Rio
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Por — Rio de Janeiro

Nos últimos dez anos, a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes experimentaram uma explosão de desenvolvimento. Alçada a “casa” dos Jogos Olímpicos de 2016, a região recebeu hotéis de redes internacionais, entrou na rota da alta gastronomia da cidade e virou, ao mesmo tempo, destino turístico e centro financeiro do Rio. A reboque dos investimentos, no entanto, veio o crime. Antes considerados “ilhas” de segurança na capital, Barra e Recreio viraram o epicentro de guerras entre traficantes, milicianos e bicheiros, passaram a ser palco de crimes bárbaros — como o ataque que vitimou três médicos na orla na semana passada — e assistem a um aumento vertiginoso de assassinatos.

Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), de janeiro a agosto de 2023 foram registradas na área coberta pelo 31º BPM — que abrange, além de Barra e Recreio, Itanhangá, Joá, Vargem Grande e Vargem Pequena — 72 mortes violentas (que incluem homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes por intervenção de agentes do estado). Esse é o número mais alto de casos na região desde 2003. Em comparação com o mesmo período do ano passado, quando 29 pessoas foram mortas, os assassinatos mais que duplicaram — o aumento foi de 150%. Junto com o vizinho Jacarepaguá, Barra e Recreio são as áreas onde casos de letalidade violenta mais cresceram em todo o Estado do Rio — que, no mesmo período, registrou queda de 1% nas mortes violentas.

A escalada de assassinatos foi precedida por mudanças na geopolítica do crime no Rio que levaram a disputas entre facções do tráfico e milícias por territórios na região da Baixada de Jacarepaguá — que compreende uma série de bairros da Zona Oeste, da Praça Seca até Grumari, passando por Jacarepaguá, Barra e Recreio. A crise começou ainda em 2021, a partir da morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, então chefe da maior milícia do Rio, que fincou suas bases em Campo Grande, também na Zona Oeste.

Estabilidade e avanço

Ao longo dos quatro anos em que esteve à frente da quadrilha, Ecko aumentou os domínios do grupo a partir de uma série de acordos com outras milícias menores — que envolviam pactos de não agressão e empréstimos de homens e armas para invasões de favelas controladas por rivais. Assim, o período foi marcado por uma estabilidade na milícia, sem disputas internas, e pelo avanço dos paramilitares em relação a áreas antes dominadas pelo Comando Vermelho (CV), maior facção do tráfico do estado — como uma série de favelas de Jacarepaguá e da Praça Seca, além de regiões de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense.

No entanto, a morte de Ecko numa operação da Polícia Civil desencadeou uma série de conflitos internos por sua sucessão tanto na Zona Oeste quanto na Baixada Fluminense — e a maior milícia do Rio se fragmentou. Na Baixada de Jacarepaguá, por exemplo, entre 2021 e 2022, os grupos paramilitares de Rio das Pedras e da Gardênia, antes aliados a Ecko, se tornaram independentes. Por outro lado, o tráfico se aproveitou do momento de instabilidade dos rivais e passou a tentar invadir áreas da milícia.

Esse foi o pano de fundo, segundo a Polícia Civil, das execuções por engano dos médicos Perseu Ribeiro de Almeida, Diego Ralf Bomfim e Marcos Andrade Corsato, na orla da Barra na madrugada da última quinta-feira. Daniel Sonnewend Proença, também médico, foi atingido e está internado.

Philip Motta Pereira, o Lesk, apontado pelos investigadores como um dos atiradores, integrava a milícia da Gardênia Azul até dezembro de 2022, quando decidiu se aliar ao CV. Após trocar de lado, Lesk transformou a Gardênia — tradicional reduto da milícia — numa área do tráfico e passou a atacar favelas dominadas por grupos paramilitares e seus integrantes. Uma dessas empreitadas, segundo a polícia, culminou nas mortes dos médicos: Lesk e seu bando teriam confundido uma das vítimas com seu desafeto Taillon Barbosa, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras. Na noite da última quinta-feira, o cadáver de Lesk foi um dos quatro encontrados dentro de carros na Gardênia e no Camorim. Segundo a polícia, a cúpula do tráfico ficou insatisfeita com a repercussão do crime e determinou a execução de seus responsáveis.

Bicho e máfia do cigarro

A mesma guerra já havia feito outra vítima em outro ponto central da Barra em maio passado. Na ocasião, PMs encontraram o corpo de Leandro Siqueira de Assis, o Gargalhone, ex-chefe da milícia da Gardênia que se aliou ao tráfico junto com Lesk, no estacionamento do Mercado do Produtor, na Avenida Ayrton Senna.

Outro foco da violência na região, impactada pelo processo de implosão da milícia, é a favela do Terreirão, no coração do Recreio. Se antes da morte de Ecko a área era reduto exclusivo dos paramilitares, atualmente a comunidade é disputada por duas facções do tráfico e um grupo de milicianos. Drogas já foram apreendidas pela PM na região e, em agosto passado, durante um confronto que varou a madrugada, três homens foram baleados na favela. Um deles morreu. Traficantes também já se instalaram em favelas vizinhas, como a do Fontella, e em áreas de Vargem Pequena, Vargem Grande e Camorim.

Em meio aos confrontos entre facções e a milícia, outra disputa por territórios também impacta nos indicadores criminais da Barra e do Recreio. A polícia investiga a relação entre uma série de execuções na região e uma guerra entre bicheiros pelo controle da venda de cigarros ilegais no estado. Três dessas mortes aconteceram num intervalo de apenas dez dias em junho passado. Em todos os casos, as vítimas — o policial penal Bruno Kilier, o ex-PM Matheus Haddad Leal e o comerciante Cristiano de Souza — foram surpreendidas por bandos de encapuzados, que fizeram dezenas de disparos.

Na avaliação de Alfredo Lopes, presidente do Sindicato de Hotéis e Meios de Hospedagem do Rio, o quadro de violência na região impacta o turismo. A Barra tem cerca de um quarto dos dormitórios da cidade e abriga a maior parte dos congressos e das convenções realizadas no Rio.

— A Barra se solidificou como destino turístico após os Jogos Olímpicos. No réveillon de 2019, os hotéis do bairro encheram mais rapidamente que os da Zona Sul. Mas as notícias sobre violência causam prejuízos porque o que sustenta o turismo aqui é o viajante de outras partes do país, que é impactado por esses casos de repercussão. A meta para o último trimestre deste ano era chegar a 75% dos quartos ocupados. Hoje, acho difícil conseguir bater — afirma Lopes.

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