Maria Luiza do Nascimento Santos, de 23 anos, moradora de Senador Camará, na Zona Oeste do Rio, conta que a reação de sua mãe foi de muita preocupação quando ela soube que a filha pretendia abandonar o estágio na área de administração, na Procuradoria-Geral do Estado, para se dedicar integralmente aos jogos eletrônicos. Já o caso de Caio Luiz Mendes, de 20, morador de Acari, foi diferente. Ao perceber que os games mantinham o filho em casa e o afastavam da dependência química, a mãe não só o apoiou como ainda financiou um celular mais potente para o rapaz jogar FreeFire. Após o ingresso no projeto AfroGames, o que era hobby para os dois virou ganha-pão. E mais que isso: considerados atletas profissionais, eles embarcam hoje para a Alemanha, com outros três colegas. Vão representar o Brasil na Gamescom, maior feira de games do mundo, que acontece de quarta-feira a domingo.
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— Me encontrei nos jogos. Viajar para fora do país é só o primeiro degrau. O que daí pode vir é bem maior. Tem uma coisa dentro de mim dizendo que vai dar certo — diz Caio, conhecido como BandTrem no mundo dos games.
Ajuda financeira
O jovem conta hoje com apoio financeiro de uma loja de açaí da comunidade, no valor de R$ 400 mensais. E recebe também uma bolsa de um salário mínimo (R$ 1.320) por mês, paga pelo AfroGames a alunos que já disputam campeonatos de jogos digitais, como League of Legends (LoL), Fortnite, FreeFire e Valorant, e desenvolvem programas.
Maria Luiza, cujo nickname é Maria Atropela, entrou no projeto em fevereiro do ano passado como atleta de FreeFire, numa seletiva com participação de jovens de diversas favelas. Hoje é criadora de conteúdo. A atleta, que trancou a faculdade de administração, pretende voltar a estudar em uma área que tenha relação com o que faz atualmente.
Morador de Vigário Geral, Renan Macedo, de 20 anos, que no ambiente virtual atende por Noobzim, mentiu para os pais ao dizer que faria um curso de informática, quando entrou para o AfroGames. O jovem viu no projeto uma forma de desenvolver sua paixão pelos jogos e de inclusão. Portador de uma atrofia muscular no joelho esquerdo, que o impede de esticar a perna, além da baixa estatura, ele achava que sua condição reduziria suas chances no mercado de trabalho.
— Quando atingi aquela fase, perto dos 18, em que o jovem tem de se definir profissionalmente, me vi numa encruzilhada. Apesar das cotas, o mercado ainda é cruel com quem tem deficiência. Me descobri nos jogos — diz ele.
Um dos atletas mais destacados do projeto, Renan foi a primeira pessoa com deficiência a entrar para o ranking global do Fortnite, figurando entre os 200 melhores do mundo. Ele também atua como criador de conteúdo. A visibilidade no universo virtual lhe rendeu convites para ser embaixador de uma marca de energético e participar do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL).
Os jogos também ajudaram a mudar a vida de Márcio Correa, de 25 anos, o Jamela, que recentemente trocou o Engenho da Rainha pelo Grajaú. Ao contrário dos outros colegas, ele sempre teve o apoio da família. Começou como jogador, mas foi a transmissão de um jogo universitário em 2017 que selou seu destino. Viu ali que levava jeito para a narração e, nessa condição, participou no ano passado do Rock in Rio, na Arena Wild Rift em parceria com a Riot Games. Hoje cobra entre R$ 400 e R$ 1.500 para narrar um evento.
Maria Luiza dos Santos Souza, de 18 anos, a caçula do grupo que irá para a Alemanha, é conhecida no mundo virtual como Malu ou Maluzita. Moradora da Vila do João, no Complexo da Maré, soube do projeto por uma vizinha e se matriculou em julho do ano passado. A menina, que fugia de casa para jogar escondida da mãe numa lan house, agora atua como criadora de conteúdo.
Cursos para 827 jovens
O convite para o time do AfroGames participar da feira alemã, que homenageará o Brasil, partiu da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games (Abragames). A viagem será viabilizada pelo TikTok, que firmou parceria com o projeto para que esses jovens produzam conteúdo para a plataforma por um ano. Durante o período, receberão uma bolsa. Ricardo Chantilly, diretor executivo do AfroGames, destaca a importância da viagem:
— Vai impactar não só as vidas desses cinco jovens, mas também as de outros alunos do projeto que vão ver neles um exemplo a ser seguido. Vão perceber que para eles também é possível.
Criado em 2019, o AfroGames atua em quatro comunidades do Rio e de Niterói, atendendo 827 jovens. O projeto oferece cursos técnicos em e-Sports e de desenvolvimento de jogos (Programação e Produção de Trilha Sonora para games), além de aulas de inglês.
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