Rio
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Por AFP

Na tela, diante de uma sala de audiências silenciosa, um avião A330 voa entre o céu e o oceano. No julgamento do acidente com o voo 447 entre Rio e Paris, especialistas refizeram nesta quarta-feira os quatro minutos e meio que antecederam a tragédia aérea, ocorrida em 1º de junho de 2009.

No terceiro dia do julgamento por homicídios involuntários da Airbus e da Air France, quatro membros do primeiro colégio de especialistas, nomeados durante a longa investigação que se seguiu ao desastre, detalharam seu trabalho. Após a descoberta das caixas-pretas, dois anos após o acidente, 3.900 metros no fundo do Atlântico, eles foram encarregados de explorar seus componentes.

Antes da possível divulgação da trilha sonora do Cockpit Voice Recorder (CVR), solicitada pelas famílias das vítimas e que será decidida nesta quinta-feira, os especialistas descreveram ao tribunal de Paris os últimos minutos do voo AF447.

As caixas-pretas do voo 447 foram encontradas quase dois anos após o acidente — Foto: AFP
As caixas-pretas do voo 447 foram encontradas quase dois anos após o acidente — Foto: AFP

Na noite de 31 de maio de 2009, o avião decolou do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo, e o vôo transcorria normalmente, resumiu um dos especialistas, com a ajuda de um mapa e gráficos. O A330 entrou na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), área meteorológica perigosa naquela época do ano, caracterizada por grandes nuvens, trovões e chuvas violentas.

O avião estava nas mãos dos dois copilotos, tendo o comandante ido descansar, quando, às 2h10 do Horário Universal, três toques curtos sinalizaram que o piloto automático estava desengatando. Após o "procedimento", um dos copilotos declarou: "Tenho os comandos", descreveu o especialista, especificando que, em um intervalo de dez segundos, "seis alarmes se sucederam".

Os pilotos rapidamente perceberam que haviam perdido velocidade. As indicações que recebiam a esse respeito eram errôneas. A altitude também estava subitamente cerca de 122 metros abaixo dos 10.700 metros exibidos anteriormente.

— Isso não correspondia à realidade — explicou o especialista: — Era um efeito do congelamento dos tubos de Pitot, que, obstruídos por cristais de gelo, deixaram de funcionar em menos de um minuto. Em resposta, o copiloto fez com que o avião subisse, e ele passou a ganhar altitude e oscilar para os lados.

O alarme de estol soou, "um primeiro elemento que desestabilizou a tripulação", indicou.

- Incompreensão -

Em seguida, soou o alarme de desvio de altitude, que já havia soado antes, por causa da falsa perda de altitude. Dessa vez, o motivo foi o contrário, uma "altitude maior" do que o normal.

No meio da noite, "podemos imaginar que o piloto não percebe, necessariamente," essa diferença, explicou o especialista. Logo, o alarme de estol começou a soar novamente, por 54 segundos. E o avião, depois de atingir uma altitude de 11.600 metros, não teve mais sustentação.

— Temos uma pilotagem agitada, totalmente desordenada — comentou o especialista. O capitão retornou à cabine, chamado por seus colegas. "Perdemos o controle do avião", disseram a ele.

O aparelho "estava caindo a 4,5 quilômetros por minuto, o que é considerável":

— Nos dois minutos seguintes até o impacto, a incompreensão dominou, a situação era confusa — comentou o especialista.

Quando o alarme de proximidade do solo soou, eles tentaram levar o avião para cima.

— Até o final, houve um diálogo entre a tripulação, que tentava descobrir o que estava acontecendo — destacou o especialista. O avião atingiu o mar a 300 km/h, quase na horizontal.

Após as explicações, os especialistas divulgaram uma reconstituição digital. Durante quatro minutos e meio, o silêncio tomou conta da sala.

No restante da audiência, surgiram divergências entre um dos especialistas e os outros três em determinados aspectos do relatório. Suas conclusões, no entanto, questionam claramente o papel da Air France e da Airbus no que diz respeito ao congelamento dos tubos de Pitot.

No dia anterior, o detalhamento das investigações

No dia anterior, no julgamento, o diretor da investigação sobre o acidente detalhou as apurações realizadas na ausência da carcaça do avião, encontrada apenas dois anos após o desastre. Ex-coronel da gendarmeria, na época comandante da brigada de buscas do transporte aéreo (GTA), Xavier Mulot.

Mulot explicou como a célula de investigação dedicada, apelidada de "AF447", iniciou os trabalhos em um avião fantasma, já que o Airbus A330 da Air France ainda não havia sido encontrado. Se alguns destroços foram descobertos nos dias seguintes ao acidente de 1º de junho de 2009, a carcaça e as caixas-pretas do avião foram recuperadas em 2011, após uma longa busca em uma área muito profunda e acidentada do Atlântico.

A célula de investigação foi dividida em seis grupos, com o primeiro participando da identificação dos corpos, explicou Mulot. Cinquenta corpos foram encontrados pouco após o acidente, enquanto outros 103 foram recuperados dois anos depois, junto com a carcaça do avião, em "condições muito difíceis", lembrou Mulot, visivelmente emocionado durante seu depoimento.

— Primeiro, porque tivemos que fazer escolhas. Também tínhamos restrições pelo desejo de algumas famílias de não recuperar os corpos de seus falecidos (...) e só conseguimos trazer de volta os corpos presos aos assentos — continuou.

Na ausência de caixas-pretas, outros investigadores trabalharam baseados em mensagens ACARS (Aircraft communication addressing and reporting system), informações transmitidas automaticamente pelo avião da Air France antes do acidente, explicou o especialista. Assim, ficou "rapidamente" claro que as sondas de velocidade Pitot tiveram "um papel determinante no acidente".

Por causa de obstruções causadas por cristais de gelo, os sensores pararam de funcionar, o que desorientou os pilotos. O avião entrou em queda livre e se acidentou 4 minutos e 30 segundos depois. O A330 estava equipado desde que entrou em serviço em 2005 com os mesmos sensores "AA" do fabricante francês Thalès. Dois outros modelos existiam, sublinhou o investigador aposentado.

Os investigadores observaram que um total de 17 incidentes relacionados a esses sensores foram registrados "entre janeiro de 2007 e junho de 2009". Panes das quais Airbus e Air France tinham conhecimento. Ambas as empresas organizaram reuniões sobre o assunto em 2008, dando origem a uma "campanha de informação", com "boletins" colocados "nos armários das tripulações". "Mas não recebemos a garantia de que todos os pilotos tiveram conhecimento", segundo a testemunha.

A Air France decidiu trocar o modelo dos sensores para um outro, batizado "BA", a partir de 2007, mas "somente em caso de pane".

— Foi possível observar que a Air Caraïbes (...) não esperou as instruções (da Agência europeia de segurança aérea) para trocar os sensores — a companhia aérea considerou que o outro modelo era mais resistente à geada, segundo Mulot.

Outro grupo de investigadores analisou e depois descartou pistas de um "ato malicioso", incluindo "algumas um pouco mais bizarras do que outras", especificou Mulot, que citou "a presença de extraterrestres", "um ato terrorista visando um passageiro" ou "um ataque fomentado por um grupo extremista brasileiro".

Os perfis dos três pilotos, cujas "observações" foram "muito satisfatórias", também foram escavados e os investigadores notaram que "todos os aviões que precederam ou seguiram o AF447 naquela noite evitaram" a frente intertropical (ITF), uma zona meteorológica particularmente perigosa na qual o avião caiu.

Acreditando que a Airbus e a Air France mostraram "transparência", aquele que também liderou as investigações sobre o acidente do Concorde em 2000 julgou que era o dossiê "mais difícil" com o qual "teve que lidar, antes de mais nada porque o fato de não ter encontrado logo o avião obrigou o uso de outros métodos de trabalho".

— Tivemos que esperar a descoberta dos gravadores de voo para validar cada uma das hipóteses que apresentamos — acrescentou.

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