O bairro de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, tem batido recordes de sensação térmica nos últimos dias. Nesta sexta-feira, protagonizou o maior registro da década: 59,3°C, às 10h20. O dado foi computado pelo sistema Alerta Rio, da prefeitura, mas, como diz a expressão popular, não abalou Bangu, bairro na mesma região, historicamente conhecido pelo calor intenso. A equipe do GLOBO recorreu a um termômetro para garantir o tira-teima: a temperatura no calçadão da Avenida Cônego Vasconcelos marcava 63,2 graus às 11h15.
Como se vê, Bangu não deixou de ser quente. Na realidade, está fora das medições oficiais desde 2004, quando a estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) foi desativada para a construção de um shopping. Localizado entre os maciços do Mendanha e da Pedra Branca, o bairro é um grande vale que favorece a retenção de calor. Em Guaratiba, a umidade da Baía de Sepetiba e a região de baixada, muito perto do nível do mar, elevam a sensação térmica.
Os dois bairros compartilham alguns fatores que justificam a disputa no ranking do calorão. A região recebe ventos predominantemente do Norte, que costumam ser mais quentes. Além disso, ambos são marcados por intenso adensamento urbano e baixa cobertura vegetal. O mapa de plantio de árvores urbanas da cidade, da Fundação Parques e Jardins, mostrou que, dos cinco bairros do Rio que mais precisavam de arborização em 2021, três eram da Zona Oeste, incluindo Bangu e Guaratiba.
No histórico de temperaturas máximas no Estado do Rio registradas pelo Inmet, com 17 posições, a cidade do Rio ocupa 11 delas. As medições são a partir de 42,2°C e as cinco primeiras são ocupadas por dois bairros da Zona Oeste. Num recorte para a capital, das 15 posições de maiores temperaturas, só quatro são de Bangu. Guaratiba aparece na lista com 42,4°C em 9 de setembro de 1997.
Entre duas Serras e sem o refresco do chuveirinho
Desde março de 2004, a estação meteorológica de Bangu está desativada. Por isso, o bairro deixou de ter uma medição oficial, cedendo assim o posto de “mais quente do Rio” para Guaratiba, que fica na mesma região. Sem o título, o vendedor de água Nelcy de Oliveira, de 62 anos, perdeu o refresco que o chuveirinho instalado pela prefeitura no calçadão de Bangu proporcionava. O sistema de pulverização de água na passarela da Avenida Cônego de Vasconcellos, principal centro comercial do bairro, deixou de funcionar há pelo menos nove anos.
Na falta de seu “vaporzinho”, seu Nel, como é conhecido, usa a sombra de sua barraquinha para amenizar o calorão. É que debaixo do corredor de 680 metros coberto por telhas ficam os camelôs que tomaram conta da região. Ele conta que a venda de água — a R$ 2, a garrafinha — tem sido o melhor negócio nesse calor atípico. Por dia, o comerciante diz vender de R$ 800 a R$ 1 mil. Em cinco minutos de entrevista, ao menos dez pessoas compraram uma garrafinha.
— Foi a maneira que encontrei para ganhar dinheiro. Este tem sido meu ganha-pão e também uma maneira de fugir do calor.
Segundo moradores e visitantes, as canaletas inauguradas pelo prefeito Cesar Maia, em 2002, não liberam mais gotículas de água, e tampouco passam por manutenção ou reforma. A sensação térmica de 63,2 graus no calçadão, registrada na medição feita pela equipe do GLOBO, é explicada por meteorologistas. Muito adensado, Bangu é como se fosse um corredor: de um lado tem o Maciço da Pedra Branca, e do outro, a Serra do Mendanha.
— A marca de 62 graus é um susto. A gente fica muito triste com isso. Bangu está entre os dois maciços, é um grande vale, não tem entrada de vento. Você não vê uma solução a médio ou a curto prazo. Talvez criar áreas verdes nas praças, fazendo ilhas de frescor pequenininhas em vários pontos, possa ajudar — afirmou o urbanista Flavio Telles.
Ontem, por volta das 11h15, a atendente Ketelen de Oliveira, de 22 anos, carregando uma garrafinha de água e o guarda-chuva, tentava se esquivar do sol forte enquanto caminhava pelo calçadão de Bangu, com a filha Sophia Laura, de apenas 1 mês. O calor extremo tem afetado a rotina dela e do bebê. É que, em sua casa, não tem ar-condicionado. Para fugir do ambiente abafado, ela tem adotado uma estratégia inusitada: coloca gelo dentro de um balde, atrás do ventilador.
— Essa é a única maneira de refrescar a casa para tentar dormir à noite com a bebê. Sophia dorme o tempo todo. O calor a tem deixado muito molinha. O ruim é que bebês não usam protetor solar e não podem ficar no sol, mas como fugir desse calor? É andar procurando sombra — diz ela.
Tem ar, mas não gela
Além já ter desembolsado R$ 150 para comprar gelo, Ketelen fez outra despesa que não podia com o novo enxoval para a filha. O antigo foi pensado para o clima de primavera. Com a temperatura nas alturas, ela teve que abrir mão dos macacões e dos casaquinhos.
Ao menos quem embarcou na linha 393 (Bangu—Candelária) ontem de manhã teve alguma alegria quando viu que o ônibus tinha ar-condicionado. Era miragem. Mesmo com o aparelho ligado, a temperatura dentro do veículo marcava 38,2 graus. Para a advogada Samara Carvalho, de 33 anos, a solução para encarar quase uma hora e meia de viagem é usar uma garrafa de água gelada e uma toalha para molhar o rosto:
— Raramente tem ônibus com ar. E, quando tem, não dá vazão ao calor. Pelo menos o ônibus sem ar tem janelas para abrir.
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