O trabalho nos barracões das escolas de samba desacelerou a menos de 80 dias para os desfiles, por conta da incerteza de quando serão feitos os repasses da prefeitura. Algumas teriam paralisado as atividades de ateliê e outras mal começaram a preparar as fantasias que serão usadas pelos integrantes das alas.
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Esse foi o tema predominante durante reunião plenária realizada pela Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), na última quinta-feira. Participaram do encontro, na Cidade do Samba, quase todos os dirigentes das 12 agremiações do Grupo Especial, que demonstraram descontentamento com o atraso do repasse da verba.
Os participantes foram informados pela direção da Liga que a prefeitura anunciaria o cronograma nesta segunda-feira. Procurado, porém, o município afirmou apenas que está concluindo “procedimentos internos” para realizar o pagamento, como aconteceu nos últimos anos. Mas não revelou prazos ou valores.
A expectativa é que, assim como no ano passado, quando foram destinados R$ 2,15 milhões para cada escola, a subvenção seja liberada nos primeiros dias de dezembro.
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Embora tenha destacado o bom relacionamento da Liga com a prefeitura, o presidente da Liesa, Jorge Perlingeiro, disse que acreditava que o pagamento da subvenção tivesse sido feito entre os meses de outubro e novembro, o que não aconteceu.
— Nossa conversa foi para tentar ajudar as escolas porque a gente trabalha unido. Não adiante uma agremiação estar muito bem e a outra mal. Não existe mais isso. Hoje os repasses são iguais. As escolas recebem um valor e tem dado para fazer grandes carnavais, e esse ano não vai ser diferente — disse Perlingeiro sobre a reunião, acrescentando: — Agora, existem prazos e normas. Queremos receber, estamos contando. Descontentamento existe, mas não há atitude hostil (em relação à prefeitura). Temos uma relação extremamente saudável com o prefeito, que é nosso parceiro e adora o carnaval.
Perlingeiro afirmou ainda que a maioria dos barracões está com 50% do trabalho adiantado, chegando a mais de 70% em alguns casos. O certo é que essa não é a realidade de todas as escolas. O problema foi exposto, na semana passada, nas redes sociais, pelo carnavalesco da Portela, André Rodrigues: "20 dias que não temos sequer esperança de quando virá a subvenção", postou.
Nós sabemos que a subvenção está vindo e que todos os documentos para liberação foram assinados, mas independente do estágio que você esteja na produção de seu carnaval, todo tipo de atraso de repasse ou de acordo é muito prejudicial para o andamento da escola de acordo com o seu planejamento — disse Rodrigues.
O carnavalesco disse também que a escola tem atualmente um planejamento melhor do que em anos anteriores, mas destacou que, mesmo assim, existem os compromissos com trabalhadores e fornecedores que precisam ser cumpridos. Embora esteja com o trabalho do barracão bastante adiantado — cerca de 80% —, o presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, defende que os repasses sejam feitos mais cedo.
— Esse repasse era para ser feito há dois meses. As escolas se programaram para receber. É o maior repasse que elas têm. Tem barracão na Cidade do Samba que está meio parado. Dizem que vai sair no começo de dezembro. Espero que sim. A Tijuca vai andando com créditos e tal, mas causa prejuízo porque quando o dinheiro chega, ele é tardio para fazer um grande trabalho. Tem escolas que estão sendo mais afetadas. Tijuca vai usando seu crédito bancário, mas de qualquer maneira causa transtornos — reclamou o dirigente.
Para Horta, o ideal seria que a subvenção fosse paga até o começo do segundo semestre, para as escolas terem tempo de se planejar melhor. O dirigente lembra que as escolas contam ainda com a verba da transmissão pela TV, que costuma ser paga mais cedo, e da venda de ingressos, que também só chega no fim do ano. A subvenção da prefeitura é o maior valor, segundo ele:
— O prefeito sempre chega junto, e as escolas têm de agradecer, mas (o dinheiro) está vindo muito em cima da hora e, quando chega, não dá tempo de fazer o trabalho que é necessário, e você vai sacrificando a mão de obra e inflacionando a matéria-prima.
O carnavalesco da Vila Isabel, Paulo Barros, argumenta que não é de sua alçada fazer comentários sobre atraso no pagamento da subvenção, mas reconhece que o problema existe e que cronograma do barracão está atrasado:
— O cronograma está atrasado, obviamente, porque esses repasses estão demorando um pouco. Mas minha obrigação eu estou fazendo, que é administrar essa condição do carnaval dentro do que é possível.
O repasse da prefeitura no ano passado, que também chegou atrasado, foi considerado recorde. Em 2022, o valor repassado a cada agremiação tinha sido de R$ 1,875 milhão. Em 2021 não teve desfiles por causa da pandemia. O pior momento vivido pelas escolas de samba foi na gestão de Marcelo Crivella (2017-2020). O ex-prefeito foi reduzindo os repasses gradativamente até zerar no último ano de sua administração.
No último carnaval, as escolas também contaram com ajuda financeira do governo do estado, que injetou R$ 9 milhões na folia. Este ano, porém, a verba estadual será apenas para as agremiações de acesso, blocos e turmas de bate-bola.