"Nossa luta é sobreviver!" Esse é um dos versos que prometem fazer o Salgueiro levar um manifesto pelos Yanomami para a Marquês de Sapucaí. Com enredo sobre esse povo indígena, alvo de garimpeiros e com centenas de mortes nos últimos anos, o desfile poderá se valer da primeira pessoa, com a presença de suas lideranças.
Na Avenida, a escola conta com as presenças de Davi Kopenawa, fundador da Hutukara Associação Yanomami, e seu filho Dário Kopenawa; Ehuana Yanomami, primeira mulher yanomami a escrever um livro na sua própria língua; Morzaniel Iramari, considerado o primeiro cineasta yanomami; e do artista visual Joseca Yanomami.
Intitulado "Hutukara", nome da floresta criada por Omama, o enredo do Salgueiro destaca que o território Yanomami é ocupado há mais de mil anos. Localizado ao norte do Brasil, nos estados do Amazonas e de Roraima, e ao sul da Venezuela, o povo estava lá antes mesmo dessas nações existirem: "Antes da Coroa, existia (e ainda existe) o Brasil do cocar", destaca a sinopse.
Sonhando com um Brasil indígena, a vermelho e branco valorizará a sabedoria ancestral para se viver da floresta. Em vez de pena, a admiração pelo povo Yanomami é vista como a maneira de afirmar sua humanidade ao mundo.
O transe, possível através do pó alucinógeno Yãkoana, ajuda a evocar os espíritos Xaparis, criados por Omama para que os Yanomami vençam a doença e a morte. Protetores dos humanos e da floresta, os Xaparis garantem a certeza de que o sol nascerá no dia seguinte. Mas, em meio aos corpos pintados de vermelho, a fartura é interrompida pelos roncos do desmatamento, e dos garimpeiros.
"Para os Yanomami, as coisas que se extraem das profundezas da terra, como ouro e petróleo, são artifícios maléficos, perigosos, impregnados de tosse e febre. Omama escondeu o minério embaixo da terra para que o criador da morte, não fizesse mal uso dele. Apesar da prudência de Omama, Yoasi fez com que os não indígenas soubessem desses metais, despertando a cobiça dos invasores", destaca a sinopse do enredo desenvolvido por Edson Pereira, carnavalesco da escola, e Igor Ricardo.
O Salgueiro mostrará que a destruição diz mais sobre os napë (os não-indígenas) do que sobre quem são os Yanomami. Aos inimigos do povo indígena, a escola exclamará a frase "Ya temi Xoa!", que, em ianomâmi, quer dizer "Ainda estou vivo!".
No desfile, ativistas também estarão presentes, assim como a memória pelo jornalista britânico Dom Philips e o indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinados em junho de 2022.
- Bruno e Dom: duas forças que se uniram para defender indígenas
Letra do samba-enredo:
"É Hutukara! O chão de Omama
O breu e a chama, Deus da criação
Xamã no transe de Yakoana
Evoca Xapiri, a missão
Hutukara, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora!
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora!
Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia, vendo a própria extinção
'Yoasi' que se julga: 'Família de bem'
Ouça agora a verdade que não lhe convém
'Yoasi' que se julga: 'Família de bem'
Ouça agora a verdade que não lhe convém
Você diz lembrar do povo Yanomami em dezenove de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar 'Yanomami' pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau, Brasil!
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua 'ordem, nem o seu 'progresso'
Napê, nossa luta é sobreviver!
Napê, não vamos nos render!
Ya temi xoa! Aê, êa!
Ya temi xoa! Aê, êa!
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!
Ya temi xoa! Aê, êa!
Ya temi xoa! Aê, êa!
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!"
Hutukara - composição de Pedrinho da Flor, Marcelo Motta, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via13 e Ralfe Ribeiro.