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Caso João Pedro: delegado indicia três policiais civis por homicídio culposo

Para delegado que assina relatório final, policiais 'agiram sob erro' por achar que havia traficantes na casa onde crime aconteceu
João Pedro: jovem morreu após ser baleado dentro de casa durante operação policial no Complexo do Salgueiro Foto: Reprodução
João Pedro: jovem morreu após ser baleado dentro de casa durante operação policial no Complexo do Salgueiro Foto: Reprodução

RIO - A Polícia Civil indiciou três policiais civis da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) pelo assassinato do adolescente João Pedro Matos Pinto , de 14 anos, em 18 de maio do ano passado, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. No entanto, para o delegado Bruno Cleuder de Melo, da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG), dois dos agentes, os policiais Mauro José Gonçalves e Maxwell Gomes Pereira, devem responder por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. Um terceiro, Fernando de Brito Meister, deve responder, segundo o relatório final, por tentativa de homicídio culposa, porque foi descartada a possibilidade de o agente ter atingido João Pedro, apesar de ele ter disparado na ocasião. Segundo a conclusão da investigação, "os policiais agiram sob erro quanto aos pressupostos fáticos da legítima defesa, supondo haver uma injusta agressão"

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Todos os três agentes indiciados seguem, até hoje, na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) , unidade de elite da Polícia Civil. Os agentes trabalham normalmente e até participam de operações policiais. De acordo com o relatório final da investigação, "tudo pode não ter passado de uma ilusão de ótica". A pena máxima para o crime de homicídio culposo é de 3 anos.

Os três policiais alegaram que perseguiam traficantes quando entraram na casa onde João Pedro estava com os amigos e que houve confronto no local. Eles ainda apresentaram, na DH, uma pistola que teria sido usada pelos criminosos. A investigação, entretanto, não conseguiu comprovar que houve tiroteio na casa.

Policiais participam da reprodução simulada na casa onde João Pedro foi morto Foto: Fabiano Rocha em 29-10-2020 / Agência O Globo
Policiais participam da reprodução simulada na casa onde João Pedro foi morto Foto: Fabiano Rocha em 29-10-2020 / Agência O Globo

Os agentes também mudaram as versões que deram sobre a quantidade de tiros que dispararam no dia do crime. Os agentes deram dois depoimentos sobre o caso. No primeiro, logo após o crime, afirmaram terem dado, juntos, 23 disparos. Uma semana depois, eles voltaram à DHNSG e afirmaram que atiraram um total de 64 vezes no dia do homicídio.

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Em seu segundo relato, o agente Mauro Gonçalves também mudou a versão sobre a arma que usou para disparar dentro da casa onde o adolescente foi morto, como EXTRA revelou com exclusividade. No primeiro depoimento, ele alegou que só usou, no dia do crime, um fuzil de calibre 762. Já uma semana depois, disse que, na verdade, portou dois fuzis durante a operação: o de calibre 762, segundo a nova versão, foi usado no helicóptero; após o pouso, o agente disse ter usado um fuzil M16 de calibre 556, mais leve, que levava como "reserva". A arma só foi entregue à perícia uma semana depois do crime, quando o policial, em novo depoimento, admitiu ter usado o fuzil M16 na ação.

Ele alegou que, no primeiro depoimento, estava apenas com seu fuzil “principal” na delegacia e só percebeu o “erro” após voltar para a base da Core e contar os cartuchos que sobraram. Ele não explicou porque sequer citou que portava outra arma.

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Os agentes da Core — que fizeram disparos dentro da casa onde o menino foi baleado — recolheram estojos de cartuchos calibre 556 (de fuzil) antes de a perícia chegar ao local. A munição tinha sido deflagrada pelas armas dos policiais.

Marcas de tiros na janela da casa onde aconteceu o crime Foto: João Luis Silva/Rio de Paz / Reprodução
Marcas de tiros na janela da casa onde aconteceu o crime Foto: João Luis Silva/Rio de Paz / Reprodução

Os agentes também recolheram estojos de cartuchos calibre 556 — que haviam sido expelidos pelas suas próprias armas — antes de a perícia do local ser feita. A munição ficou em poder dos agentes por uma semana. No dia do crime, os policiais só apresentaram três estojos calibre 9mm — que eles mesmos alegaram terem encontrado próximo a uma pistola que eles dizem ter sido abandonada por traficantes em fuga. Nos depoimentos que os três agentes prestaram naquele dia, nenhum deles citou que havia estojos de calibre 556 na casa ou que haviam recolhido a munição. A perícia feita na casa no dia do crime só encontrou, além dos estojos de calibre 9mm, outros quatro de calibre 762 próximos ao portão da garagem na parte da frente da casa. O perito que foi ao local não encontrou nenhum projétil de calibre 556.

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Além das alterações na cena do crime, das mudanças de versão e do material — fuzil e estojos — apreendido com uma semana de atraso, um dos policiais investigados teve contato e transportou provas do inquérito.

O inspetor Mauro José Gonçalves — que é justamente o que mais fez disparos na casa — foi nomeado, pelo delegado responsável pelo inquérito, depositário de três granadas que os policiais afirmam ter encontrado no local. Os outros policiais investigados são os inspetores Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister.

O delegado Bruno Cleuder, que assina o relatório final da investigação, no entanto, não é o único que atuou no inquérito. O primeiro delegado responsável pelo inquérito foi Allan Duarte, que participou da operação que terminou com a morte de João Pedro. Ele foi substituído após o GLOBO revelar a presença dele na ação, no final do ano passado. O relatório da investigação segue para o Ministério Público, que decide se vai denunciar os agentes ou não.