Rio Casos de Polícia

'Na comunidade não tem só bandido. Lá tem Cauãs, sonhos': parentes falam da morte de jovem em Cordovil

Família e testemunhas acusam a PM pelo disparo que matou Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos
Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos, foi morto em Cordovil Foto: Reprodução
Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos, foi morto em Cordovil Foto: Reprodução

RIO — Era pouco depois das 19h30 quando Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos, deixou sua casa em direção à sede do projeto onde fazia luta ao menos três vezes por semana na Comunidade Dourado. Duas horas depois, o jovem seria alvejado no peito por um tiro . Os parentes acusam a PMs do 16º batalhão (Olaria) pela morte do rapaz e pelo corpo dele ter sido jogado num valão. Enquanto isso, a corporação decidiu afastar das ruas os agentes que estavam na ação. Na manhã desta terça-feira, amigos e familiares de Cauã estiveram no Instituto Médico-Legal (IML) do Rio para liberar o corpo do estudante do 1º ano do ensino médio. A mãe do rapaz, Claudia Helena Camargo da Silva, de 46 anos, diz que o filho caçula “não merecia tomar um tiro no peito”.

Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos, morreu na noite de segunda-feira (4), em Cordovil, na Zona Norte. A família acusa PMs de atirarem e jogarem o corpo dele num valão na comunidade. O adolescente era lutador e tinha o sonho de entrar nas Forças Armadas. Imagens: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos, morreu na noite de segunda-feira (4), em Cordovil, na Zona Norte. A família acusa PMs de atirarem e jogarem o corpo dele num valão na comunidade. O adolescente era lutador e tinha o sonho de entrar nas Forças Armadas. Imagens: Brenno Carvalho / Agência O Globo

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— Eu só peço justiça porque meu filho não merecia isso. Quem fez isso com o meu filho tem que pagar. Eu vou entregar para o lá de cima que não falha. Mas que seja feita a justiça dos homens também — desabafou a auxiliar de serviços gerais.

A mulher conta que a última frase do filho foi: “mãe estou descendo para a luta”. Cauã era lutador de jiu-jítsu e luta livre há três anos e integrava o projeto social na região o qual foi até a sede para um evento que reuniu, segundo a organização, mais de 100 crianças. No próximo final de semana o jovem participaria de um evento mundial de luta livre. No último mês ele já havia participado do Campeonato Brasileiro de Luta Livre e estava muito feliz com os treinos.

— Lá é a família dele, avós e tios moram lá e não tenho porque me preocupar. Se ele tivesse correndo de polícia o tiro teria sido no peito? O que o meu filho era isso aqui que estão falando. Ele não era traficante, ele não era nada além de treinar. Ele era lutador. Ele trabalhava no ferro-velho, estudava, nunca me deu dor de cabeça com nada. Ele só queria ser alguém na vida. Ele era alegria, todo mundo gostava, todo mundo gostava. O meu sentimento é de revolta por fazerem isso com meu filho — desabafou a mãe.

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Cauã era o filho mais novo de três filhos. A mãe destacou que o sonho dele era se alistar nas Forças Armadas. Há três anos se dedicava à luta e, recentemente, tinha passado para a faixa laranja no jiu-jítsu. No momento em que foi morto, com um tiro, ele usava a blusa do projeto social o qual fazia parte.

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— O meu filho não merecia isso. Eles mataram o meu filho. Ele estava muito feliz com tudo. Ele é nascido e criado na comunidade e foi morto dessa maneira. Eu estava trabalhando quando soube da morte do meu filho. Eu trabalho no Copa Dor e às 21h soube que fizeram essa covardia com o meu filho. Um menino estudioso, do bem. Não tinha nada na comunidade. Ele morreu duas horas após sair de casa e ir para esse evento social — contou Claudia Helena.

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O autônomo Caio W. Camargo Martins, de 22 anos, irmão de Cauã, disse que o lutador não “era um objeto para ser jogado no rio”.

— Ele era um menino sonhador. Todo mundo gostava dele e aconteceu isso. Agora a gente só vai esperar a justiça divina, porque só isso que nos resta. Até quando será assim? Da maneira que foi. Eles vão alegar isso: jogar ele no rio, ele é lixo? Já fizeram a besteira, largassem ali. Eles rasgaram a blusa para dizer que era vagabundo? Até onde vai isso? A gente pensa que pode acontecer com qualquer um, mas nunca com a gente — desabafou.

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O enterro do corpo do adolescente será nesta quarta-feira, às 15h, no Cemitério de Irajá, na Zona Norte da cidade.

'Na comunidade não tem só bandido. Lá tem Cauãs, sonhos'

Na porta do IML, a cuidadora Juliana Silva, de 45 anos, tia de Cauã, fez um desabafo. Para ela, “a polícia chega nas comunidades atirando e destruindo sonhos” de quem ali vive. Os tiros foram disparados a cerca de 500 metros da sede do projeto social frequentado pelo jovem. O espaço no dia recebia um evento com crianças da região.

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— Ontem teve um evento, porque eles vão participar de um mundial, e depois entrou a polícia, infelizmente, atirando e no desespero todos correram. Ele foi cercado e deram um único tiro no peito e para piorar jogaram no rio. Os moradores tiraram do rio e levaram para o hospital. A polícia não prestou socorro. Infelizmente, eles acham que todos que moram nas comunidades são bandidos. Não são. Lá tem Cauãs, que têm sonhos, planos e infelizmente o estado interrompeu isso tudo — salientou Juliana.

Numa segunda nota sobre o caso, a PM afirma que "a 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) já instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar todas as circunstâncias do caso".

A Delegada de Homicídios da Capital (DHC) vai ouvir nos próximos dias amigos e parentes do jovem. Além disso, os militares serão intimados a prestarem depoimento. A Civil quer saber se houve ou não tiroteios. Além disso, a DHC fará uma perícia nas armas dos PMs.