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Rio

Ex-capitão do Bope Adriano já foi um dos suspeitos da morte de Marielle

Foragido há um ano, ele era apontado como o chefe das milícias de Rio das Pedras
Adriano (o segundo agachado, da direita para a esquerda) na foto de formatura do curso de operações especiais Foto: Reprodução
Adriano (o segundo agachado, da direita para a esquerda) na foto de formatura do curso de operações especiais Foto: Reprodução

RIO - Foragido há um ano, desde a “ Operação Intocáveis ”, o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais ( Bope ) da Polícia Militar fluminense Adriano Magalhães da Nóbrega, de 43 anos, era um dos homens mais procurados do país. Com a carreira forjada no Bope, onde se tornou um atirador de elite, Adriano respondia pelas acusações de integrar a milícia que explora as construções ilegais de Rio das Pedras e de chefiar uma temida facção de pistoleiros, que atuava principalmente para a contravenção. Ele foi morto, na manhã deste domingo, após uma troca de tiros com policiais do Bope da Bahia .

Chamado de “urso polar”, pelo porte físico e pelas habilidades militares, Adriano também chegou a ser investigado pela suspeita de participação na morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mas essa linha não evoluiu. Chamado para prestar depoimento em 2018 pela Delegacia de Homicídios da Capital (DH), ele negou participação no crime, explicando que, por ser pecuarista, acordava cedo e, certamente, estaria dormindo na hora  do crime.

Homenagens

O ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega foi alvo de duas honrarias, de louvor e congratulações por serviços prestados à corporaçã o. A primeira, uma moção, ocorreu em outubro de 2003, por comandar um patrulhamento tático-móvel, quando estava no 16º BPM (Olaria). Na época, o militar era primeiro-tenente.

O texto da moção de número 2.650/2003 dizia que ele era homenageado "pelos inúmeros serviços prestados à sociedade". Flávio Bolsonaro justificou o ato: "no decorrer de sua carreira, atuou direta e indiretamente em ações promotoras de segurança e tranquilidade para a sociedade, recebendo vários elogios curriculares consignados em seus assentamentos funcionais. Imbuído de espírito comunitário, o que sempre pautou sua vida profissional, atua no cumprimento do seu dever de policial militar no atendimento ao cidadão. É com sentimento de orgulho e satisfação que presto esta homenagem".

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As ligações de Adriano com o senador Flávio Bolsonaro não param por aí. A mãe e a ex-mulher do ex-capitão do Bope, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa, foram lotadas no gabinete dele quando era deputado estadual, em 2018. No mês passado, a família do miliciano foi acusada pelo Ministério Público (MP) de participar de um suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, na Alerj. Segundo o pedido de busca e apreensão feito pelos promotores, as duas teriam transferido R$ 203 mil para Fabrício Queiroz , ex-assessor do filho do presidente.

'Capitão Adriano' era um dos criminosos mais procurados pela polícia do Rio; ele estava foragido desde o início do ano passado Foto: Reprodução
'Capitão Adriano' era um dos criminosos mais procurados pela polícia do Rio; ele estava foragido desde o início do ano passado Foto: Reprodução

Deflagrada em 22 de janeiro do ano passado, com base em investigações do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado ( Gaeco ) do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a “Intocáveis” revelou que o ex-capitão comandava um esquema de agiotagem, grilagem de terras e construções ilegais, com o pagamento de propina a agentes públicos, a fim de manter seus negócios ilícitos, “sempre de forma violenta e por meio de ameaças”.

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Destaque no Bope

Em 1999, apenas três anos após ingressar nas fileiras da PM, Adriano virou “caveira”, como são chamados os militares do Bope. Na tropa de elite , ele se firmou como um oficial duro e dedicado, que atormentava a vida dos alunos, criando situações extremas, vigiando-os 24 horas e surgindo no meio da madrugada, sem deixá-los dormir. Certa vez, quando o Bope recebeu caixas de fuzis Ak-47, desmontados, ele foi o primeiro a se aproximar das peças e montar o armamento sem sequer ler o manual. Colegas contam que isso ocorreu em poucos minutos.

'Guarnição do mal'

As histórias de Adriano no Bope logo começaram a circular e o levaram para os quadros da contravenção. Foi numa guerra travada entre os herdeiros do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho , assassinado em 28 de setembro de 2004, que o então militar se envolveu com o crime organizado. Foi quando se encontrava preso no Batalhão Especial Prisional (BEP), exclusivo para PMs, em Benfica , que surgiu o convite para trabalhar como segurança da contravenção. Na época, ele estava preso sob a acusação de assassinar um jovem na favela de Parada de Lucas , na Zona Norte, quando Adriano integrava um grupo de policiais acusados de extorquir moradores de favelas, conhecido como “ guarnição do mal ”.

Como "chefe de segurança" do bicheiro José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, e de sua mulher Shanna Harrouche Garcia, filha de Maninho, teria usado o seu poder de fogo para demarcar o território dos patrões. Não demorou para ele virar um ficha suja. Relatório produzido pela Subsecretaria de Inteligência (da extinta Secretaria de Segurança) e pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) mostra que o nome do ex-oficial apareceu envolvido em tentativa de assassinato. O documento, de outubro de 2011, cita um ataque ao pecuarista Rogério Mesquita, em 10 de maio de 2008. Vários tiros de fuzil e pistola foram disparados contra o carro da vítima, que estava com mulher e filhos em Cachoeira de Macacu, na região metropolitana do Rio.

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De acordo com o relatório, Rogério sobreviveu, reconheceu e denunciou Adriano, e passou a ser perseguido. Dois dias depois do atentado, o ex-PM foi à casa da vítima, que trabalhava para o contraventor Maninho. Em depoimento à Draco, Rogério disse que Adriano, muito nervoso, tentou intimidá-lo: “E aí, paraíba, tentaram te pegar? Que história é essa que estão comentando que você disse que eu tentei de matar? Tu sabe que, se fosse eu, tu tava morto”, teria dito Adriano.

Com medo, Rogério declarou à Polícia que não sabia quem estava por trás da tentativa de assassinato. Amigo de infância de Maninho, ele administrava os bens do bicheiro, inclusive um haras. Rogério teria ficado em meio a uma disputa pela herança do contraventor. O Ministério Público do Rio denunciou Adriano e outras pessoas por suspeita de participação no atentado, mas, na Justiça, as testemunhas não fizeram o reconhecimento dos acusados.

Em 28 de janeiro de 2009, oito meses depois do ataque, Rogério, então com 54 anos, foi assassinado em plena luz do dia, às 11h47m, na esquina das ruas Visconde de Pirajá e Maria Quitéria, a cerca de cem metros da Praia de Ipanema. Um homem desceu da garupa de uma moto e o matou com um tiro na nuca. Rogério havia acabado de sair de uma academia de ginástica.

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Contravenção

Embora receba as “encomendas” de qualquer um que lhe pague bem, seu principal cliente sempre foi a contravenção, em especial um dos bicheiros considerados mais perigoso por não ser da velha guarda da cúpula do bicho. As ligações perigosas com os bicheiros lhe renderam um conselho de justificação da Polícia Militar — procedimento investigatório para exclusão de oficiais.

Adriano foi demitido pela Secretaria de Segurança em 2014. O motivo: o envolvimento do então capitão e do tenente João André Ferreira Martins na segurança de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, conhecido contraventor da máfia dos caça-níqueis , assassinado em um centro espírita de Praça Seca, em Jacarepaguá, na noite de 16 de setembro de 2011.

Tentativa de volta

A defesa do ex-oficial chegou a ingressar com vários recursos na Justiça para tentar a reintegração à Polícia Militar, mas não obteve êxito.

Os dois militares também tinham contra eles um mandado de prisão desde 2011, como consequência da Operação Tempestade no Deserto.

Agora, além de ser o chefe da organização criminosa mais especializada em matar, o que faz com que a polícia fluminense tenha temor, inclusive evitando pronunciar seu nome,  Adriano dirige o esquema da construção civil ilegal de Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste.

O MP do Rio não tem dúvidas da participação dele, que nas interceptações também aparece com o codinome de “Gordinho”. O fato é que o ex-capitão do Bope, “capitão Adriano”, “Gordinho” ou “urso polar” está na mira da promotoria pela primeira vez, suspeito de dezenas de crimes.