Uma nota pra lá de discreta, no pé da Coluna assinada Carlos Swann, publicada em O GLOBO, no dia 23 de abril de 1977, anunciava que, no ano seguinte, os desfiles das escolas de samba do Rio deixariam a Praça Onze e se mudariam para a Marques de Sapucaí. O texto fazia a ressalva: o “Sambódromo”, “só deve ser construído para o carnaval de 79. Ou 80”. Demorou bem mais. O assunto ganhou força na campanha eleitoral de 1982. Eleito, o governador Leonel de Moura Brizola decidiu que a obra sairia do papel. E cumpriu a promessa.
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O que pouca gente sabe é que a história da passarela do samba poderia ter sido muito diferente. A começar pelo local. Um dos primeiros projetos — apresentado pelos arquitetos Frederico Marchetti e Angela Cristina Goés de Aquino Fonseca — previa que o sambódromo seria construído na Rua Aníbal Benévolo, quase paralela à Marques de Sapucaí. E as mudanças não paravam por aí. O desenho da dupla mostrava que a ideia era instalar uma cobertura transparente para proteger o público de eventuais chuvas durante os desfiles.
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Com a pista um pouco mais estreita — 10,5 metros contra os 13 do Sambódromo de Niemeyer — e sem a Praça da Apoteose no fim, a estrutura foi pensada para abrigar uma área para montagem das alegorias, estacionamento, bares e até um shopping center. As arquibancadas, com altura de 22,5 metros, teriam capacidade para receber um público de até 150 mil pessoas. Para se ter uma ideia, o sambódromo atual, depois da ampliação de 2012, tem lotação máxima de 72.518 nos seus 13 setores.
— Quando o Brizola tocou no assunto na campanha, surgiram sugestões. Nós fomos os primeiros a apresentar uma versão. Diferente das ideias de Niemeyer, com arquibancadas livres. O conceito era dar um aproveitamento pleno de todo o espaço o ano inteiro, também com salas de aula, assim como Darcy (Ribeiro, então vice-governador do Estado) sugeriu para os camarotes da Sapucaí. Usaríamos uma cobertura em policarbonato, muito empregado na época — diz o arquiteto Frederico Marchetti, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, hoje com 77 anos.
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Não demorou para que o ambicioso projeto de Marchetti e Angela Cristina fosse alvo de críticas. Uma das mais contundentes partiu da Associação dos Moradores e Amigos do Centro (Amac). A objeção tinha como ponto central o fato de que, para viabilizar a obra no local escolhido, seria necessário desapropriar e demolir seis quarteirões de casas ao longo da Aníbal Benévolo, entre as ruas São Martinho e Frei Caneca. Houve ainda quem se preocupasse com a reativação de “antros de prostituição que existiam na área”, nas palavras de uma diretora da Amac à época.
Pelo menos mais um projeto para o Sambódromo foi apresentado — de autoria do Alfredo de Brito, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), falecido em 2015. No fim das contas, como sabemos, prevaleceu o projeto do hors concours Oscar Niemeyer. Os croquis feitos pelo mestre da arquitetura mundial apresentam a passarela do samba tal como foi erguida, em tempo recorde de quatro meses, por duas empreiteiras e um consórcio: a Construtora Mendes Júnior, a Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e a União Fluminense de Construtores, que reunia a Construtora Presidente, a Cotepa Engenharia , a Erco, a Erevan Engenharia, a Esusa Engenharia e Construção e a Carioca Engenharia.
— Inicialmente a ideia era fazer a passarela do samba, quinhentos metros de passarela como todos os anos anteriores. Depois o Darcy (Ribeiro), graças a ele, a coisa se transformou de uma simples passarela no complexo interessante para aquele bairro com escolas, creches — disse Niemeyer em entrevista logo após a inauguração do empreendimento.
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No projeto original de Niemeyer havia espaço para um Museu do Carnaval localizado na base do grande arco que é a marca registrada da Praça da Apoteose. O local chegou a funcionar como museu durante um breve período. Em nota, a Riotur informa que o espaço está temporariamente fechado e que "em função da umidade no local e dos constantes riscos de danos ao material, o acervo foi levado para a Cidade do Samba, a fim de assegurar a integridade das peças".
No ano passado, a Riotur firmou acordo com a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) para a abertura, em breve, de um "novo espaço de exposições contemplando o acervo já existente e com novos itens que fazem parte da história do samba no Rio de Janeiro".
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No livro Passarela do Samba (Avenir Editora), publicado para celebrar a construção do Sambódromo há a reprodução de um texto escrito à mão por Oscar Niemeyer no qual o arquiteto faz uma breve análise sobe a obra:
"Com relação à arquitetura, o mais importante para nós foi, em primeiro lugar, encontrar para a integração inusual das escolas e arquibancadas uma solução simples e funcional que não comprometesse a sua unidade. Depois dar ao conjunto um sentido plástico e inovador, qualquer coisa que o marcasse como um novo símbolo desta cidade".