Rio Casos de Polícia

Delegado Mauricio Demetrio tinha cópia de IR de Rogério Andrade em seu celular

Analistas do MP descobriram que policial civil buscava nomes de alvos usando senhas que não deixassem rastros no sistema da corporação
Delegado Maurício Demétrio foi preso em operação da MP, suspeito de cobrar propina para não reprimir pirataria em Petrópolis Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo
Delegado Maurício Demétrio foi preso em operação da MP, suspeito de cobrar propina para não reprimir pirataria em Petrópolis Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

RIO — A extração de informações de três dos 12 celulares apreendidos com o delegado Mauricio Demetrio revela que o policial civil pesquisava no sistema restrito à corporação, com senhas que não deixassem rastros. De acordo com relatórios siigilosos da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do Ministério Público do Rio (MPRJ),  Demetrio usava a estrutura do Setor de Inteligência Policial (Sip) de sua delegacia para buscar dados de autoridades com foro especial a contraventores, como foram os casos do bicheiro Rogério Andrade e de seus irmãos, Rinaldo e Renato. No caso do clã Andrade, Demetrio tinha em um dos aparelhos, as cópias dos impostos de renda do ano em exercício de 2019, que são restritos ao contribuinte e à Receita Federal.

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O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ ainda aguarda a análise de dados de outros nove aparelhos de Demetrio, mas há indícios, pelas informações já extaídas nos demais celulares, que o objetivo seria o de extorquir dinheiro de alvos escolhidos pelo delegado. Demetrio foi preso no dia 30 de junho na Operação Carta do Corso, do Gaeco, acusado de exigir propina de lojistas da Rua Teresa, em Petrópolis, para permitir a venda de produtos falsificados. Na época, ele era titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). Ele responde a processos por associação criminosa, obstrução à justiça, lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e concussão (cobrança de propina).

Segundo o Ministério Público, neste áudio, o delegado Mauricio Demetrio está falando de acerto de propina com milícia. Policial civil teria exigido R$ 250 mil numa negociação para incriminar uma pessoa.
Segundo o Ministério Público, neste áudio, o delegado Mauricio Demetrio está falando de acerto de propina com milícia. Policial civil teria exigido R$ 250 mil numa negociação para incriminar uma pessoa.

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Delegado ordenava que chefe da inteligência não deixasse rastros

De acordo com o relatório do Setor de Análise de Dado (Sad) do MPRJ, entre as mensagens obtidas na extração dos dados telefônicos do acusado, foram encontradas mensagens de Demetrio enfatizando "que algumas pesquisas têm que ser fora do sistema para não deixar rastro". Para isso, ele determina que o policial civil Adriano Santiago, chefe do Sip, que faça a pesquisa para ele, mas se cercando de cuidados para não deixar registros de que fez as buscas.

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Segundo o MP, entre as autoridades pesquisadas estão delegados, promotores e um desembargador. Nestes dois últimos casos, houve buscas em relação aos filhos dessas pessoas. Em outro trecho do documento do Gaeco, consta a transcrição de um áudio entre, supostamente, o delegado e um interlocutor, no qual Demetrio "estaria solicitando 250 mil reais para imputar crimes contra alguém".

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Segue a transcrição feita pelos analistas do MPRJ: "Seja como for, cara, eu falei 250, entendeu? Vê lá... se o cara faz alguma proposta aí... se ele topa. Eu continuo batendo o pé em 250. Vamos ver... Aí eu sento com ele e... O negócio é fechar! Que aí a gente senta e vê uma formula... se, em vez de extrair cópia, a gente junta tudo de novo, e faz um bagulho só, entendeu? E não pede a prisão do cara, só indicia. Falei isso pra ele. Mas tem que acertar se vai fazer ou se não vai, entendeu? Porque aí... pô... então beleza, vamos fazer... fechou? Fechou! Aí a gente senta... eu vejo, Entendeu? Eu sento com ele e vejo uma maneira de colocar no papel pronto, entendeu? Mas o negócio é fechar" (sic).

Trecho de relatório sigiloso faz referência de acerto de propina com milícia da Gardênia Azul

Em outro trecho do relatório sigiloso do Gaeco, há referência a um suposto acerto de propina envolvendo a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), para que ela não instaure um procedimento investigatório contra a milícia da Gardênia. A conversa foi deletada em 4 de julho de de 2016, mas recuperada. Segue a transcrição, com Demetrio explicando para um homem não identificado: "Beleza... Porque o que que aconteceu foi o seguinte, tô até pra falar pra eles: os garotos tavam lá para dar uma chacoalhada, pros caras lá da Gardênia aparecer... Mas eles estavam já querendo criar ideia, entendeu? Fazendo relatório, tirando foto, falando um montão de coisa, fazendo um montão de relatório de investigação... Fazendo um monte de informação, pra tentar montar um inquérito lá dentro, entendeu? Então, já que aí não tem nada, ele não quer problema, entendeu?".

Por fim, os analistas de dados do Ministério Público fazem outra transcrição com a parte final da conversa, na qual o delegado pede sigilo com quem conversa: "Agora... sapato total, né? Eu sei que tu não é de bobeira, mas avisa lá que não é pra ficar gritando para os quatro ventos que fechou arrego com a DRACO. Esse é o problema... esse é o medo deles lá, entendeu?".

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Segundo o Gaeco, quando Demetrio foi preso, foram apreendidos inquéritos policiais (IPs) da DRCPIM, de onde já havia sido lotado,  na Delegacia do Consumidor (Decon), unidade que era titular à época de sua prisão. Pela legislação da Polícia Civil, para o delegado levar os IPs, ele deveria dar ciência à Corregedoria interna da corporação. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Polícia Civil, "a Corregedoria da Polícia Civil não autorizou transferência de inquéritos da DRCPIM para a Decon e todos os procedimentos transferidos sem autorização receberam, na mesma época, determinação de devolução à delegacia de origem".

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O GLOBO procurou a defesa de Mauricio Demetrio, o advogado Raphael Mattos, que não foi localizado, para saber por que o cliente dele pesquisou os bicheiros e as autoridades do Judiciário.