Rio
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Por Rafael Galdo — Rio de Janeiro

Faz quase uma década que Fátima Pinho, de 49 anos, viu o filho Paulo Roberto dar os últimos suspiros, deitado nos braços dela, após ter sido asfixiado por PMs no beco de uma favela do Rio. Desde então, a moradora do Complexo de Manguinhos, na Zona Norte da cidade, é frequentemente acordada pelo barulho das rajadas de fuzil. Também enfrenta os tiros para, no meio de operações policiais, resgatar outros de seus filhos na escola. E revive o luto sempre que vê mães chorarem mortes como a do adolescente Thiago Menezes Flausino, baleado na última segunda-feira numa ação da polícia na Cidade de Deus. Tanta proximidade com a violência reflete em sua saúde: além de problemas de memória, ela relata crises de ansiedade, a ponto de ficar sem ar e gelada até em situações seguras.

São sofrimentos físicos e mentais que, segundo pesquisa publicada hoje pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), acometem mais os moradores de comunidades com maior incidência de tiroteios com presença de agentes do Estado — como no caso de Fátima. O estudo “Saúde na linha de tiro: impacto da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro” aponta que essa população, em comparação com quem vive em favelas menos expostas a esse tipo de violência, tem risco 42% maior de desenvolver, por exemplo, hipertensão arterial, e 73% mais chances de ter insônia.

— Meu medo constante é sair para trabalhar e deixar meus filhos em casa — diz Fátima. — Um deles já foi torturado por agentes do Estado, mesmo mostrando a carteira assinada. Procuro não tomar remédios para não ficar dependente. Mas é muito difícil. Já perdi um filho. Não quero perder outros — continua ela, que atualmente integra as Mães de Manguinhos, grupo que acolhe familiares de vítimas da violência do Estado.

Na pesquisa do CESeC foram, ao todo, 1.500 questionários analisados, aplicados em seis comunidades cariocas com perfis socioeconômicos semelhantes, três delas entre as que mais registram confrontos envolvendo as forças de segurança e três em que esses episódios são menos comuns. No primeiro estrato estavam as favelas Nova Holanda (Complexo da Maré), CHP-2 (Complexo de Manguinhos) e Vidigal, que de 2017 a 2022 registraram, juntas, 120 tiroteios. No segundo, o Parque Proletário dos Bancários (Ilha do Governador), o Parque Conquista (Caju) e o Jardim Moriçaba (Senador Vasconcelos), com três conflitos no mesmo período.

Infográfico — Foto: Editoria de Arte
Infográfico — Foto: Editoria de Arte

Efeitos a curto prazo

Os resultados revelam que, nas favelas mais afetadas pelos confrontos, 29,6% contaram terem tido sintomas típicos de depressão e, 24,7%, de ansiedade — frente a 15,7% e 16%, respectivamente, nas com menos tiroteios. Já a hipertensão arterial foi citada por 21,1% dos entrevistados nas comunidades mais conflagradas, contra 16% nas menos.

— A violência tem efeitos a curto prazo, com relatos de sintomas como tremores, falta de ar e taquicardia, o que também medimos na pesquisa. Mas também afeta a vida dos moradores das favelas a longo prazo. Nas que registram mais tiroteios envolvendo policiais, 50,9% sofrem com pelo menos uma das condições analisadas (hipertensão, insônia prolongada, depressão e ansiedade). O percentual cai para 35,9% entre os que moram nas comunidades em que esses episódios são menos rotineiros — destaca a antropóloga Paula Napolião, pesquisadora no eixo drogas e justiça do CESeC.

Em Manguinhos, são dores que atingem todas as gerações.

— Se escutar um pow, minha filha, de 12 anos, congela. Ninguém a tira do lugar — diz a moradora Ana Paula Lopes.

Unidades fechadas

Já Ana Paula de Oliveira, militante no grupo Mãe de Manguinhos, conta que sua filha tinha 9 anos quando perdeu o irmão, Johnatha, morto pela polícia com um tiro nas costas.

— Na escola, quando chorava, os colegas de turma a acudiam. Até que recebi uma ligação do colégio dizendo que ela atrapalhava o desenvolvimento das crianças. Eu, já fragilizada, me senti sozinha. Nem atendimento psicológico eu conseguia para ela na época — lembra Ana Paula, que ouve também histórias de doenças como diabetes e síndrome do pânico. — Nós, mães, adoecemos. Começa no momento que nosso filho é tirado da nossa vida. E piora quando não vemos a Justiça. Algumas não resistem e morrem.

Ontem, enquanto ela contava sua história, uma operação de choque de ordem, com apoio da PM, derrubava barracos na comunidade. Perto dali, por causa da ação, a Clínica da Família Victor Valla estava fechada, atestando outro impacto da violência armada nas favelas investigado pela pesquisa do CESeC. Segundo o estudo, nas comunidades mais expostas a tiroteios com a presença de agentes de segurança, 59,5% disseram que algum serviço de saúde já teve o atendimento interrompido devido aos confrontos, contra 12,9% nas demais comunidades.

— Já 26,5% das pessoas deixaram de procurar um serviço de saúde devido aos tiroteios. Imagina isso num contexto que sabemos ser muito difícil marcar uma consulta, por exemplo, pelo SUS. Pode adiar o diagnóstico de uma doença e piorar o estado do paciente — ressalta Paula Napolião.

Infográfico — Foto: Editoria de Arte
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