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Por Camila Araujo — Rio de Janeiro

Usar uma tornozeleira eletrônica não impediu Yuri Medeiros Correa de aproveitar a noite paulistana. Em 22 de outubro — 12 dias antes da Operação Quimera, da Polícia Civil, deflagrada nesta quinta-feira contra o Autibank, empresa fundada por Correa e suspeita de envolvimento num esquema de estelionato e pirâmide financeira — o empresário registrou sua passagem por uma boate na cidade de São Paulo. Nas fotos, Correa aparece rindo. Ele é réu por estelionato, no Ceará, desde agosto do ano passado.

Um lucro aparentemente fácil. A promessa de retorno financeiro que atraiu o operador de máquinas Denilson Francisco, de 34 anos, foi de 10% de juros ao mês sobre o montante de R$ 80 mil. Ele investiu o valor em setembro de 2021, na XTT Soluções, uma das empresas ligadas à AutiBank Pagamentos. Na época, foi convencido por uma consultora do “banco digital” a fazer dois empréstimos que somavam R$ 49 mil e a repassar o dinheiro, também com a promessa de ter de volta o valor das parcelas para pagar a dívida mais um rendimento de 2%.

Os dois investimentos se tornaram prejuízo em janeiro deste ano, quando Denilson parou de receber o acordado e ainda teve de pagar o empréstimo por conta própria. Ele é uma das dezenas de vítimas do AutiBank, negócio gerido por Yuri Medeiros.

Equipes da Delegacia de Defraudações saíram para cumprir 12 mandados de busca e apreensão em endereços ligados à empresa no centro do Rio e em Niterói, na Região Metropolitana. Os agentes apreenderam celulares e documentos, entre eles, cadernos onde estão os roteiros de como os clientes deveriam ser abordados e convencidos.

Denúncias em 12 estados

O AutiBank, que se apresentava como um banco digital, prometia aos clientes investimentos com retorno muito acima dos praticados pelo mercado, mas deixou de fazer os pagamentos no início deste ano. Só no Estado do Rio, 30 vítimas dizem ter perdido quase R$ 3 milhões. Mas há denúncias em outros 12 estados e no Distrito Federal, com um prejuízo estimado pelos advogados das vítimas em R$ 100 milhões.

— Eu tinha um valor de R$ 80 mil na poupança e depositei na conta da XTT, uma das empresas ligadas à AutiBank. Recebi por quatro meses a cota de R$ 8 mil, mas pararam de pagar e não me devolveram os R$ 80 mil. Dos empréstimos que fiz no banco, já paguei R$ 35 mil. Ainda falta algo em torno de R$ 32 mil. A minha renda mensal é R$ 5.200, e pago R$ 3.200 de empréstimo. Estou pagando para não sujar meu nome — disse Denilson Francisco.

Outra vítima, uma servidora pública que preferiu não se identificar, viu seu salário cair de R$ 15 mil para R$ 4 mil pelos descontos do crédito consignado direto em folha.

— Em 2020, eu fiz um contrato de seis meses em que investi R$ 50 mil da poupança. Eu pedi quitação no fim do prazo e eles devolveram o montante. No entanto, eles me convenceram a fazer outros quatro empréstimos: um de cartão consignado de R$ 5 mil, outro de empréstimo pessoal em um banco privado no valor de R$50 mil, e outros dois consignados, um de R$ 42 mil e outro de R$ 46 mil. Eles pagaram até dezembro de 2021. De janeiro para cá não pagaram mais — relata.

Um dos alvos da Operação Quimera foi a empresa Cadmus, também ligada ao AutiBank e responsável por fazer a abordagem a potenciais clientes. Uma mulher que chegou a fazer entrevista para uma vaga de emprego na Cadmus, mas pediu para não ser identificada, contou como funcionava o treinamento:

— Eles diziam que a empresa trabalhava com empréstimos para aposentados, pensionistas e servidores. A gente tinha que ligar para o cliente e oferecer a compra da dívida de empréstimo bancário em troca de 12% de rendimento. Mas, na verdade, a pessoa ficava duplamente endividada. Quando eu percebi que teria que enganar as pessoas sobre o empréstimo, pensei: “Nem pensar”. Dei uma desculpa e fui embora.

No material apreendido na manhã de ontem, cadernos traziam o roteiro que os funcionários da empresa seguiam para convencer os clientes a entrarem no esquema. Uma das anotações ensina: “Tem que ser objetivo. Ser direto!”.

Antes de a empresa oferecer o serviço, a situação do cliente em potencial era analisada. “Pensionistas inativos e negativos, não ligar”, diz uma das anotações. O principal alvo eram aposentados, pensionistas, militares e servidores de modo geral, que possuem margem maior no consignado, modalidade na qual o desconto é feito na folha de pagamento. Em outra anotação, um lembrete mostra que as aspirações do grupo eram altas: “Soldado e cabo, não fazer!”.

Na capa de um dos cadernos, há escrito à caneta “táticas de amasso”, que seria um manual de convencimento para clientes que desconfiassem das propostas.

— Diante das promessas, algumas pessoas ficavam mais resistentes, desconfiavam e aí entrava o ator que usa essas fórmulas para “amaciar” os clientes. Esse material apreendido mostra que é uma organização que se preocupa, desde a fase de captação, em convencer o maior número de vítimas. É um esquema grande, a nível nacional, com uma logística complexa de captação de clientes e de estrutura física. Os escritórios passavam credibilidade, artistas faziam publicidade sem conhecer a fraude e isso tudo chama cliente, por isso teve um alcance grande, em 13 estados do país — informou o delegado Allan Luxardo, titular da Delegacia de Defraudações.

O esquema do grupo investigado funcionava assim: funcionários da empresa buscam por alvos dentro do perfil (aposentados, pensionistas, militares e servidores, de preferência). Depois, o cliente é convencido a repassar o valor do empréstimo obtido num banco qualquer à empresa, que promete, mediante um termo de “negociação de dívida”, a devolver o valor das prestações, quitando o montante total após seis meses, que podem ser renováveis por outros seis.

Além disso, ofereciam um rendimento de 12% sobre o valor do empréstimo, dividido em seis parcelas mensais. Os clientes recebiam as primeiras parcelas, mas os pagamentos cessavam antes do previsto. Com o desconto do empréstimo direto da folha de pagamento, as vítimas ficavam com as dívidas, que chegam a ultrapassar R$ 300 mil em alguns casos. Não há, em nenhuma cláusula dos contratos aos quais O GLOBO teve acesso, qualquer referência às transações que seriam realizadas para garantir a lucratividade da operação.

Fundado há dois anos

Fundado no início de 2020, o AutiBank cresceu rapidamente e, em pouco mais de um ano, já tinha unidades físicas espalhadas pelas cinco regiões do país. No ano passado, em uma ofensiva para aumentar a captação de clientes, a empresa bancou apresentações ao vivo de grandes nomes da música. Em dezembro, Yuri chegou a receber uma homenagem na Câmara Municipal do Rio.

O AutiBank não tem registro como instituição bancária no Banco Central, embora se apresente como banco digital. Em publicação nas redes sociais, a empresa negou que cometeu fraudes e afirma que elabora um plano para que todos os clientes sejam restituídos de seus investimentos.

Denunciado por organização criminosa e estelionato pelo Ministério Público do Rio e do Ceará, Yuri teve o pedido de prisão preventiva negado pela Justiça. Ele já é réu na Justiça do Ceará por estelionato e organização criminosa.

Em uma página numa rede social, vítimas do esquema pedem a prisão de Yuri, apontado como o chefe do esquema. Em um dos posts, ele aparece no que seria uma boate em São Paulo. Clientes xingam o empresário e lamentam que ele esteja solto: “Vergonha”, diz uma das pessoas lesadas.

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