Rio
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Por Ludmilla de Lima — Rio de Janeiro

Mineiro de Montes Claros, nascido em 26 de outubro de 1922, ele fez faculdade em São Paulo. Foi um dos incentivadores da criação do Parque Indígena do Xingu (1961), em Mato Grosso, e da Universidade de Brasília (1962), na capital federal, onde também atuou como ministro da Educação no governo de João Goulart. Quando seguiu para o exílio, após o golpe de 1964, Darcy Ribeiro já tinha espalhado pelo país marcas relevantes de sua trajetória. De volta, na década de 1970, o antropólogo, educador e escritor concentrou as atenções no Rio de Janeiro. Depois de eleito vice-governador, na chapa de Leonel Brizola, em 1982, Darcy fez do território fluminense um grande laboratório de suas ideias. Dos Cieps ao Sambódromo, passando pelo Museu do Índio e o monumento a Zumbi, muitas delas, em estados variados de conservação, tornaram-se parte da paisagem do Rio.

Darcy foi múltiplo, mas, sobretudo, um pensador e realizador no campo da educação.

— Ele era um mineiro com sotaque carioca. Amava o mundo solar que o Rio representa — diz o presidente da Fundação Darcy Ribeiro, José Ronaldo Alves da Cunha.

Ele lembra que na “casa oca” projetada por Oscar Niemeyer na Praia de Cordeirinho, em Maricá, e prestes a virar museu, o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) concluiu no fim da vida sua obra maior:

— Ele morava durante a semana no Rio e, no fim de semana, em Maricá, numa casinha singela na beira do mar. Foi para lá que fugiu (do hospital) para escrever “O povo brasileiro”, lançado em 1995

Alves da Cunha trabalhou na equipe de Darcy (que morreu em 1997) para a implantação dos Centos Integrados de Educação Pública (Cieps), no primeiro governo de Brizola. Além de vice-governador, o antropólogo comandou, de 1983 a 1986, a Secretaria estadual de Ciência e Cultura, órgão até então inexistente no país. Sua meta era ambiciosa: inaugurar 500 escolas de tempo integral no estado, os Cieps, número alcançado no segundo mandato de Brizola.

— Ele dizia que não estava inventando nada, que esse modelo já existia no mundo desenvolvido — afirma o presidente da Fundação.

Outros governos não deram continuidade ao projeto que, volta e meia, é lembrado em campanhas eleitorais, sem crédito ao seu idealizador. No estado do Rio foram feitos 506 Cieps. Boa parte foi municipalizada. Muitos estão em estado precário ou até mesmo abandonados. Amigo de Darcy Ribeiro, o escritor e jornalista Eric Nepomuceno diz:

— Darcy foi um sem-fim de coisas, mas dizia que era essencialmente um educador. O desmantelamento dos Cieps foi uma eterna mágoa, uma ferida aberta na alma. Para o Brasil, o que ele sempre quis não conseguiu: proteção para os indígenas, para o meio ambiente, educação em todos os níveis, democracia e dignidade.

Darcy não escondia o orgulho de seus “fracassos”. Ele dizia: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

Exposição e museu

No Rio, o antropólogo fundou, em 1991, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, que leva seu nome. Sua realização mais popular, no entanto, foi mesmo o Sambódromo, obra de Oscar Niemeyer que ainda hoje abriga um Ciep, de acordo com o projeto original. Entre suas muitas ideias para a capital carioca, estão na lista a criação dos centros culturais Casa França-Brasil, no Centro, e Laura Alvim, em Ipanema.

Em campos diversos, também são fruto de sua ousadia criativa o monumento a Zumbi, na Presidente Vargas, ícone da luta antirracista, e o tombamento de 100 quilômetros de praias, lagos e e encostas do estado, incluindo o maciço da Pedra Branca. Antes mesmo de partir para o exílio, Darcy já tinha deixado uma semente na cidade: na década de 50, criou o Museu do Índio, no prédio ao lado do Maracanã.

— Ele não parava, e fez muito pelo Rio de Janeiro. No seu centenário estamos tentando mostrar como é importante reverenciar pessoas que, como ele, estão pensando o futuro— ressalta o presidente da Fundação Darcy Ribeiro.

Hoje, na Biblioteca Parque Estadual, no Centro (reformada pelo então vice-governador na década de 1980), o edital “100 anos Darcy Ribeiro”, com prêmios de R$ 50 mil para empreendedores culturais do Rio, ganha lançamento. Também será aberta a exposição “Darcy Ribeiro: dos Kadiwéu ao Quarup”, com curadoria do antropólogo Milton Guran.

— Darcy é um dos mais importantes antropólogos brasileiros de todos os tempos. Ele não estudou só alguns povos indígenas: ele pensou o Brasil em todas as suas dimensões — diz Guran.

Se na cidade do Rio não há busto ou monumento ao educador, a 60 quilômetros da capital, em Maricá, sua casa de praia está em obras para virar museu, bancado pela prefeitura, com projeto do artista e arquiteto Gringo Cardia. A previsão é de inauguração até abril de 2023. O complexo contará com um estúdio de rap e também um anexo voltado para os povos originários, destacando ainda a atuação de Berta Ribeiro, antropóloga que foi a primeira mulher de Darcy.

— Queremos abrir janelas para os jovens, para que conheçam os ideais de Darcy, atemporais. Para ele, a juventude deve ser protagonista da difusão do conhecimento, por isso a garotada do rap vem para contar esses valores. Não queremos museu para turistas — diz Gringo.

Apesar da saúde fragilizada por causa do câncer, Darcy, nem no fim da vida, perdeu a alegria ou deixou de acreditar no povo. Costumava repetir que “é hora de passar o Brasil a limpo, para que o povão tenha vez”. Empolgado e cheio de ideias, fazia o caminho da mudança parecer menos tortuoso: “é tão fácil; estendendo os braços no tempo, sinto na ponta dos dedos esta utopiazinha nossa se realizando”.

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