Passados 28 meses do fim de seu mandato como prefeito do Rio, o hoje deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos) terá seu futuro político definido nas próximas semanas pela Câmara dos Vereadores. Em reunião realizada nesta terça-feira, a Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira discutiu os ritos para o julgamento das contas da gestão de Crivella, nos anos de 2019 e 2020. O Tribunal de Contas do Município (TCM) deu parecer contrário às contas do ex-prefeito por dois anos consecutivos. Caso Crivella não consiga reverter os pareceres em plenário, a legislação prevê que ele não poderá disputar cargos eletivos por oito anos a partir das próximas eleições. Na prática, a decisão pode tornar o ex-prefeito inelegível até 2032. Se condenado, no entanto, ele continua a exercer o atual mandato na Câmara dos Deputados até 2026.
O ex-prefeito foi procurado pelo GLOBO, mas não retornou os pedidos de entrevista. Crivella precisa que pelo menos 34 dos 51 vereadores votem a favor dele. A presidente da Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira, Rosa Fernandes (PSC), explicou que as análises ocorrerão em duas etapas. Primeiro, serão votadas as contas de 2019. O processo relativo a 2020 deverá ser apreciado ainda este ano, após concluído o julgamento das contas do ano anterior.
Na próxima semana, a Procuradoria da Câmara vai notificar Crivella sobre o processo, para que apresente sua defesa no prazo de cinco dias úteis. A partir da apresentação das alegações, a Comissão vai elaborar um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) se manifestando a favor ou contra a manutenção do parecer do TCM.
O subprocurador geral da Câmara, José Luis Minc, explicou que o impedimento de disputar eleições por oito anos está previsto na Lei Complementar 64\1990 que prevê casos de inelegibilidade. No caso de outros cargos públicos, como Ministro ou secretário de estado, porém, o tratamento é diferente.
— Para cargos públicos no estado do Rio não seria possível porque a Constituição Estadual proíbe que gestores condenados por tribunais de contas possam ocupar cargos públicos. Mas essa regra pode ser diferente em outras esferas.
A vereadora Rosa Fernandes adiantou que é provável que a Comissão siga o parecer do TCM. Ela avalia que Crivella pode ter trabalho para convencer os vereadores de não rejeitar as contas.
— Boa parte do legislativo foi renovado nos últimos anos. Muitos dos vereadores não conviveram com Crivella. A situação é difícil. Na prática, se a esquerda e vereadores independentes se unirem, Crivella teria as contas reprovadas se 18 votarem nesse sentido— explicou Rosa Fernandes.
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Nesse processo, o prefeito Eduardo Paes (PSD), que diariamente critica a gestão do antecessor, pretende ficar neutro na discussão de olho na própria reeleição. Um dos motivos é que dos sete vereadores do Republicanos, seis são da base do governo. Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, é considerada a exceção:
— O prefeito tem suas opiniões sobre Crivella, mas não vai entrar nessa discussão. Crivella vai ter sua chance de se defender. Mas vai ser difícil— diz o líder o governo, Átila Alexandre Nunes (PSD), adversário político do ex-prefeito.
José Luis Minc detalhou o rito a ser seguido na discussão das contas do ex-prefeito:
- Na próxima semana, Crivella será notificado sobre a discussão das contas de 2019 pela Comissão de Finanças. Ele terá cinco dias úteis para apresentar sua defesa por escrito.
- Com o documento em mãos, a Comissão se reúne para redigir o PDL. Será em cima desse documento que os vereadores vão deliberar se aprovam ou rejeitam as contas do ex-prefeito.
- O presidente da Câmara, Carlo Caiado (PSD) marca a sessão para deliberar sobre a questão. Não há um prazo regimental, mas a tendência é que seja agendado rapidamente. Isso porque a Câmara, inclusive, já foi notificada duas vezes pelo Ministério Público para que a matéria chegue ao plenário.
- Marcada a sessão, é preciso que 26 vereadores estejam presentes para deliberar sobre as contas.
- A duração da sessão é indefinida. Primeiro, a Comissão de Finanças deliberará se fará uma apresentação em plenário. Em seguida, cada vereador que deseje usar a palavra terá até 15 minutos para discursar.
- Em seguida, é a vez da defesa que terá até duas horas para apresentar seus argumentos. Essa sustentação oral pode ser feita por um advogado ou o próprio ex-prefeito. Em seguida, cada líder terá 3 minutos para encaminhar a votação.
- Para derrubar o parecer do TCM são necessários 34 votos (2\3 do plenário). Se 18 vereadores se manifestarem por manter a orientação do TCM, as contas são reprovadas.
Entenda o que motivou os pareceres desfavoráveis às contas de Crivella:
Em 2019, Marcelo Crivella se tornou o primeiro prefeito do Rio a receber parecer contrário à aprovação de suas contas de governo. A decisão dos conselheiros seguiu orientação de órgãos técnicos da corte, devido a uma série de problemas constatados. Além de ter fechado o ano passado com um rombo nas contas de R$ 4,24 bilhões (equivalente a 15% dos tributos arrecadados naquele ano), os cofres públicos tiveram que arcar com quase R$ 25 milhões em multas por atrasar o pagamento de dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Além disso, pelo segundo ano consecutivo, Crivella deixou de quitar precatórios (dívidas judiciais) no valor de R$ 126,4 milhões, descumprindo inclusive uma determinação do próprio TCM relativa às despesas de 2018, que orientavam a necessidade de não atrasar os pagamentos.
Em 2020, o TCM mais uma vez se manifestou contrário à gestão do ex-prefeito. Segundo o TCM, Crivella fechou as contas com um rombo de R$ 5,5 bilhões. A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe que o gestor deixe dívidas para o seu sucessor. Houve ainda outras irregularidades: o ex-prefeito deixou o governo sem quitar o 13º salário dos servidores de 2020, superdimensionou receitas e usou verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em despesas não previstas na legislação.
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