Oito dias após ser presa por um crime que não cometeu, a professora Samara de Oliveira Araújo enfim deixou o Instituto penal Oscar Stevenson, em Benfica, na Zona Norte do Rio, nesta sexta-feira. De braços abertos, quem estava por lá era o pai, com quem já tinha uma relação bem próxima e que ficará marcada para sempre por um novo gesto de amor: enquanto a filha não foi solta, Simario Araújo, de 48 anos, não arredou pé da porta da unidade prisional, seja na calçada ou até dentro do carro, usado como cama durante a noite. Agora, ele promete que a família irá investigar o caso por conta própria.
— Quando Samara era criança, nós abrimos uma conta-poupança para juntar dinheiro para ela fazer faculdade. Depois que fui no banco, deixei o cartão com a mãe e fazia depósitos mensalmente. Os criminosos podem ter utilizado essa mesma conta; a mãe dela pode ter perdido o cartão com a senha, que muita gente acaba deixando anotada junto; ou alguém usou os dados para abrir outra conta. É isso que a gente quer descobrir. Agora que a Samara é maior de idade, ela vai buscar todas essas informações — detalhou Simario, referindo-se ao crime, ocorrido em 2010.
Na ocasião, um funcionário de um mercadinho em São Francisco (PB) foi ameaçado para transferir quantias de R$ 1 mil para sete contas bancárias diferentes. Com o bloqueio de algumas transferências, a investigação quebrou sigilos bancários e chegou a Samara, que era uma criança na época, 13 anos depois. Os detalhes do crime também geraram questionamentos no pai de Samara:
— Também me pergunto porque o criminoso transferiu o dinheiro para sete contas diferentes? Será que era o limite do mercadinho? Para mim, a pessoa que fez o golpe conhecia o estabelecimento e sabia qual era o limite de transferências.
Vigília na porta de presídio
Com o alvará de soltura — expedido pela Justiça paraibana na última quarta-feira — em mãos, Simario se manteve na espera, mesmo que, para isso, precisasse tomar banho em uma empresa ou comer na porta do presídio. Aos prantos, durante a vigília, o pai de Samara disse que só queria “provar a inocência” da filha.
Enquanto Samara não saiu pelo portão da penitenciária feminina, o olhar de Simario se manteve atento. Cada um que entrou ou saiu por ali foi visto por um pai que só viu sua angústia acabar às 9h15 desta sexta-feira.
Os impactos da prisão, naquela que definiu como uma “menina tímida e sensível”, logo foram percebidos por Simario:
— Não está nem conseguindo falar comigo, está muito abatida — disse o pai da professora, no reencontro.
Volta para casa
Samara tem 23 anos e é professora de Matemática em Rio Bonito, sua cidade natal. No mesmo estado, mas a mais de 100 quilômetros de distância, mora o pai, em Macaé, no Norte Fluminense, onde ele trabalha como encarregado de transporte.
Apesar da distância, o contato é frequente, por telefone, meio pelo qual Simario soube da empolgação da filha com as aulas de pós-graduação, ou sobre as primeiras palavras do neto, de 2 anos.
No último dia 23, no entanto, quem estava do outro lado da linha não era a filha, mas, na verdade, a ex-mulher, informando que Samara tinha sido presa na escola em que dava aula. Oito dias depois, a professora está de volta para casa e o reencontro com a família foi emocionante.
Ao desembarcar do carro, abraçou a mãe e não conteve o choro. Quando viu o filho, as lágrimas se intensificaram. Segundo relato de pessoas próximas, o menino é muito apegado à Samara e estava sofrendo durante a semana que a jovem passou fora de casa, por estar presa. Ao ver a mãe depois de tantos dias longe, ele quis voltar para o colo do pai. A reação deixou Samara ainda mais emocionada. "Vai ficar tudo bem", confortou a mãe, com um abraço apertado.
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Entenda o caso
A professora foi presa por um crime que ocorreu em 2010, quando um funcionário do Mercadinho Vieira, que funcionava como representante da Caixa Econômica Federal, foi obrigado a fazer oito transferências de R$ 1 mil cada após ser ameaçado de morte. O caso aconteceu em São Francisco, cidade do interior da Paraíba.
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Na ocasião, um desconhecido o ameaçou de morte, dizendo que duas pessoas numa moto o vigiavam. E que estavam prontas para invadir o estabelecimento e executá-lo, caso não fizesse as oito transferências para sete contas diferentes. A vítima não poderia sequer desligar o telefone.
De acordo com o processo, atemorizada, a vítima cumpriu o que foi determinado. Na verdade, após investigações, foi constatado que se tratava de um golpe, pois não havia ninguém em frente ao mercado. O funcionário contou que o golpista passou os números das contas bancárias para as quais foram feitas as transferências. No entanto, três delas, num total de R$ 3 mil, foram bloqueadas. Com a quebra dos sigilos bancários, a Polícia Civil e o Ministério Público da Paraíba identificaram os donos das contas. Todos eram do Rio de Janeiro.
Duas acusadas, Cirlene de Souza e Josina Padilha, titulares das contas, foram localizadas e deram suas versões por carta precatória (quando o citado no processo responde às perguntas de um juiz de uma outra comarca). Uma delas confirmou ser dela a conta, mas que desconhecia o valor depositado. Já a outra negou ter conta bancária. As duas foram condenadas a cinco anos e quatro meses de prisão, mas, por terem bom comportamento e serem rés primárias, a pena teve início em regime semiaberto.
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Faltavam dois acusados, Ricardo Campos dos Santos e Samara, que não tinham sido localizados. A Justiça chegou a suspender o processo, ou seja, paralisar a contagem de tempo de prescrição do crime. Na tentativa de encontrar quem faltava, o juízo determinou que o MP da Paraíba tentasse mais uma vez descobrir os endereços dos acusados. Em 20 de janeiro deste ano, foi decretada a prisão de Samara de Araújo Oliveira. O GLOBO encontrou num cadastro nacional de dados de pessoas físicas nove nomes iguais ao da professora.
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