Rio

Impasse entre empresa e prefeitura sobre túneis expõe crise no projeto do Porto Maravilha

Sem parceria, empresa quer que o município assuma o Marcello Alencar e o 450; região, que é legado olímpico, sofre com falta de manutenção
Entrada do Túnel Marcello Alencar: concessionária, que tem contrato de 15 anos com a prefeitura, alega que não vem recebendo o pagamento para fazer manutenção Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Entrada do Túnel Marcello Alencar: concessionária, que tem contrato de 15 anos com a prefeitura, alega que não vem recebendo o pagamento para fazer manutenção Foto: Ana Branco / Agência O Globo

RIO — Em 2011, a prefeitura do Rio celebrava o início do Porto Maravilha, uma parceria público-privada (PPP) responsável por revitalizar a degradada Região Portuária. O prazo do contrato é de 15 anos, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. Mas, hoje, oito anos depois, o projeto dá sinais de que está naufragando. Isso porque, como adiantou o colunista Ancelmo Gois, a concessionária Porto Novo anunciou que vai entregar à prefeitura a administração dos túneis Marcello Alencar e Rio 450 , únicos equipamentos que ainda estavam sob sua responsabilidade. A empresa, que já tinha deixado de fazer a limpeza e a manutenção das ruas, das calçadas e da iluminação da região, alega que não vem recebendo os pagamentos.

A prefeitura informou que “não trabalha com a hipótese de transferência da operação” e que os repasses são de obrigação da Caixa Econômica, por meio do Fundo de Investimento do Porto. Ressaltou ainda que não concorda com os valores cobrados pela concessionária. O montante da dívida não foi divulgado pelo município nem pela Porto Novo. Essa discussão envolve não apenas uma das áreas mais frequentadas hoje pelos cariocas, principalmente nos dias de lazer, mas também a manutenção complexa de dois túneis, que são subterrâneos e precisam de um sistema de drenagem muito bem operado. No ano passado, a CET-Rio informou ao Conselho de Administração do Porto que não tinha capacidades técnica e humana para assumir essas vias.

Em junho do ano passado, o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM), administrado pela Caixa, declarou iliquidez, impossibilitando o início da sétima etapa de obras na Zona Portuária. Na época, a concessionária, sem receber, transferiu serviços como a varrição de ruas, o controle de tráfego, a coleta de lixo domiciliar e a manutenção de calçadas e monumentos para a prefeitura. Os túneis, entretanto, continuaram com a empresa, o que foi acertado após um acordo que previa novo aporte da Caixa de R$ 147 milhões.

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Dispositivo contratual

A concessionária afirma, no entanto, que está “há mais de um ano sem receber pelos serviços prestados” nos túneis, e que, por isso, comunicou à Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), em 14 de maio, que acionou o dispositivo contratual para formalizar sua saída da operação. Como o prazo previsto é de 120 dias, a Porto Novo deixará de prestar serviço em 11 de setembro. Tarquínio Almeida, presidente da Cdurp, que assumiu o cargo na semana passada, disse que a Caixa nunca pagou um centavo:

— Em 2017, a prefeitura comprou cotas do fundo da Caixa, o que garantiu a manutenção do Porto até junho do ano passado, quando o serviço foi interrompido. Foi anunciado, então, um acordo, mas não houve a chegada de novos recursos para irmos adiante.

Tarquínio Almeida diz que ainda aposta num acordo com a concessionária para dar continuidade à operação dos túneis. Apesar de explicar que os repasses dependiam da Caixa, ele reconheceu que existe alguma dívida da prefeitura com a Porto Novo, mas não revelou valores.

— Estamos tentando construir uma solução para manter a Porto Novo. Esperamos que não seja preciso discutir em via judicial. A concessionária sabe que, para interromper esse serviço, ela teria que ter uma fundamentação. Não pode interromper assim — disse.

Procurada, a CET-Rio negou que não tenha condições de assumir a operação dos dois túneis. Por ficar 40 metros abaixo do nível do mar, o Túnel Marcello Alencar necessita de drenagem ininterrupta e, como tem mais de três quilômetros de extensão, de um sistema de retirada de motoristas eficiente para ser acionado em caso de incêndio. Atualmente, apesar de estar sob a gestão da Porto Novo, é possível ver pontos de infiltração nas paredes laterais do túnel. Nesta segunda-feira, a equipe do GLOBO flagrou oito na galeria no sentido da Avenida Brasil. Também chama a atenção uma rachadura na altura da Praça Quinze.

— Existem infiltrações nas paredes, e essa fissura aqui em cima preocupa. Não dá para saber se é grave, o ideal seria uma vistoria — disse o taxista Fernando Oliveira.

Procurada, a Porto Novo informou que a rachadura não apresenta riscos.

Falta de manutenção

A falta de acordo entre a prefeitura e a Porto Novo, que se arrasta desde o início da gestão Marcelo Crivella, se reflete na Orla Conde, região à beira-mar da Praça Quinze à Rodoviária que chegou a atrair um milhão de visitantes num único dia durante a Olimpíada de 2016. Agora, basta um passeio pela região para ver os problemas. No parquinho em frente ao AquaRio, por exemplo, as crianças se aventuram em equipamentos degradados.

— Muita coisa ficou pela metade. Acabaram removendo diversas pessoas durante as obras e não entregaram o que prometeram. Enquanto isso, os aluguéis dispararam, e muita gente que estava aqui há anos precisou se mudar. O morador foi o mais prejudicado — disse Cristiane Souza, da Associação de Moradores da Rua Sacadura Cabral.

Procurada, a Caixa não deu retorno.

Lazer de risco: crianças brincam no parquinho, que necessita de reforma Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Lazer de risco: crianças brincam no parquinho, que necessita de reforma Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

VLT, um marco que pode chegar ao fim da linha

Sucesso da revitalização da Zona Portuária, o VLT também enfrenta obstáculos. A concessionária que administra o sistema de bondes briga na Justiça, desde o início de julho, para rescindir o contrato que firmou com a prefeitura. Isso porque o município não tem feito o repasse mensal de R$ 9 milhões, previsto no acordo, desde maio do ano passado. O consórcio alega que a dívida chega hoje a R$160 milhões. O contrato previa o pagamento de 270 parcelas referentes ao investimento privado feito na implantação das linhas.

Fora dos trilhos: na Avenida Marechal Floriano, a linha 3, que nunca funcionou Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Fora dos trilhos: na Avenida Marechal Floriano, a linha 3, que nunca funcionou Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

A falta de entendimento entre a prefeitura e a concessionária impediu o início da operação da linha 3, que liga a Central ao Aeroporto Santos Dumont, e está pronta desde dezembro. Pelo contrato, quando esse novo trecho passar a funcionar, a prefeitura será obrigada a garantir uma demanda de 260 mil passageiros por dia. Como atualmente o fluxo está em 80 mil usuários, o governo teria que arcar com a diferença: um custo em torno de R$ 420 mil por dia.

Procurada, a prefeitura informou que só retomará os pagamentos à concessionária se houver um acordo que “permita o equilíbrio financeiro da operação”. Caso contrário, o município cogita promover nova licitação.

O VLT foi inaugurado em junho de 2016, após obras que custaram quase R$ 1,2 bilhão. Do total, R$ 532 milhões foram investidos pelo governo federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento. O consórcio arcou com R$ 625 milhões e tem o direito de operar o serviço por 25 anos.