Rio Casos de Polícia

Caso Ágatha: 'Chocada com os depoimentos dos policiais. Não vi verdade em nada', diz mãe da menina

Depois de mais de dois anos, Vanessa Francisco Salles encontrou o PM acusado de matar sua filha de 8 anos no dia 20 de setembro de 2019
Vanessa Francisco Salles, mãe da menina Ágatha Félix / 23-12-2019 Foto: Guilherme Pinto / 23-12-2019 / Agência O Globo
Vanessa Francisco Salles, mãe da menina Ágatha Félix / 23-12-2019 Foto: Guilherme Pinto / 23-12-2019 / Agência O Globo

RIO — Quase dois anos e meio após a morte de Ágatha Félix, de 8 anos , o policial militar Rodrigo José de Matos Soares e a mãe da menina, Vanessa Francisco Salles, se encontraram pela primeira vez durante a audiência inicial sobre o caso, realizada nesta quarta-feira. Acusado de ter feito o disparo que matou a criança, o cabo da PM foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) e responde na Justiça como réu por homicídio doloso. Em entrevista ao GLOBO, Vanessa disse ter sentido raiva durante o julgamento, mas não do acusado, e sim dos policiais que foram até lá prestar depoimento.

— Eu fiquei tão chocada, mas tão chocada com os depoimentos dos policiais (que estavam lá como testemunhas), que senti raiva. Eu não vi verdade em nada do que eles disseram. Em nada — relata a assistente operacional.

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Ágatha foi morta no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão, no dia 20 de setembro de 2019. Ela e sua mãe passavam pelo local no banco traseiro de uma Kombi quando a menina foi atingida. Ela chegou a ser levada para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, mas não resistiu.

A próxima audiência está marcada para 3 de março, data em que a juíza Tula Corrêa de Mello, da 1ª Vara Criminal do Rio, poderá definir se o caso será levado ao júri popular.

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Ainda segundo a mãe da menina, em determinado momento da sessão, "de forma desagradável", a defesa do PM passou a fazer perguntas a ela insistentemente. Mas praticamente todas elas foram indeferidas pela juíza, conta ela.

— Ele (o réu) não precisou se manifestar, só os advogados dele que me faziam perguntas que eu já tinha respondido. Não quero entrar em detalhes porque é muito doloroso de lembrar. Estou dando essa entrevista, mas a verdade é que eu queria me isolar numa caixinha de fósforo e só sair quando isso tudo já estiver resolvido. Só eu sei o que estou sentindo. Mas estou de pé e conheço meus limites — relembra a mãe da menina.

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A Polícia Civil apontou que um dos tiros disparados pelo cabo Soares ricocheteou num poste, entrou pela traseira do veículo, rasgou o forro do assento e atingiu Ágatha. Segundo a perícia feita no projétil, foi um estilhaço que causou a morte da menina, perfurando suas costas e saindo pelo tórax. O inquérito que apurou a morte revelou que não houve tiroteio no Complexo do Alemão naquela noite, ao contrário do que havia sido informado pelos policiais da UPP Fazendinha.

Depoimento emocionado

Vanessa Salles foi quem iniciou a audiência com um relato emocionado que, inclusive, fez com que os trabalhos fossem suspensos por alguns minutos. Ela conta que preferiu não ficar olhando na direção do acusado e, por isso, não sabe dizer se ele também demonstrou emoção em algum momento. A juíza chegou a perguntar se ela preferia que ele se retirasse do julgamento, mas Vanessa conta que pediu para que ele ficasse e escutasse seu depoimento:

— Respondi à juíza que não me incomodava de jeito algum, que queria que ele ouvisse tudo o que eu tinha a dizer. Quando olhei para ele (o réu), me senti tranquila. Não senti raiva ou ódio. Agradeço muito a Deus por isso. Só queria que, ao me ver e me ouvir falar, ele pudesse entender o que eu estava sentindo. (Que ele) Pudesse colocar a mão na cabeça e pensar que atirou, sem pensar, em uma criança. Apesar de preferir o julgamento por júri popular, meu desejo mesmo é que a Justiça seja feita.

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Após virar réu pelo crime em dezembro de 2019, o cabo Rodrigo José de Matos Soares chegou a ficar três meses afastado, em licença para tratamento psiquiátrico. Na volta ao trabalho, em março de 2020, ele foi transferido da UPP pela PM e teve a suspensão parcial da função de policial militar, saindo das ruas e ficando autorizado apenas a executar trabalhos internos.

A partir do início de 2020, o processo ficou paralisado em razão da pandemia de Covid-19. Ainda assim, Vanessa conta que tinha certeza de que o julgamento se iniciaria uma hora ou outra.

— Em nenhum momento eu perdi a esperança (de que o julgamento seria realizado), apesar dos adiamentos. Deus é quem está me ajudando a caminhar. Toda vez que o julgamento era adiado, sentia um aperto no coração e ficava pensando ‘Será que é amanhã?’, ‘Será que vão desmarcar de novo?’. Mas eu já havia sonhado que ficava cara a cara com ele no tribunal. Eu sabia que Deus estava me preparando para isso — conclui.