Rio
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Por — Rio de Janeiro

Nada como a arte para ajudar a preencher um vazio. Depois de dois anos de pandemia, ruas históricas do Centro do Rio, como as do Ouvidor e do Rosário, sem o movimento dos escritórios, perderam vida. Para retomar o pulso, a aposta é na cultura. Mais de 140 projetos de cinema, literatura, artes plásticas, música e dança foram inscritos no programa Reviver Centro Cultural, anunciado em janeiro pela prefeitura do Rio, para ocupar imóveis que estão fechados e sem uso. Até o início do ano que vem, quem passar por essas ruas vai poder ver casarões e sobrados antigos virarem endereços de, quem sabe, um novo teatro ou uma galeria.

Primeiro, o município abriu o cadastramento para proprietários de imóveis interessados em participar do projeto, e 39 endereços foram registrados. O foco foram as lojas de fachada e térreas, entre as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco e as ruas Primeiro de Março e da Assembleia, além de um trecho da Orla Conde.

Convocação da classe

Depois, a chamada foi para autores de projetos artísticos e culturais que quisessem ocupar esses imóveis. Dos 141 inscritos, a prefeitura vai selecionar uma parte, levando em conta a sustentabilidade financeira no longo prazo, a forma de ocupação, o nível de interação com o espaço público e a capacidade de operar em horários alternativos (à noite e nos fins de semana).

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Para incentivar os novos ocupantes, a prefeitura vai pagar reformas de até R$ 192 mil (R$ 1 mil por metro quadrado) e até R$ 14,4 mil mensais (R$ 75 por metro quadrado) para cobrir despesas como aluguel e conta de energia elétrica por, no máximo, quatro anos. Uma contrapartida é ficar pelo menos 30 meses no imóvel — tempo padrão para contratos de aluguel, que serão firmados diretamente entre os representantes dos projetos e os proprietários dos imóveis. A expectativa da prefeitura é que as lojas comecem a ser ocupadas ainda este ano.

— Todo lugar com um vazio urbano de pessoas pode criar uma sensação de insegurança. Queremos eliminar essas sombras, gerar um círculo virtuoso e criar oportunidade para que grandes mentes cariocas possam empreender e ficar aqui. O Reviver Centro Cultural chega antes das habitações, mas ajuda a criar interesse e a trazer mais vida para a região — afirmou Chicão Bulhões, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação do Rio.

Imóveis históricos

Os endereços mais cobiçados estão entre as ruas do Mercado e Primeiro de Março, segundo Claudio Castro, da Sérgio Castro Imóveis, que administra 15 das propriedades cadastradas.

— Os prédios históricos remontam ao século XIX e ao início do XX. Alguns têm pé-direito de cinco metros; as pessoas ficam apaixonadas. Vai ser muito bacana ver a vida voltar a esses imóveis — disse Castro.

Os aluguéis vão de R$ 7 mil, no Arco do Teles, a até R$ 26 mil, na Rua da Quitanda. Um dos casarões cadastrados abrigou o primeiro Banco do Brasil do país, na Rua do Rosário. O proprietário apostou no retrofit como técnica de restauro, preservando a arquitetura original com acabamentos mais modernos na parte interna.

Na icônica Rua do Ouvidor, dois casarões aguardam iniciativas artísticas para reabrir as portas. Um deles foi a sede de uma das mais antigas empresas de importação e exportação de secos e molhados da história do estado. A rua, cenário em livros de Machado de Assis e José de Alencar, foi a primeira a ter calçamento de paralelepípedo e iluminação elétrica no estado.

— Essa região está ligada ao núcleo de povoamento do Rio, presenciou conflitos históricos, além de ser um espaço de poder com a casa dos governadores, a Cadeia Velha, o Judiciário. A Rua do Ouvidor foi a mais importante do Centro a partir da segunda metade do século XIX, quando começam a se instalar grandes jornais, livrarias, lojas de moda, confeitarias. O nome é esse porque morava ali o Ouvidor do Rio de Janeiro, um cargo superimportante — conta o historiador André Luis Mansur.

Na Praça Quinze, um sobrado cadastrado no programa tinha localização estratégica durante a invasão francesa de 1710. Pelas janelas dos cortiços, vários moradores ajudaram a atacar os estrangeiros com panelas de água fervente. Os soldados fugiram pela Rua Primeiro de Março, onde há quatro lojas disponíveis para aluguel. Lá, a batalha foi contra um grupo de estudantes que defendeu bravamente o Palácio dos Governadores, hoje ocupado pelos prédios dos Correios e do Centro Cultural Banco do Brasil.

A dobradinha de arte e história pode ser o propulsor de um novo centro do Rio, acredita o galerista Marcio Botner.

— Não existe riqueza maior do que o Centro. A paisagem da orla é maravilhosa, mas a nossa história é impressionante. Esse programa é o tipo de iniciativa que ajuda a desenvolver a cultura e a economia e envolve as pessoas. Isso é transformador. Claro que tem que pensar na continuidade a longo prazo, mas é uma semente para plantar várias árvores de cultura no Rio — avalia Botner.

Taxista há mais de 30 anos na Praça Quinze, Luiz Carlos de Jesus, de 64 anos, espera ver o movimento de antes:

— Acho importante ter cultura para ter gente frequentando o Centro. Mas eu ainda acho que é imprescindível também um projeto de moradia, para as pessoas ficarem aqui.

Exemplos globais

Pelo mundo, outras cidades também passaram por processos de reocupação de vazios urbanos por meio da arte. Na década de 1960, a prefeitura de Nova York estimulou a ida de artistas para a cidade, transformando os galpões fechados das antigas fábricas de tecido em espaços culturais. Berlim, na Alemanha, e Toronto, no Canadá, também tiveram iniciativas parecidas.

Antes da pandemia, o Rio já experimentava revitalização de outra área. Na região Portuária, a turismóloga Adriana Buarque ia vender o galpão da família, que vivia de portas fechadas, quando a companheira e sócia Nisa Pinheiro insistiu para fazer uma reforma. Depois de 9 meses de obra, em outubro de 2018, elas inauguraram o B.Co, um espaço para eventos, shows, festas e coworking. Dois meses depois, o lugar sediou uma festa famosa do Rio e se consolidou na rota cultural do bairro.

— A revitalização foi fundamental, principalmente com a chegada do VLT. Há anos meu pai já apostava no potencial daqui e se recusava a vender o imóvel, e a aposta atravessou gerações. É incrível pensar que a gente está participando da construção de um bairro. Mercados, prédios e centros comerciais estão chegando. Vai ser lindo ver a revitalização do Centro do Rio também — se animou Adriana.

Na avaliação do urbanista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedro da Luz, a iniciativa é importante, mas precisa se atentar para não aprofundar a segregação social na cidade.

— A cultura tem um potencial muito grande para contar a nossa história e integrar a cidade. A atuação do poder público deve ser ainda mais protagonista, mapeando e preservando os empreendedores locais e tornando o Centro habitável pela população, sem deixar que a especulação exclua os mais pobres — avalia o urbanista.

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