamento urgente sobre o gigantismo patológico dos desfiles.

Passou da hora de a Liesa assumir sua responsabilidade e impor limites à insana busca por tamanho. Além disso, faltam investigação e controle dos encarregados de conduzir estruturas do tamanho de prédios, lotadas de gente em cima, que se movem sobre rodas, montadas em chassis nem sempre confiáveis. A visão do motorista é limitada, inexiste espaço para contingências na avenida, e o espetáculo mantém a prevenção exilada no planeta das agendas periféricas.

Nos desfiles de 2023, ainda houve problemas com alegorias de Grande Rio, que adernou na área de armação, e Beija-Flor, o incêndio no abre-alas. Não dá mais para negociar limites firmes e prevenção consistente. Nenhuma façanha artística pode ser mais importante do que isso.

Abre-alas da Beija-Flor pega fogo antes de entrar na Avenida; incêndio já foi apagado — Foto: Marcos Nunes
Abre-alas da Beija-Flor pega fogo antes de entrar na Avenida; incêndio já foi apagado — Foto: Marcos Nunes

E olha que a festa portelense começou linda, com drones iluminando o céu com nomes de ícones da escola e da cultura brasileira – Paulo (da Portela), Clara (Nunes), Natal, Dodô, Candeia e Monarco, entre outros. Nenhuma escola tem tamanho patrimônio intelectual e artístico.

A águia, outra referência fundamental, surgiu bonita em roupa de festa, azul e dourada, no abre-alas. Os componentes cantavam o samba ardentemente, até tudo se desmanchar nos problemas estruturais, que espreitavam a escola desde o atrasado trabalho no barracão. A Portela perderá uma montanha de pontos no julgamento, para consumar a tristeza.

Nas outras cinco participantes da metade final do desfile, três candidatas ao título – Imperatriz, Beija-Flor e Viradouro – ratificaram o favoritismo e ainda ganharam a companhia da Vila Isabel. Na abertura da noite, o Paraíso do Tuiuti realizou desfile surpreendente, excelente trabalho da dupla Rosa Magalhães e João Vitor Araújo no visual, e de Wander Pires (intérprete) e do mestre de bateria Marcão no samba e no ritmo.

A escola de São Cristóvão ainda apresentou candidata a ídolo da Sapucaí: a rainha de bateria Mayara Lima. As coreografias dela com os ritmistas são um estrondoso sucesso de público e o samba no pé da jovem monarca hipnotiza quem assiste.

Outra surpresa da noite foi Vila Isabel, que materializou o renascimento de Paulo Barros, agora em bem-vinda versão light. As invencionices aeróbicas do carnavalesco quatro vezes campeão deram lugar a apuro visual e narrativa divertida para a lista aleatória das festas pelo mundo. Só não precisava confinar seu ídolo maior, Martinho da Vila, num pede passagem que cruzou a pista em disparada. Má ideia.

Para compensar, a azul e branco de Noel teve o carro mais bonito do ano, o São Jorge metálico, e está na briga do título. Deixará décimos que podem ser decisivos no samba fraco, provavelmente, no enredo algo aleatório.

Alegoria da Vila Isabel com cavalo de São Jorge — Foto: Ismar Ingber/Riotur
Alegoria da Vila Isabel com cavalo de São Jorge — Foto: Ismar Ingber/Riotur

Além disso, enfrenta três adversárias potentes. Pela ordem: a Imperatriz Leopoldinense reencontrou seus melhores dias, com Leandro Vieira e o delírio sobre o pós-vida de Lampião e Maria Bonita. Alegorias perfeitas, de fácil leitura e uma comunidade eletrizada pelo melhor samba do ano justificam o sonho do título que não vem desde o início do século, nos tempos áureos de Rosa Magalhães.

O desfile-manifesto da Beija-Flor, Estandarte de Ouro de melhor escola, trouxe os excluídos para o altar dos bambas e pôs a História em seu lugar, na exaltação a personagens invisibilizados nos relatos oficiais, como Maria Quitéria e Joana Angélica.

A mítica comunidade nilopolitana gritou o samba panfletário, em passagem potente e quase sem erros. A alegoria da mátria soberana, uma mulher negra costurando outra bandeira do Brasil – com a inscrição “Por um novo nascimento” –, foi a mais bonita de um conjunto que impressionou também pelo tamanho (mesmo para os padrões nilopolitanos). A escola voltou a usar muitas bandeiras, nova proposta estética, adotada a partir do ano passado. E fechou a apresentação com a travesti Eloína no último tripé. Pode dar em título.

Terá que bater a apresentação com menos erros do carnaval inteiro. A Viradouro exibiu toda sua estrutura artística no impecável desfile sobre Rosa Maria Egipcíaca. Um conjunto de alegorias monumental – destaque para os efeitos aquáticos, na abertura (como em 2020) e o último carro, o da santa – inclui definitivamente o carnavalesco Tarcisio Zanon entre os grandes criadores da atualidade.

O luxo não amarrou os componentes, que cantaram o bom samba, conduzidos por mais um desempenho de primeira do intérprete Zé Paulo Sierra e do mestre de bateria Ciça. O casal de mestre-sala e porta-bandeira, Julinho e Rute, dançou com perfeição e a comissão de frente de Priscila Mota e Rodrigo Negri esteve entre as melhores do ano.

O time da vermelho e branco de Niterói é um assombro e está perto do terceiro título de sua história. Mas há rivais que tornam imprevisível o desfecho na leitura das notas. Vem aí uma tarde de emoção e alegria – como deveria ser o carnaval se estivesse a salvo dos perigos.

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