Confira abaixo o que esperar de cada escola que entra no Sambódromo neste domingo, primeira noite de desfiles do Grupo especial. Pela ordem, desfilarão Mocidade Independente de Padre Miguel, Portela, Unidos de Vila Isabel, Estação Primeira de Mangueira, Paraíso do Tuiuti e Unidos do Viradouro.
22h- Mocidade promete, com o caju, transformar a Avenida num verdadeiro 'delírio febril'
A fruta do verão caiu no gosto da Mocidade, a primeira escola a se apresentar nesta segunda-feira. Embalado pelo samba mais ouvido do pré-carnaval, o desfile sobre o caju promete um verdadeiro suco de Brasil na avenida. Leve e de fácil compreensão, a apresentação pretende despertar sensações, com cajus de verdade nas alegorias e o aroma da fruta borrifado na Sapucaí.
Haverá ainda um toque sensual, com sereias que se lambuzam da fruta tropical, detalha Marcus. Regina Casé e Marcelo Adnet darão vida a Tarsila do Amaral e Jean-Baptiste Debret, respectivamente.
O carnavalesco Marcus Ferreira conta que o enredo nasceu quando ele foi abordado na praia por um vendedor de castanhas de caju. De verde e branco, ele ganhou o freguês no papo. No mesmo dia, ao sair com uma amiga, ela pediu uma caipirinha (de caju).
Marcus, então, procurou saber mais sobre a fruta: além de ser um dos primeiros produtos levados por Pedro Álvares Cabral, ela nasce de uma flor estelar, de cinco pontas, como o símbolo da escola.
— É a cara da Mocidade — observou.
O passo seguinte foi se juntar com o enredista Fábio Fabato e convencer a diretoria, ocasião em que cruzaram com a porta-bandeira Bruna Santos, vestida com uma saia estampada de cajus.
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Samba-enredo
“PEDE CAJU QUE DOU... PÉ DE CAJU QUE DÁ”
Eu quero um lote
Saboroso e carnudo
Desses que têm conteúdo
O pecado é devorar
É que esse mote beira antropofagia
Desce a glote, poesia
Pede caju que dá
Delícia nativa
Onde eu possa pôr os dentes
Que não fique pra semente
Nem um tasco de mordida
E aí tupi no interior do cafundó
Um quiprocó virou guerra assumida
Provou porã (provou!), fruta do pé
Se lambuzou, Tamandaré
O mel escorre, olho claro se assanha
Se a polpa é desse jeito, imagine a castanha
Por outras praias a nobreza aprovou
Se espalhou, tão fácil, fácil!
E nesta terra onde tamanho é documento
Vou erguer um monumento para Seu Luiz Inácio
Nessa batalha teve aperreio
Duas flechas e no meio uma tal Cunhã Poranga
Tarsila pinta a sanha modernista, tira a tradição da pista
Vai, Debret! Chupa essa manga!
É Tropicália, Tropicana, cajuína
Pela intacta retina, a estrela no olhar
Carne macia com sabor independente
A batida mais quente, deixa o povo provar
Meu caju, meu cajueiro
Pede um cheiro que eu dou
O puro suco do fruto do meu amor
É sensual, esse delírio febril
A Mocidade é a cara do Brasil
Entre 23h e 23h10 - Portela terá ministro Silvio de Almeida, ator Lázaro Ramos e mães de vítimas da violência
O romance homônimo de Ana Maria Gonçalves, é o ponto de partida do enredo "Um defeito de cor" que a Portela leva para avenida nesta noite No desfile, os carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga sonham com uma carta do advogado abolicionista Luiz Gama para sua mãe, Luíza Mahim (Kheinde no livro de Ana), a partir das lições deixadas por ela.
O ministro Silvio de Almeida (Direitos Humanos) e o ator Lázaro Ramos darão vida a Gama, enquanto as Kheindes serão vividas pelas mães dos carnavalescos. O enredo versa ainda por temas que seguem atuais, como o racismo, vivido pela histórica porta-bandeira Vilma Nascimento no último mês de novembro. Ela será enaltecida, “num lugar importante” do desfile, observa André.
Visando a emoção, o desfile trará ainda mulheres que perderam os filhos para a violência no Rio, como Marinete da Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018; ou Jackeline Oliveira, mãe de Kathlen Romeu, grávida morta no Lins, em 2021.
Prometendo “abrir diferente” e apresentar “um novo tradicional”, André Rodrigues diz com bom humor que águia “está sendo alimentada”, quando questionado sobre o símbolo máximo da escola.
Samba-enredo
“UM DEFEITO DE COR”
O samba genuinamente preto
Fina flor, jardim do gueto
Que exala o nosso afeto
Me embala, oh! Mãe, no colo da saudade
Pra fazer da identidade nosso livro aberto
Omotunde, vim do ventre do amor
Omotunde, pois assim me batizou
Alma de Jeje e a justiça de Xangô
O teu exemplo me faz vencedor
Sagrado feminino ensinamento
Feito águia corta o tempo
Te encontro ao ver o mar
Inspiração a flor da pele preta
Tua voz, tinta e caneta
No azul que reina lemanjá
Salve a lua de Benin
Viva o povo de Benguela
Essa luz que brilha em mim
E habita a Portela
Tal a história de Mahin
Liberdade se rebela
Nasci quilombo e cresci favela!
Orayeye oxum, Kalunga!
E mão que acolhe outra mão, macumba!
Teu rosto vestindo o adê
No meu alguidar tem dendê
O sangue que corre na veia é Malê!
Em cada prece, em cada sonho, nêga
Eu te sinto, nêga, seja onde for
Em cada canto, em cada sonho, nêgo
Eu te cuido, nêgo cá de onde estou
Saravá Kehinde! Teu nome vive!
Teu povo é livre!
Teu filho venceu, mulher!
Em cada um de nós, derrame seu axé
Entre 0h e 0h20 - Vila Isabel faz reflexão sobre o planeta em releitura de enredo, usando como fio condutor samba de Martinho
Apesar de reeditar um enredo de 1993, "Gbalá viagem ao templo da criação", a Vila Isabel pretende apresentar um desfile bem atual. A proposta é uma reflexão sobre o planeta, usando o samba, composto por Martinho da Vila, como fio condutor da narrativa.
No enredo, o homem aparece como derrotado na missão passada por Oxalá, de cuidar e manter o planeta, fazendo com que seu criador adoecesse: a solução estaria nas crianças, levadas ao Templo da Criação, onde curariam a entidade dos males e salvariam a Humanidade.
As preocupações que o carnavalesco Oswaldo Jardim (1960-2003) tinha à época continuam ou pioraram, lembra o pesquisador de enredo Vinícius Natal. Além dos efeitos do aquecimento global, serão lembradas resoluções da Eco 92 e direitos das crianças da Constituição que não foram atendidos.
Depois do sucesso da escultura de São Jorge em 2023, o carnavalesco Paulo Barros pretende deixar sua marca com “homenagens subliminares” a Oswaldo neste ano, pontua Natal. Três décadas depois, o intérprete Gera (hoje apoio no carro de som), Analimar, Martinho Antônio e Mart’nália, filhos de Martinho da Vila, que cantaram em 1993, também desfilam neste ano.
Samba-enredo
“GBALÁ — VIAGEM AO TEMPLO DA CRIAÇÃO”
Gbalá é resgatar, salvar
E a criança é a esperança de Oxalá
Gbalá, resgatar, salvar
A criança é a esperança de Oxalá
Vamos sonhar
Meu Deus
O grande criador adoeceu
Porque a sua geração já se perdeu
Quando acaba a criação
Desaparece o criador
Pra salvar a geração
Só esperança e muito amor
Então foram abertos os caminhos
E a inocência entrou no Templo
da Criação
Lá os guias protetores do planeta
Colocaram o futuro em suas mãos
E através dos Orixás se encontraram
Com o Deus dos deuses, Olorum
(E viram)
Viram como foi criado o mundo
Se encantaram com a mãe natureza
Descobrindo o próprio corpo compreenderam
Que a função do homem é evoluir
Conheceram os valores do trabalho
e do amor
E a importância da justiça
Sete águas revelaram em sete cores
Que a beleza é a missão de todo artista
Entre 1h e 1h30 - Alcione é homenageada pela Mangueira aos 50 anos de carreira
Aos 50 anos de carreira, a cantora maranhense e mangueirense Alcione, uma das vozes mais emblemáticas do Brasil, será a grande homenageada pela verde-rosa no desfile desta noite. Os carnavalescos Annik Salmon e Guilherme Estevão, que consideram “um presente” assinar esse desfile (Alcione já tinha recusado um convite no passado), disseram que a opção foi por “não inventar” uma Marrom desconhecida pelo público.
Se seus sucessos são símbolo do empoderamento ou de muitas emoções, o enredo foi desenvolvido a partir das canções “Cajueiro velho” e “Obrigado”. Além da homenageada, outras 20 Alciones (entre drags, atores e atrizes) pisarão na Avenida. Sua fé diversificada e a cultura popular de seu Maranhão também serão apresentados na Marquês de Sapucaí.
Para além da gratidão pelo dom na voz, a artista será exaltada por ajudar o próximo. E foi de suas mãos, em parceria com Dona Zica e Dona Neuma, que nasceu a Mangueira do Amanhã, em 1987, retrato da liderança feminina na agremiação (hoje presidida por Guanayra Firmino).
Dessa mesma escola mirim vieram o atual intérprete Dowglas Diniz, os mestres de bateria Taranta Neto e Rodrigo Explosão e a rainha de bateria Evelyn Bastos.
Samba-enredo
“A NEGRA VOZ DO AMANHÔ
Xangô chama Iansã
Que a voz do amanhã já bradou
no Maranhão
Tambor de Mina, Encantados a girar
O divino no altar, a filha de toda fé
Sob as bênçãos de Maria, batizada Nazareth
Quis o destino quando o tempo foi maestro
Soprar a vida aos pés do velho cajueiro
Guardar no peito a saudade de mainha
Do reisado a ladainha, São Luís o seu terreiro
Ê bumba meu boi! Ê boi de tradição!
Tem que respeitar Maracanã que faz tremer o chão
Toca tambor de crioula, firma
no batuquejê
Ô pequena feita pra vencer
Vem brilhar no Rio Antigo, mostra seu poder de fato
Fina flor que não se cheira não aceita desacato
Vai provar que o samba é primo do jazz
Falar de amor como ninguém faz
Nas horas incertas, curar dissabores
Feito uma loba impor seus valores
E seja o pilar da esperança
Das rosas que nascem no morro da gente
Sambando, tocando e cantando
Se encontram passado, futuro e presente
Mangueira! De Neuma e Zica
Dos versos de Hélio que honraram
meu nome
Levo a arte como dom
Um Brasil em tom marrom que herdei
de Alcione
Ela é Odara, deusa da canção
Negra voz, orgulho da nação
Meu Palácio tem rainha e não é uma qualquer
Arreda homem que aí vem mulher
Verde e rosa dinastia pra honrar meus ancestrais
Aqui o samba não morrerá jamais
Entre 2h e 2h40 - Na Tuiuti, entregador agredido a chicotadas, que só desfilou como empurrador de alegoria, estreia como destaque
O Paraíso do Tuiuti se inspirou em quem, há muito tempo nas águas da Baía de Guanabara, liderou a Revolta da Chibata, em 1910. João Cândido (1880-1969) fez parte do movimento de militares da Marinha que se insurgiram contra os castigos físicos sofridos dentro dos navios, que persistiam mesmo com o fim da escravidão.
Filho de ex-escravizados, ele, que nasceu no Rio Grande do Sul, será louvado como um herói nacional: o desfile é encarado pelo carnavalesco Jack Vasconcelos como “um épico” para João Cândido. Ao todo, quatro pessoas darão vida ao Almirante Negro no desfile, como Candinho, filho dele, que virá no último carro alegórico, ao lado de parentes.
Max Ângelo dos Santos (entregador agredido a chicotadas em São Conrado, em abril de 2023), que até hoje só desfilou como empurrador de alegoria da Acadêmicos da Rocinha, comunidade em que mora, virá de destaque; o jornalista Ernesto Xavier (neto da atriz Chica Xavier), e o ator Izak Dahora também interpretarão o homenageado.
Já João Bosco e as filhas de Aldir Blanc (1946-2020), compositores do clássico “O mestre-sala dos mares”, gravado por Elis Regina, marcarão presença no fim do desfile.
Samba-enredo
“GLÓRIA AO ALMIRANTE NEGRO”
Nas águas da Guanabara
Ainda o azul de Araras
Nascia um herói libertador
O mar com as ondas de prata
Escondia no escuro a chibata
Desde o tempo do cruel contratador
Eram navios de guerra, sem paz
As costas marcadas por tantas marés
O vento soprou à negrura
Castigo e tortura no porão e no convés
Ôôô A Casa Grande não sustenta temporais
Ôôô Veio dos Pampas pra salvar Minas Gerais
Lerê lerê mais um preto lutando pelo irmão
Lerê lerê e dizer nunca mais escravidão
Meu nego... A esquadra foi rendida
E toda gente comovida
Veio ao porto em saudação
Ah! nego... A anistia fez o flerte
Mas o Palácio do Catete
Preferiu a traição
O luto dos tumbeiros
A dor de antigas naus
Um novo cativeiro
Mais uma pá de cal
Glória aos humildes pescadores
Yemanjá com suas flores
E o Cais da luta ancestral
Salve o Almirante Negro
Que faz de um samba enredo
Imortal!
Liberdade no coração
O dragão de João e Aldir
A Cidade em louvação
Desce o Morro do Tuiuti
Entre 3h e 3h50 - Viradouro vai usar 'olhos de gato', material comum na sinalização, para explorar iluminação cênica da Sapucaí
Tema central do enredo da Viradouro neste ano, o vodun Dangbé é representado pela serpente, saudada e exaltada pela expressão “Arroboboi”. Sua energia perpassa as mulheres da Costa da Mina, na África, que, a partir disso, se fortaleceram para entrar em batalhas.
No Brasil, esse culto se transforma no candomblé Jeje, criado por Ludovina Pessoa, nos terreiros Seja Hundé, em Cachoeira de São Félix-BA, e Bogum, em Salvador, que já está em sua sétima geração de mulheres.
A equipe da vermelho e branco foi à Bahia duas vezes, onde aconteceu o alafiou, quando todos os búzios se abriram, indicativo de que os caminhos estão abertos para a realização do enredo. Essa é a primeira vez que o carnaval tem autorização espiritual para tratar do candomblé Jeje, que é bem fechado, pontua o carnavalesco Tarcísio Zanon.
Visualmente, será explorada uma paleta de cores múltipla, já que o símbolo de Dangbé é o arco-íris. Para explorar a luz cênica da Avenida, a aposta da escola é o uso, em alegorias e fantasias, de olhos de gato, material comum na sinalização de trânsito. Tarcísio destaca ainda que “carnaval não é só beleza”, ressaltando a sua função educacional, ao tratar de um enredo não tão conhecido.
Samba-enredo
“ARROBOBOI, DANGBÉ”
Eis o poder que rasteja na Terra
Luz pra vencer essa guerra, a força
do Vodun
Rastro que abençoa Agoyê
Reza pra renascer, toque de Adahum
Lealdade em brasa rubra, fogo em forma de mulher
Um levante à liberdade, divindade
em Daomé
Já sangrou um oceano pro seu rito incorporar
Num Brasil mais africano, outra areia, mesmo mar
Ergue a casa de Bogum, atabaque
na Bahia
Ya é Gu rainha, herdeira do candomblé
Centenário fundamento da Costa
da Mina
Semente de uma legião de fé
Vive em mim
A irmandade que venceu a dor
A força que herdei de Hundé e da luta minó
Vai serpenteando feito rio ao mar
Arco-íris que no céu vai clarear
Ayi! Que seu veneno seja meu poder
Bessen que corta o amanhecer
Sagrado Gume-Kujo
Vodunsis o respeitam, clamam Kolofé
Os tambores revelam seu afé
Ê Alafiou, ê Alafiá, é o ninho
da serpente
Jamais tente afrontar
Ê Alafiou, ê Alafiá, é o ninho
da serpente
Preparado pra lutar
Arroboboi meu pai, arroboboi Dangbê
Destila seu axé na alma e no couro
Derrama nesse chão a sua proteção
Pra vitória da Viradouro