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Congolês morto em quiosque na Barra: veja o que ainda falta ser explicado sobre o crime

Quem é o dono do espaço? O comerciante realmente devia dinheiro a Moïse? Apesar dos três suspeitos detidos pela polícia, caso ainda tem perguntas sem respostas
O quiosque Tropicália foi interditado nesta terça-feira Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto
O quiosque Tropicália foi interditado nesta terça-feira Foto: Domingos Peixoto / Domingos Peixoto

RIO - Mais de uma semana depois da morte de Moïse Mugenyi Kabagambe , de 24 anos, alvo de uma sessão de espancamento em um quiosque na Barra da Tijuca na noite do último dia 24, a Polícia Civil anunciou, nesta terça-feira, que três suspeitos pelo crime foram detidos e confessaram participação nas agressões. Contudo, apesar da identificação do trio, que aparece nas filmagens das câmeras de segurança desferindo golpes no congolês , o caso ainda tem uma série de pontos a serem esclarecidos. Veja, abaixo, algumas das perguntas que, até o momento, não foram respondidas.

Imagens flagraram três homens agredindo Moïse Mugenyi Kabagambe com socos, chutes e até pedaços de pau e depois tentando reanimar o rapaz
Imagens flagraram três homens agredindo Moïse Mugenyi Kabagambe com socos, chutes e até pedaços de pau e depois tentando reanimar o rapaz

Quem é o dono do quiosque?

Moïse trabalhava eventualmente prestando serviços para o Quiosque Tropicália, na altura do posto 8 da Praia da Barra, mesmo local onde ele acabou assassinado. Inicialmente, chegou a circular a informação de que o dono do espaço teria tomado partido nas agressões, o que acabou desmentido pela Delegacia de Homicídios da Capital (DH), responsável pelas investigações.

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— Ele auxiliou bastante nas investigações, sendo solícito com a Polícia Civil, inclusive fornecendo as imagens que auxiliaram na identificação desses autores — afirmou o delegado Edson Henrique Damasceno, titular da especializada.

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A polícia, porém, não divulgou o nome do proprietário do local. Nesta terça-feira, o comerciante prestou depoimento sobre o caso na 16ª DP (Barra da Tijuca). Na saída da distrital, os advogados do homem disseram apenas que ele vem sofrendo ameaças, sem fornecer maiores informações sobre sua identidade. Tampouco o fizeram a Prefeitura do Rio, que suspendeu a licença do estabelecimento nesta terça-feira , e a Orla Rio, concessionária responsável pelos quiosques do Rio, que também já havia anunciado medidas contra o espaço.

O quiosque estava devendo dinheiro para Moïse?

Desde que o caso ganhou repercussão, a família do congolês vem assegurando que o dono do Quiosque Tropicália lhe devia dinheiro, referente a duas diárias de trabalho, no valor de R$ 200 , que não teriam sido devidamente acertadas. Na noite em que foi morto, Moïse teria ido até o local para tentar resolver a situação, informação que chegou a ser confirmada ao GLOBO por outras testemunhas, mas foi negada pelos advogados do comerciante, que asseguram que não havia qualquer dívida. A Polícia Civil, por sua vez, afirma que só vai se aprofundar sobre as possíveis motivações do crime na fase de conclusão do inquérito.

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Qual era, afinal, a relação de Moïse com o quiosque?

Os parentes do congolês também afirmam que ele trabalhava regularmente para o Tropicália há pelo menos três anos. Investigadores ligados ao caso, contudo, relatam que, segundo testemunhas, ele vinha atuando em outros estabelecimentos das redondezas nos últimos meses. A relação, em ambos os casos, é baseada na informalidade: a pessoa se apresenta ao quiosque e passa a abordar frequentadores da praia na areia, oferecendo os produtos do espaço. A remuneração pode ser em forma de diária ou, o mais comum, de um percentual fixo sobre as vendas intermediadas. A prática é conhecida por funcionários e comerciantes como "cardapear".

Os suspeitos trabalhavam para o quiosque ao lado?

Nesta terça-feira, a Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) também cassou a licença do quiosque Biruta, que funciona ao lado do Tropicália, dividindo a mesma estrutura. Além do fato de que o "crime ocorreu nas imediações" dos dois espaços, como frisou, por nota, a Prefeitura do Rio, havia ainda a suspeita de que os envolvidos com a morte do congolês trabalhassem para o Biruta . Essa informação não foi, até o momento, nem confirmada nem negada pela Polícia Civil.

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Houve uma briga entre um funcionário do Tropicália e Moïse? Por quê?

No início do vídeo que flagrou as agressões, um homem de camisa listrada aparece próximo de Moïse e chega a pegar um pedaço de madeira, enquanto o congolês parece tentar mexer em um freezer do quiosque Tropicália. Em seguida, o próprio Moïse pega uma cadeira e a aponta para o funcionário do estabelecimento, como em uma discussão. Pouco depois, outros homens se aproximam violentamente e dão início ao espancamento.

As imagens da câmera do quiosque Tropicália mostram o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe sendo agredido até a morte por três homens na orla da Barra da Tijuca Foto: Reprodução
As imagens da câmera do quiosque Tropicália mostram o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe sendo agredido até a morte por três homens na orla da Barra da Tijuca Foto: Reprodução

O empregado do espaço prestou depoimento nesta terça-feira, também na 16ª DP, tal qual o dono do local. Ele também não teve o nome divulgado, mas é defendido pelos mesmos advogados que representam o comerciante, que afirmam que Moïse tentou retirar cervejas do congelador à força. Testemunhas ouvidas pelo GLOBO contam que isso ocorreu em meio às cobranças do congolês relativas aos valores devidos pelo local. "Ele disse que, já que não recebeu, iria pegar o dinheiro em bebida", relatou uma mulher, ainda não ouvida pela DH, que diz ter presenciado o episódio.

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A DH, por ora, descarta que o funcionário tenha tomado partido nas agressões, mas ainda não esclareceu as circunstâncias exatas do entrevero. Outro ponto nebuloso associado ao empregado do quiosque é a razão pela qual ele, se não proferiu golpes contra o congolês, tampouco acionou a polícia para alertar sobre o ataque que ocorria diante dele. Os advogados alegam apenas que isso não foi feito porque, na noite em questão, ele estaria sem o celular.

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O que motivou o crime?

Desde que o caso veio à tona, acredita-se que Moïse foi agredido porque tentou cobrar a dívida dos responsáveis pelo quiosque. Mas os três idenfiticados pela DH afirmam, de acordo com a especializada, que a briga foi causada por uma desavença, sobre a qual ainda não foram fornecidos maiores detalhes. Eles negam tanto uma ligação do crime com a cobrança feita pelo congolês quanto qualquer motivação relacionada à nacionalidade da vítima. O que teria, então, impulsionado uma sessão de violência tão brutal?

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Por que os quiosques funcionam normalmente mesmo em situação irregular?

Coordenador-geral de Defesa Ambiental, posto vinculado à Secretaria municipal de Meio Ambiente, José Maurício Padrone afirmou que " praticamentes todos os quiosques da orla da Barra da Tijuca estão em situação irregular ". Embora não tenha ficado claro se a colocação vale para os estabelecimentos diretamente ligados ao caso, também não foi esclarecida a razão pela qual os espaços seguem operando normalmente, mesmo na ilegalidade.

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A falta de controle é tamanha que, ainda segundo Padrone, uma reunião marcada para a última segunda-feira com o objetivo de debater a situação só contou com a presença de um único representante dos quiosques — os outros sequer deram as caras. Ainda não se sabe se uma fiscalização mais efetiva poderia, de algum modo, evitar a morte de Moïse, mas o cenário caótico tampouco parece favorecer uma gestão ordeira na região.