Rio
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Por Maria José Vieira, em Depoimento A Felipe Grinberg — Rio de Janeiro

Naquele sábado 30 de julho, quando meu marido Rhenê Rodrigues acordou eu já tinha saído para trabalhar. Quando eu voltei pra casa, por volta das 18h, ele estava se preparando para ir para o trabalho em um quiosque da orla da Barra da Tijuca. Ele estava brincando com nossos filhos no sofá, um de quatro e outro de oito anos: Renan e Rian. Lembro que ele desceu a escada para ir embora, mas voltou porque esqueceu a carteira em cima do móvel da sala. E antes de ir novamente ele ficou parado no primeiro degrau da escada, como se fosse me dizer alguma coisa, mas não falou nada e foi embora. Foi a última vez que o vi, antes dele ser atropelado em uma estação do BRT naquela noite.

Nós tínhamos muitos planos juntos. Começamos a economizar nosso dinheiro para conseguir comprar nossa casa própria. Era um sonho nosso poder sair do aluguel. Ficamos quase 10 anos juntos. Não é porque ele morreu, mas ele era muito bom para mim. Éramos muito unidos.

É muito difícil ter uma pessoa ali saudável ele sair bem e de repente você saber que alguém acabou com a vida dela ali dentro de dez segundos. Consegui contar um pouco para meu filho mais velho, de 8 anos. Ele já entende o que é a morte. Quando contei ele começou a gritar, me abraçou e gritou, chorou, chorou, chorou. Aí me perguntou assim: e agora mãe? Como é que vai ser a nossa vida sem o papai? Agora quando ele me vê triste ele fala: mamãe eu estou aqui. Vou ficar com você.

O meu mais novo sempre pergunta pelo pai. Ele acha que, quando eu chego em casa, o Rhenê vai vir junto. Eu acho que ele pensa que a mamãe foi buscar o papai. "Mamãe, cadê o papai?" O que você responde? Eu falo que papai viajou. Eu sempre estive correndo de um lado para o outro. Desde quando ele desapareceu no sábado, ninguém sabia o que tinha acontecido.

O sábado, 30 de julho

Rhenê foi atropelado na pista do BRT por uma caminhonete dirigida por um funcionário da prefeitura do Rio — Foto: Reprodução
Rhenê foi atropelado na pista do BRT por uma caminhonete dirigida por um funcionário da prefeitura do Rio — Foto: Reprodução

Sempre fomos muito ligados e logo que o Rhenê saiu de casa liguei para ele. Aquele dia a gente tinha combinado que eu ia para o quiosque também para aproveitar a praia pela manhã seguinte. Então tinha ligado para ver se ele já estava muito longe ou ainda dava para alcançá-lo. Como ele não atendeu, e eu tinha chegado cansada, desisti. Depois me arrependi porque, quando eu ia junto, nós descíamos em outra estação e não naquela onde ele morreu.

O irmão dele trabalhava no turno anterior ao de Rhenê e me ligou para dizer que meu marido não tinha chegado ao trabalho. Perguntou se ele não iria. Era por volta das 21h 30 e comecei a me preocupar. Liguei milhões de vezes, mas ninguém atendia. Passaram muitas coisas pela minha cabeça: que tinha parado para conversar com alguém, por exemplo, menos que ele estava morto.

Domingo, 31 de julho

Quando virou meia-noite e não tinha conseguido contato, troquei de roupa e fui para o ponto de van que ele pegou antes. Queria saber se alguém tinha visto, se por acaso ele estava com algum amigo em um bar próximo.

Como ele não ligava muito para celular e redes sociais eu que gerenciava tudo. O novo aparelho dele eu tinha comprado há pouco tempo e sabia que podia acessar a localização pelo meu. Apareceu que ele estava na estação do BRT Bosque Marapendi. Pedi um carro pro aplicativo e fui até lá, mas não tinha ninguém por perto.

Pela manhã fui na delegacia registrar a ocorrência de desaparecimento dele. Quando cheguei na Cidade da Polícia e contei que ninguém atendia ou respondia as mensagens, o policial disse que ele podia não querer ser encontrado. Não sou uma pessoa de ficar esperando. Sabia que ele não estava bem porquê nem notificação de uso do cartão de crédito eu recebi, algo que sempre acontecia. O celular dele também ficou algumas horas desligado, mas no fim da tarde voltou a receber ligações e as minhas mensagens.

Pela noite fui ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, e uma prima dele foi ao Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon. Quando cheguei na unidade, perguntei pelo nome dele, se tinha alguém desconhecido e passei as características dele. A recepcionista me disse que não tinha ninguém como eu descrevi nem com o nome dele. A única pessoa que entrou como desconhecida, segundo ela, era um jovem, que depois descobri ser João Gabriel Cardim, 16 anos, atropelado pelo modelo Bruno Krupp.

Segunda-feira, 1 de agosto

Fui logo pela manhã na delegacia ver se tinha alguma notícia, mas não tinham nada. Voltei a rastrear o telefone dele, e de novo aparecia a estação do BRT. O policial disse assim: "Desaparecer não é crime ele pode não querer ser encontrado como a senhora diz que liga, liga e o telefone e chama. Ontem parou de chamar e agora está chamando. Pode ser que ele não queira ser encontrado".

Decidi voltar à estação. Mostrei uma foto dele para uma funcionária que estava lá. Ela perguntou o que tinha acontecido e eu expliquei tudo que sabia até o momento. Ela contou que tinha tido um acidente e foi buscar o nome da pessoa. Era o dele.

Felipe Zelino Vitório Moitinho dirigia o carro que atropelou Rhenê Rodrigues Martins, na Barra — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Felipe Zelino Vitório Moitinho dirigia o carro que atropelou Rhenê Rodrigues Martins, na Barra — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

A funcionária contou que as coisas dele estavam lá guardadas, mas precisava de uma autorização para me entregar. Mesmo com os documentos eu senti que eles não queriam me entregar. Até perguntaram se nós tínhamos filhos juntos. Foram uns 40 minutos até que uma supervisora liberasse eu pegar o material.

Por que que a gente ligava tanto pro telefone sendo que estava lá e ninguém atendeu? A funcionária disse não saber pois não estava no turno dela, mas tinha um bilhetinho escrito à mão até com o valor em dinheiro que tinham encontrado com ele: R$ 25. Tudo dentro do pacotinho do BRT com nome, a data e o horário.

Voltei para o Lourenço Jorge já que a funcionária do BRT tinha dito que ele foi levado para lá. Chegando no hospital foi mais uma demora. Ninguém sabia quem era, quem tinha atendido porque era um outro turno. Passou pela minha cabeça que ele estava machucado ao ponto de perder a consciência e não ter conseguido se comunicar. Mas pensei que ele ainda estava vivo.

Encontrada caminhonete que atropelou e matou garçom na pista do BRT  — Foto: Divulgação
Encontrada caminhonete que atropelou e matou garçom na pista do BRT — Foto: Divulgação

Uma médica veio nos atender e contou que um rapaz tinha dado entrada lá, mas já em óbito. E como eles não tinham local para deixar o corpo, já tinham transferido ele para o Instituto Médico Legal (IML). A médica não sabia dizer que era o Rhenê porque ele estava sem documentos, mas tinha as características dele. A gente fica com esperanças, mas já sabia que era ele porque as coisas estavam lá no BRT.

Se eu não tivesse rastreado o telefone dele, nunca saberia o que aconteceu com ele. Não teria feito esse caminho até ele. Ninguém me procurou até o momento. Isso que me dá mais revolta. Ele estava com identidade, CPF e telefone tocando. Só fizeram alguma coisa quando viram que as pessoas estavam atrás.

Terça-feira, 2 de agosto

Ao chegar às 7h no IML, nos chamaram para reconhecer o corpo. Ele esteva todo sujo de sangue, com as marcas de machucado, principalmente no tronco. O Rhenê estava com escoriações na perna também, a testa estava um pouco afundada por causa do impacto. Depois que eu li o laudo da necrópsia dele vi que o corpo ficou destruído.

Ele estava lá desde domingo e ainda me disseram que mais um dia ele poderia ter sido enterrado como indigente. Só deram atenção quando o caso foi para a mídia. Sinto que tive um sentimento diferente. Na minha cabeça ao verem que ele era do Ceará pela identidade eles pensaram: “A gente deixa as coisas dele aqui. Se ninguém não aparecer, ele vai ele vai ser enterrado como desconhecido".

Sexta-feira, 26 de agosto

Ainda estou tentando assimilar as outras coisas. Só consigo dormir com remédios. É muito difícil explicar e é uma angústia muito grande. Hoje, quase um mês depois, a polícia encontrou quem o atropelou (Felipe Zelino Vitório Moitinho, funcionário da prefeitura do Rio).

Espero que a justiça seja feita. Espero que não seja mais uma jogada no descaso. Que não permitam que isso aconteça outras vezes. As pessoas já estão acostumadas com isso. Por isso eu espero que sim ele pague pelo que ele fez porque foi responsável.

Ele não podia nem alegar que não estava de maldade. A falsificação mostra toda a maldade dele. Se ele estava em uma faixa do BRT num carro sem placa, é porque tinha uma autorização para isso. Espero que ele pague pelo que fez. Pessoas assim, sem punição podem fazer de novo. Ele tentou se esconder o tempo todo e ainda, forjou um documento pra dizer que atropelou um animal. A maldade dele está todinha aí. Ele foi maldoso o tempo todo. E ainda teve muita gente conivente com ele.

Quando eu assisti aquele vídeo (do atropelamento) eu fiquei: Meu Deus como é que a pessoa faz isso? Se não fez porque queria atropelar, poderia ter prestado socorro. Mas ele sabe que estava errado.

Se o sinal está fechado ele também tem que que parar pras pessoas passarem. Ele não fez isso. O sinal fechou pras pessoas passarem, como meu marido fez, e ele estava em alta velocidade.

Saber que o motorista foi identificado tira um peso bem grande sobre a gente. Não estou feliz, mas agora sabemos o que aconteceu. É muito difícil porque nada vai trazer o Rhenê de volta.

Leia a nota da prefeitura na íntegra

A MOBI-Rio informa que os pertences foram recolhidos por populares e entregues ao operador da estação, que, conforme o procedimento padrão, lacrou-os e numerou para o cadastramento nos Achados e Perdidos. A esposa da vítima recebeu os pertences devidamente lacrados, mediante registro do seu documento de identidade no livro de ocorrências.

O paciente em questão deu entrada no Hospital Municipal Lourenço Jorge já em óbito, vítima de acidente de trânsito, sem qualquer documento de identificação ou informação que possibilitasse o contato com familiares. Como ocorre com todo caso de morte por causa externa e violenta, a polícia foi comunicada e a autoridade policial expediu a guia de remoção do corpo para o IML, que realizaria a necrópsia e os procedimentos de identificação.

Leia a nota da Polícia Civil:

Cada caso investigado pela Polícia Civil tem suas particularidades, sendo impossível compará-los. O autor do crime foi preso pela 16ª DP (Barra da Tijuca) por homicídio culposo e falsidade ideológica, e o inquérito está em fase final.

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