Rio Massacre do Jacarezinho

Mortes no Jacarezinho: Com 28 mortos, operação policial na comunidade da Zona Norte é a mais letal da História do Rio

Entre os mortos, está um agente da Polícia Civil que foi baleado na cabeça
Poças de sangue coagulado no quarto de menina de 9 anos que testemunhou execução de suspeito Foto: Mauro Pimentel / AFP
Poças de sangue coagulado no quarto de menina de 9 anos que testemunhou execução de suspeito Foto: Mauro Pimentel / AFP

RIO — Com 28 mortes, a operação realizada pela Polícia Civil no Jacarezinho foi a ação policial mais letal da História do estado do Rio. Um agente morreu no confronto. A última quinta-feira, 6 de maio, foi o dia com mais mortes decorrentes de intervenções policiais desde 2007, segundo levantamento do GLOBO/EXTRA.

Atingido na cabeça : Policial civil foi morto enquanto retirava barricada

No Jacarezinho moram 37 mil pessoas, segundo o último Censo Foto: Editoria de arte
No Jacarezinho moram 37 mil pessoas, segundo o último Censo Foto: Editoria de arte

Nesta sexta-feira, moradores do Jacarezinho realizaram dois protestos contra a operação, na porta da Cidade da Polícia e dentro da comunidade. Cronologia do massacre

Documento com informações: Polícia apreendeu relatório sobre operação no Jacarezinho em casa onde cinco suspeitos morreram

A segunda ação policial com maior número de mortos aconteceu em 2007, no Complexo do Alemão. Ao todo, 19 pessoas foram mortas na ocasião. No entanto, nem todos os homicídios foram registrados como mortes decorrentes de ação policial, já que 13 corpos foram recolhidos pela própria polícia, e outros seis cadáveres foram deixados à noite numa van em frente à 22ª DP (Penha). A operação reuniu 1.350 policiais, entre civis, militares e soldados da Força Nacional.

Já em 15 de outubro do ano passado, houve 25 vítimas, mas durante oito operações diferentes na mesma data.

ONU pede investigação independente

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos disse, nesta sexta-feira, estar "profundamente preocupado", após a sangrenta operação contra o tráfico de drogas da polícia em uma favela do Rio de Janeiro, e pediu à Justiça brasileira uma "investigação independente e imparcial".

"Recebemos relatos preocupantes, segundo os quais, depois do ocorrido, a polícia não tomou as medidas necessárias para preservar as provas na cena do crime, o que pode dificultar a investigação", afirmou o porta-voz da instituição da ONU, Rupert Colville.

MP investiga possível excesso da polícia

Policiais civis e militares estão na Favela do Jacarezinho desde a manhã em operação Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Policiais civis e militares estão na Favela do Jacarezinho desde a manhã em operação Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

O Ministério Público do Rio (MPRJ) está investigando as circunstâncias das mortes e, através da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da Capital, instaurou procedimento para apurar se houve violações a direitos durante a operação policial. O MPRJ ainda acompanhou as perícias nos corpos com um médico perito da instituição dentro do IML.

Resultado: Polícia Civil apreendeu seis fuzis, pistolas e munição anti-tanque no Jacarezinho

Os promotores de Justiça integrantes da Coordenadoria-Geral de Segurança Pública, do GTT - Segurança Pública e da Coordenadoria-Geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana estão acolhendo relatos e recebeu imagens e vídeos da operação de associações e da população. O MPRJ disponibiliza um canal, para quem quiser colaborar com denúncias, informações e registros audiovisuais pelo número (21) 2215-7003, que também funciona no whatsapp. O sigilo é garantido

Secretário da Polícia Civil culpa traficantes

Durante o sepultamento do policial André Leonardo de Mello, vítima do massacre, o secretário de Polícia Civil Allan Turnowski disse que a operação foi feita com atuação técnica e com maturidade . Turnowski, que saiu sem dar entrevista, disse em seu pronunciamento que os traficantes, nesta quinta-feira, não atiraram para fugir e sim para matar.

Reação: ONU pede investigação independente após massacre no Jacarezinho

— Para quem conhece de operação um pouquinho, só um pouquinho, o traficante, o criminoso, quando a gente entra numa comunidade, ele atira para fugir. Ontem(quinta-feira), eles atiravam para guardar posição, atiravam para matar, para confrontar. Eles não correram. O que a Polícia Civil mostrou ontem foi técnica, foi maturidade, foi profissionalismo de mostrar à sociedade que aquele traficante que invadiu a casa de uma moradora, ele é inimigo de toda sociedade. Porque pode invadir sua casa na Zona Sul, na Zona Norte, na Zona Oeste. E a última barreira eram vocês ( policiais). E vocês fizeram a missão de vocês. A inteligência já confirmou todos os mortos como traficantes. Dezenove com folhas corridas até agora — disse o secretário.

Confrontos no Jacarezinho

A operação da Polícia Civil no Jacarezinho teve como alvo uma organização criminosa que atua na comunidade e que seria responsável por homicídios, roubos, sequestros de trens da SuperVia e o aliciamento de crianças para atuarem no tráfico local . A ação foi chamada de Exceptis e é coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

Mulher diz que filho ferido foi levado por policiais no caveirão. Imagens: Fabiano Rocha
Mulher diz que filho ferido foi levado por policiais no caveirão. Imagens: Fabiano Rocha

Ação no Jacarezinho: Polícia diz que três criminosos recrutavam meninos de até 12 anos para atuação no tráfico

Um dos principais casos de operação policial na comunidade aconteceu em 28 de maio de 1997, quando a ação, que durou cerca de quatro horas, terminou com a morte de nove criminosos, entre eles José Kídgério Soares, o Rogerinho, apontado como chefe do tráfico no local. Um contingente com cerca de cem policiais — da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) e de quatro Batalhões da Polícia Militar — participou do cerco a uma casa que, segundo denúncias, servia de esconderijo para Rogerinho.

Disparo atingiu janela de trem na estação de Triagem durante operação no Jacarezinho
Disparo atingiu janela de trem na estação de Triagem durante operação no Jacarezinho

A cronologia da operação no Jacarezinho

Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

5h50 - Cerca de 200 agentes saíram da Cidade da Polícia, que fica a cerca de cem metros do Jacarezinho. Estavam a pé, em quatro blindados e em dois helicópteros.

Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

Por volta das 6h - Começou o cerco a comunidade por vários pontos, com o apoio da PM. Em várias vias, encontraram barricadas, feitas com trilhos e correntes de ferro, que precisaram ser retiradas para que os blindados passassem.

Por volta das 6h às 9h40 - Dois ramais dos trens da SuperVia foram afetados pela operação. As composições começaram a entrar em sistema de 'aguardo de circulação' por volta das 6h. Devido ao agravamento do confronto, a empresa estabeleceu interrupção parcial. Além do ramal Belford Roxo, a circulação também sofreu alterações no ramal Saracuruna, devido à movimentação de policiais nos trilhos. As viagens foram afetadas durante aproximadamente três horas, e tiveram funcionamento normalizado às 9h40.

Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

6h10 às 6h47 - trens da Linha 2 do metrô ficaram parados. Muitos passageiros que estavam na linha 2 do metrô sentaram no chão do vagão para se proteger dos tiros. Duas pessoas -  o militar da Marinha Rafael M. Silva, de 33 anos, e Humberto Gomes Duarte, de 20 - ficaram feridos na estação de Triagem, depois que um dos disparos atingiu uma janela do trem. Um foi ferido por estilhaços de vidro, e o outro foi atingido de raspão no braço.

Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

6h50 - No interior da comunidade, na Rua José Maria Belo, na área conhecida como XV, o delegado Marcos Amim e o inspetor André Leonardo de Mello Frias desceram da viatura para a retirada de barricadas. Houve uma rajada de tiros, e o inspetor foi baleado. O policial chegou a ser levado para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu

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Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

7h - A mulher do ajudante de pedreiro Jonas do Carmo dos Santos, 32 anos afirma que ele saiu de casa pouco depois das 7h para jogar o lixo, comprar pão, passaria em uma loja de materiais de construção e, em seguida, faria uma obra na casa onde eles moraram antes de se mudarem.
O barraco seria alugado. No entanto, ele foi morto antes mesmo de chegar na padaria Flor do Jacaré. A família diz que  moradores afirmaram que o homem – que usava tornozeleira eletrônica e já havia cumprido três anos de pena – foi alvejado após se assustar e correr. Ele teria pedido ajuda, mas acabou sendo morto. Foi pelo WhatsApp que os parentes teriam recebido imagens de Jonas já morto. A família diz que ele implorou para não morrer.  A família não encontrou o equipamento de monitoramento no corpo do rapaz.

7h30 e 8h - Horário em que ocorreram mais mortes, no Beco da Zélia e no Beco do Caboclo.

Cronologia Foto: Editoria de arte
Cronologia Foto: Editoria de arte

14h - Enquanto era realizada perícia, houve mais um grande confronto, com duas mortes.

16h - Fim da operação

Chacina em 1994 fez Brasil ser condenado na Corte Interamericana

Já uma chacina durante uma operação da Polícia Civil em 1994 levou o Brasil a ser condenado na Corte Interamericana, em 2017. Foi a primeira vez que o país foi julgado e considerado culpado pelo tribunal internacional por não punir a violência policial. Na ocasião, 13 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão. Apesar de as provas periciais apontarem para a execução das vítimas — uma delas, o protético Evandro de Oliveira, foi morta com um tiro em cada olho —, o caso só foi denunciado à Justiça em maio de 2013. Quatro policiais civis e dois militares foram reconhecidos como os responsáveis por capturar as vítimas, ainda com vida, em suas casas, e são réus pelos crimes.

A operação desta quinta-feira deixou também pelo menos cinco feridos — entre os quais dois agentes alvejados durante o confronto, uma pessoa baleada no pé dentro de casa e dois passageiros atingidos por estilhaços no metrô. O impacto se estendeu até o entorno da comunidade, paralisando a circulação do trem e do metrô e impedindo o funcionamento de três unidades municipais de saúde próximas.

Dezenove mortos em 2007 no Alemão

Em junho de 2007, às vésperas do início dos Jogos Pan-Americanos no Rio, as polícias Civil e Militar realizaram uma das maiores operações no Complexo do Alemão, também na Zona Norte da cidade. A ação, que prometia um cerco ao tráfico de drogas do conjunto, terminou com 19 pessoas mortas e ao menos nove feridas.

Policiais civis e militares de várias delegacias e diversos batalhões formaram o contingente de 1.200 homens e, com o apoio de 150 agentes da Força Nacional de Segurança (FNS), atuaram por cerca de oito horas e apreenderam dezenas de armas e drogas.

Os confrontos aconteceram dentro do complexo, como nas comunidades da Fazendinha e da Grota e em um ponto conhecido como Areal. Na ocasião, inicialmente a Secretaria de Segurança confirmou a morte de 13 pessoas durante a operação. O número de óbitos aumentou por volta das 20h, quando seis corpos foram deixados em frente à 22ª DP (Penha). Um motorista de Kombi, que fazia lotada na região, foi obrigado a retirar os mortos do Complexo do Alemão, ao ser abordado por um grupo. Ele pediu ajuda a integrantes da Força Nacional de Segurança ao deixar a comunidade.