Rio
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Por — Rio de Janeiro

São três andares de vigas e pilares que sustentam uma casa pendurada numa encosta no Vale do Cuiabá, em Petrópolis. Confessando achar o imóvel inusitado, um vizinho o descreve: “Parece uma aranha”. E esse é só um dos muitos exemplos de construções no Rio que desafiam as leis — a da gravidade e, com frequência, as que regem o uso e a ocupação do solo nas cidades. A casa em questão, num dos epicentros dos temporais que deixaram mais de 900 mortos na Região Serrana em 2011, foi interditada duas vezes, e seu proprietário recebeu nove multas e 15 intimações nos últimos dez anos, segundo a prefeitura local. Avisos não faltam. Mas, ali e em todo o estado, são ignorados os riscos de novas tragédias.

No Vale do Cuiabá, as marcas da enxurrada de 2011 continuam aparentes. Numa visita à região, em 31 de agosto, o dono da “casa aranha” chegou a afirmar à reportagem que a obra seguiu os parâmetros exigidos e contou com profissionais de engenharia. Segundo ele, a família optou por aquela estrutura porque não era permitido construir na parte baixa do terreno.

— O Inea (Instituto Estadual do Ambiente) não deixa, porque é perto do rio. Após 2011, muitos foram obrigados a sair da região, mas é um bom lugar. Não queríamos ir. Morávamos numa casa menor, aqui perto, e erguemos esta — disse o homem, num bar que funciona em parte do imóvel, de frente para a Estrada Ministro Salgado Filho, na localidade conhecida como Buraco do Sapo.

Embargo e demolição

Após a Secretaria de Planejamento e Orçamento de Petrópolis confirmar a situação irregular da construção, a reportagem voltou a entrar em contato com ele, por telefone. Ao ser informado sobre o retorno da prefeitura, ele disse estar ocupado e pediu para que a ligação fosse feita depois. Desde então, O GLOBO não conseguiu mais falar com o comerciante. Mas, de acordo com o município, o processo administrativo sobre o imóvel segue em andamento, e uma das “medidas pode ser a demolição da construção irregular”.

Construções do Morro dos Macacos na entrada do túnel Noel Rosa. — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Construções do Morro dos Macacos na entrada do túnel Noel Rosa. — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Na cidade, que enfrentou outra tragédia das chuvas no ano passado, com 241 mortos, a prefeitura diz estar reforçando a fiscalização. Este ano, até o último dia 14, um imóvel havia sido interditado, 190 embargados e 65 multados, além de terem sido emitidas 288 intimações. Mas construções nas encostas, das que dão calafrios só de ver, ainda fazem parte da paisagem.

No bairro Nogueira, há mais uma “casa aranha” nas alturas, num condomínio com imóveis anunciados na internet por valores que ultrapassam R$ 3 milhões. Em Itaipava, outra construção, avistada da Estrada União Indústria, promove escavações na montanha. Ambas, segundo a prefeitura, foram embargadas: a primeira em dezembro de 2020, e a segunda em junho deste ano.

Na capital, são conhecidos os “prédios de areia” do mercado imobiliário ilegal da milícia, que protagonizaram desabamentos como o da Muzema, na Zona Oeste, em 2019. Na Zona Norte, uma construção de sete andares ficou famosa nas redes sociais e ganhou até apelido: o “arranha-céu de Irajá”, na Avenida Pastor Martin Luther King Jr. Hoje, o prédio tem o aspecto de um “C”. São quatro andares que ocupam toda a área do terreno. Os pisos cinco e seis são mais estreitos, numa espécie de cobertura. E um sétimo pavimento se assemelha a um terraço, avançando numa área maior que a do sexto piso.

Onde as paredes não têm emboço, observam-se vigas e pilares aparentemente tortos e desencontrados. A Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) vistoriou o local, numa pequena comunidade próxima à estação do metrô do bairro. E afirma que realizará nova fiscalização, com auxílio de forças de segurança, desta vez “para realizar a demolição”. O GLOBO não conseguiu contato com os responsáveis pelo imóvel.

Construções irregulares desafiam parâmetros urbanistas — Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo
Construções irregulares desafiam parâmetros urbanistas — Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo

Para o engenheiro Luís Carneiro, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ), construções sustentadas por armações de vigas e pilares, como as de Petrópolis, não representam necessariamente um perigo. Essas estruturas, diz ele, estão presentes em edifícios antigos, por exemplo, de Santa Teresa, no Rio. Mas ele ressalta que essas não são “obras para leigos”.

— É necessário fazer um estudo geotécnico e uma análise de estabilidade da encosta devido aos riscos de deslizamentos. Também precisam ser muito bem estudadas as modificações de circulação de água que a construção poderá provocar. Tem que ser serviço de engenharia. Não é uma pessoa que conhece uma colher de pedreiro que vai fazer — alerta ele, ressaltando que, no caso do imóvel do Vale do Cuiabá, perto de um rio, o regime de chuvas na região também deve ser levado em conta.

Já o empilhamento vertical de cômodos, como ocorre no “arranha-céu de Irajá”, é um dos mais temerosos fenômenos vistos em construções irregulares no Rio, afirma Carneiro. Muitas vezes erguidos sem acompanhamento técnico e com estruturas improvisadas, ele diz que esses prédios são um risco tanto em terrenos planos quanto nos morros, com o perigo de desabamento potencializado:

— No plano, devido às enchentes. Em terrenos inclinados, são questões como falta de muro de arrimo e deslizamentos.

Nas linhas Vermelha e Amarela, é possível assistir à multiplicação desses puxadinhos que desafiam leis da física, às vezes colados às pistas das vias expressas. No Complexo da Maré, uma área de expansão próxima à Ponte do Saber tem casas de quatro e cinco andares, com evidente crescimento vertical. E no Morro do Timbau, que faz parte do mesmo conjunto de favelas, um prédio de pelo menos cinco andares se destaca no cenário.

Esse “Lego”, montado em períodos e com técnicas diferentes, fica ainda mais evidente na Barreira do Vasco, também na Zona Norte, onde há prédios que já ultrapassam a altura das arquibancadas do estádio de São Januário. Parte dos prédios foi erguida sobre uma construção mais antiga, onde foram abertos buracos na parede para instalar janelas e aparelhos de ar-condicionado.

Só com a polícia

Foi justamente a região da Subprefeitura da Zona Norte do Rio que registrou mais chamados este ano ao serviço 1.746, da prefeitura, para reclamações relacionadas à fiscalização de obras: 2.815 até 12 de setembro. Pelo levantamento, a Zona Sul ocupava o segundo lugar (1.564), seguida pela região da subprefeitura da Barra da Tijuca (1.190), a da Zona Oeste (1.133), a de Jacarepaguá (856) e a do Centro (813).

Segundo a Seop, desde 2021 já foram realizadas 2.913 demolições de construções irregulares, 75% delas em áreas sob influência do crime organizado. Essa é a realidade tanto na Maré quanto na Barreira do Vasco e, por isso, o município diz que a realização de qualquer operação precisa de apoio das forças policiais.

O engenheiro Luís Carneiro defende uma solução, implementada em alguns programas municipais e estaduais, mas longe de estar acessível à grande maioria da população:

— Se tivesse um serviço de apoio das prefeituras, com engenheiros e arquitetos, para orientar os moradores a fazerem as alterações em suas casas nessas comunidades, certamente teríamos menos problemas.

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