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Por Jaqueline Ribeiro, Especial Para O GLOBO — Rio de Janeiro

Há um ano sem notícias do paradeiro do corpo do filho, Adalto da Silva tenta lidar com a dor e a incerteza. Pai e filho estavam juntos no Morro da Oficina, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, no dia 15 de fevereiro do ano passado, quando chuvas atingiram a região e uma avalanche de terra e pedras desceu ladeira abaixo. Na tragédia, ele também perdeu a esposa e a filha mais nova, de apenas 6 anos. Assim como ele, outras vítimas da tragédia que deixou 241 mortos na região no verão de 2022 lembram com tristeza amigos e famílias inteiras perdidas, com entes queridos que nunca saíram debaixo dos escombros. Histórias como a Jamil Muanis Luminato, que há quatro décadas sofre perdas a cada temporal que assola a serra, sem que obras de prevenção das chuvas e contenção de encostas sejam concluídas ou tocadas com sucesso pelas autoridades.

Adalto da Silva: ‘Um ciclo que não fecha’

Adalto da Silva, de 51 anos, não pôde enterrar o corpo de seu filho, Lucas Rufino, de 20 anos, morto após o desabamento do Morro da Oficina. O corpo chegou a ser localizado entre os escombros, identificado por parentes e depois, a caminho do IML, desapareceu. Sem notícias do paradeiro do corpo, Adalto ainda tenta digerir tudo o que aconteceu. A esposa e a filha mais nova de Adalto, de 6 anos, foram também foram encontradas sem vida e enterradas.

— Vi tudo. Coloquei minha esposa e minha filhinha lá embaixo, achei que era seguro. Voltei falando que (a terra) levou o Lucas, mas eu não sabia que elas tinham sido atingidas também. É uma dor que sei que vou carregar para o resto da vida. Tudo tem começo, meio e fim. Para mim, não tem fim. É um ciclo que não se fecha. Você não tem um desfecho. Além disso, conforme veio se aproximando da data da tragédia, passei a não conseguir dormir. Só consigo pensar ‘onde está o meu filho?’. Meu filho não tem nem certidão de óbito, não posso nem sequer visitá-lo no cemitério, como fiz com minha esposa e minha filha no dia de finados — diz Adalto.

Jamil Muanis Luminato: 'Onde eu consigo construir alguma coisa?'

Desde 1981, Jamil Muanis Luminato já perdeu 11 parentes por conta das chuvas e deslizamentos — Foto: Gabriel de Paiva
Desde 1981, Jamil Muanis Luminato já perdeu 11 parentes por conta das chuvas e deslizamentos — Foto: Gabriel de Paiva

O histórico de tragédias em Petrópolis permeia a história de Jamil Muanis Luminato desde 1981, quando teve sua imagem eternizada na primeira página do "Jornal do Brasil" com o corpo de um bebê nos braços. De lá para cá, Jamil perdeu 11 parentes por causa das chuvas. Em 2013, a filha, dois netos e outros cinco parentes morreram soterrados no Independência; em 2018, o irmão e uma cunhada também foram vítimas de um deslizamento no mesmo bairro. No ano passado, Jamil perdeu o primo Antônio Carlos dos Santos, de 56 anos. Ele estava em um dos ônibus arrastados pela enxurrada e teve o corpo localizado mais de um mês depois. Jamil vive no Independência há pelo menos 42 anos.

— Eu já pensei em sair do Independência, mas como a gente faz isso? Se minha casa vale R$ 5 mil, as pessoas querem pagar R$ 1 mil. Onde eu consigo construir alguma coisa? Não tem como — lamenta Jamil, que hoje tem 61 anos e convive com o risco diário de um novo deslizamento na região, considerada área de risco.

Jussara Aparecida Luiz: 'Se eu morrer hoje, meus filhos ficam sem nada'

Jussara Aparecida Luiz tinha quatro filhos e perdeu dois no dia 15 de fevereiro de 2022 — Foto:  Jaqueline Ribeiro
Jussara Aparecida Luiz tinha quatro filhos e perdeu dois no dia 15 de fevereiro de 2022 — Foto: Jaqueline Ribeiro

Jussara é costureira e também faz bicos como diarista. De quatro filhos, ela perdeu dois no dia 15 de fevereiro de 2022. Além de Anthony Luiz Borges, de 2 anos, e da filha Giulia Luiz Ribeiro, de 18, Sarah, como é conhecida, perdeu outros três parentes: uma cunhada (grávida de 8 meses) e dois sobrinhos, com 9 e 11 anos. Hoje, ela ainda sofre ao reencontrar lembranças do pequeno Anthony entre os escombros das casas abandonadas na parte alta do Chácara Flora, onde sempre viveu.

A preocupação de Sarah também é grande com o destino dos filhos sobreviventes, Raphaella e Miguel, uma vez que a família perdeu a casa construída em um terreno dos pais de Jussara.

— Se eu morrer hoje, meus filhos ficam sem nada. Eu não tenho mais como começar do zero. Isso me preocupa demais. Tem dias que nem consigo dormir — diz, entre lágrimas.

Leandro Rocha: 'Hoje a minha luta é para que haja prevenção'

 Leandro, pai de Gabriel Vila Real da Rocha, busca forças para seguir após a morte do filho de 16 anos — Foto: Jaqueline Ribeiro
Leandro, pai de Gabriel Vila Real da Rocha, busca forças para seguir após a morte do filho de 16 anos — Foto: Jaqueline Ribeiro

Leandro Rocha, pai do adolescente Gabriel Vila Real da Rocha, encontra forças para seguir após a morte do filho de 16 anos. Gabriel estava em um dos ônibus arrastados na enxurrada. As últimas imagens de vida registradas são do adolescente em cima do ônibus cercado pelas águas, ajudando na retirada de passageiros. Quando o veículo afundou, ele desapareceu.

Com o auxílio de um bote, ele passou sete dias fazendo buscas pelo corpo de Gabriel em rios da cidade. Após sepultar o filho, ele retomou as buscas às outras vítimas nos rios que cortam a cidade, em mais de 60 quilômetros percorridos.

— Gabriel não sabia nadar e ficou ali até o fim ajudando as pessoas. Hoje, a minha luta é para que haja prevenção. Para que outras famílias não passem pelo que passamos — afirma, completando que um instituto está sendo criado em homenagem ao filho. — Vamos inaugurar o Instituto Gabriel nesta quarta-feira, 15 de fevereiro. Nosso objetivo é incentivar a prevenção a desastres na região e promovermos ajuda humanitária — diz Rocha.

Cristiane Gross: 'A gente só quer respeito'

Cristiane Gross perdeu 9 parentes, entre os quais a filha, o neto de 4 anos e um sobrinho com 17 dias — Foto:  Jaqueline Ribeiro
Cristiane Gross perdeu 9 parentes, entre os quais a filha, o neto de 4 anos e um sobrinho com 17 dias — Foto: Jaqueline Ribeiro

Cristiane Gross morava na Servidão Frei Leão, região do Morro da Oficina, há mais de 30 anos. No dia da tragédia, a cozinheira perdeu nove parentes: a filha Ana Carolina, de 19 anos, o neto de Arthur, de 5 anos, os sobrinhos Joyce (23), Sofia (4), Larissa (5), Miguel (17 dias) e Michele (31), além de Valdecir (75) e Ruth Helena (72).

A força que a mantém de pé está na luta pela recuperação da Servidão Frei Leão – área do morro onde 54 casas desapareceram e 93 pessoas morreram. Epicentro da tragédia, a localidade não teve sequer os detritos e escombros retirados. Um ano depois da tragédia, caminhando pelo local, é possível ver talheres, sapatos, brinquedos e outros objetos que recordam a vida dos antigos moradores. A única mudança do cenário está no mato, que cresce e começa a esconder uma quantidade enorme de pedras de grande porte – algumas maiores que um carro.

— A gente só quer respeito. Respeito pela nossa dor. Sei que não temos como voltar para cá. Mas nada foi feito aqui. Um ano se passou e nem uma limpeza foi feita aqui. Fui muito feliz aqui e dói ver que fomos abandonados. O sentimento que tenho é de abandono. Há pedras enormes soltas lá em cima, que podem descer. Pedras do tamanho de um carro. Tem um carro também lá. Ele estava totalmente soterrado, mas a chuva vem descobrindo ele. Existe muita coisa para descer lá em cima. As pedras podem rolar e atingir o BNH. Estamos muito preocupados — desabafa Cristiane.

Em relação às pedras que preocupam moradores do Morro da Oficina, a Prefeitura de Petrópolis afirmou em nota que “reforça a informação divulgada para a imprensa sobre as obras no Morro da Oficina. Elas foram divididas em três lotes: o primeiro, entre o Hipershopping e a Rua Hercília Moret; o segundo, entre a Hercília Moret e a Frei Leão; e o terceiro, entre a Frei Leão e a Oswero Villaça”. A nota informa ainda que “O primeiro lote já está em andamento; o segundo em fase de licitação; e o terceiro, ao qual à matéria se refere, em fase de projeto”.

No lote 3 as intervenções, que são complexas e de grande porte, estão previstas contenção de rejeito na crista do talude, estabilização de blocos soltos, drenagem (canaletas chumbadas em rocha e descida da água em gabiões), remoção de rejeitos, barreiras dinâmicas e muros de contenções”, diz a nota.

A Prefeitura informou ainda que tem realizado reuniões semanais com os moradores do lote 3 para apresentar o projeto executivo, esclarecer dúvidas e colher sugestões.

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