Carnaval
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Por Rafael Soares

Há quase dez anos, o bicheiro Rogério Andrade assumiu a Mocidade Independente de Padre Miguel prometendo a volta dos tempos de seu tio Castor, com títulos, investimentos altos e desfiles luxuosos. A torneira, no entanto, fechou: o patrono, às voltas com acusações de associação criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro nos últimos anos, parou de colocar dinheiro na escola — que atualmente está afundada em dívidas, penhoras e bloqueios de verbas decorrentes de processos trabalhistas. Funcionários do barracão alegam que a agremiação atrasa o pagamento de salários em até seis meses, não paga horas extras nem feriados trabalhados.

Para driblar a falta de investimento do patrono e ainda assim permanecer na elite, a Mocidade apostou na simplicidade. No desfile em homenagem a Mestre Vitalino e seus discípulos do bairro Alto do Moura, em Caruaru, o carnavalesco Marcus Ferreira abusou de materiais recicláveis, como latas de tinta, de cola e de resina e restos de madeira. No abre alas da escola, foram usados cinco caminhões de galhos de árvores, provenientes do trabalho de poda feito pela Comlurb. Várias alegorias, no entanto, apresentavam problemas de acabamento e ferragens aparentes.

— Foi um ano muito difícil, sem dinheiro para nada. Nós passamos muito sufoco. Marcus Ferreira entendeu o momento da escola, as pessoas apaixonadas pela Mocidade fizeram a diferença e a gente conseguiu entregar o desfile — disse o diretor de carnaval da Mocidade, Marco Antônio Marino, ao final do desfile.

No início deste mês, a quadra e o barracão da escola foram alvos de mandados de busca e apreensão decorrentes da Operação Pequod, do Ministério Público do Rio (MPRJ), que apurava a lavagem do dinheiro de Rogério Andrade proveniente da exploração de jogos de azar. Na ocasião, a Justiça também determinou o sequestro de R$ 42 milhões em bens imóveis e móveis do bicheiro, como iates e carros de luxo.

Nos bastidores, comenta-se que Rogério credita aos holofotes trazidos por sua chegada à escola, em 2014, as investigações contra ele nos últimos anos. Quando retomou o controle da Mocidade, o bicheiro ostentava: além do luxo apresentado na Avenida — a escola chegou a ser campeã em 2017 —, o camarote da agremiação era um dos maiores do sambódromo, com direito a shows de DJs internacionais. No ano passado, no entanto, a Mocidade amargou um 8º lugar e não voltou para o desfile das campeãs pela primeira vez desde 2016.

A queda no desempenho da agremiação coincide com os problemas de Rogério com a Justiça. Nos últimos dois anos, o bicheiro teve a prisão decretada pela Justiça três vezes — e conseguiu se livrar da cadeia recorrendo a tribunais superiores. Rogério estava preso até dezembro do ano passado, quando o Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus para que ele pudesse responder ao processo em liberdade. Atualmente, ele é monitorado por uma tornozeleira eletrônica e tem que voltar para casa todos os dias de noite.

No ano passado, a Mocidade sofreu um bloqueio de quase R$ 50 mil por decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1). A ação foi movida por um ex-funcionário que trabalhava há quase 20 anos no barracão e chegou a ficar seis meses sem receber salário. Após deixar a agremiação, em novembro de 2019, o auxiliar de serviços gerais decidiu cobrar os valores devidos — o homem alegou, em audiência, que nunca recebeu horas extras nem feriados trabalhados. A Mocidade ainda conseguiu diminuir o valor a ser pago ao fechar um acordo com o ex-funcionário, mas mesmo assim não pagou a quantia devida.

Em outra ação, a escola também foi condenada, em janeiro passado, a pagar cerca de R$ 90 mil a outro ex-funcionário do barracão. Em seu depoimento, ele afirmou que fazia de tudo na escola, faxina, pagamento em bancos e até operava máquinas usadas na confecção de alegorias. Segundo o homem, nos meses que antecederam o carnaval, ele chegava a dormir no barracão. A Justiça do Trabalho determinou que a escola pague salários atrasados, FGTS, horas extras e uma indenização por dano moral de R$ 5 mil.

Num terceiro caso, a Justiça do Trabalho determinou, em 2021, a penhora e posterior leilão de bens da escola avaliados em R$ 30 mil. O valor é decorrente de mais uma condenação da escola numa ação trabalhista movida por um aderecista que veio de Parintins para trabalhar em carros alegóricos da escola.

Por fim, a agremiação também foi condenada, em julho do ano passado, a pagar R$ 100 mil de indenização por dano moral coletivo a entidades escolhidas pelo Ministério Público do Trabalho. O valor é decorrente de uma ação civil pública proposta pelo MPT após diversas irregularidades serem detectadas no barracão da escola, como a ausência da anotação dos contratos dos funcionários nas respectivas carteiras de trabalho e o não pagamento de horas extras. Na ação, o MPT chegou a pedir a interdição do barracão da escola, que não foi acolhida pela Justiça.

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