Rio
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Na manhã de 31 de maio de 2022, o advogado Carlos Daniel Dias André, de 41 anos, parou sua caminhonete Hilux blindada num sinal de trânsito no bairro Cafubá, na Região Oceânica de Niterói. Eram 7h30, e logo se formou uma fila de carros que aguardavam a liberação do trânsito. Uma moto com dois ocupantes encostou ao lado da Hilux, e o garupa desembarcou sacando um revólver. O homem ainda aproveitou que a janela do carona estava parcialmente aberta, colocou a arma para dentro do veículo e apertou o gatilho três vezes. Um dos tiros acertou a cabeça de Daniel, que morreu na hora. Os assassinos fugiram pela contramão. No momento em que foi executado, o advogado estava a caminho de uma reunião com um cliente importante: o empresário Marcello Magalhães, que prosperou em plena pandemia depois de fundar a Zé do Churrasco, uma empresa de delivery de kits de carne que espalhou franquias pelo Rio e chegou a movimentar R$ 20 milhões em menos de um ano.

O crime foi o ponto de partida para que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio (MPRJ) concluíssem que o empreendimento de sucesso era, na verdade, uma fachada para a lavagem de dinheiro da máfia que controla o jogo ilegal no Rio. A investigação aponta que a Zé do Churrasco era usada pelo bicheiro Bernardo Bello para dissimular a origem dos lucros provenientes da exploração do jogo do bicho, de máquinas caça-níqueis e de cassinos clandestinos na Zona Sul e na Grande Tijuca. A empresa de kits de carne foi palco de uma disputa interna na quadrilha do contraventor, que envolveu a invasão de sua sede por homens armados com fuzis e culminou no assassinato do advogado em Niterói.

A Zé do Churrasco foi fundada por Magalhães logo após a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, em 2020. No início, toda a operação era feita pelo empresário no quintal de sua casa. Com a população de quarentena e o mercado de delivery aquecido, a empresa logo decolou: segundo comunicado enviado à imprensa em agosto de 2021, a firma alardeava ter em seus quadros “mais de 300 funcionários e mais de 23 milhões de kits vendidos, além de frigorífico e aplicativo próprios”. Na época, a empresa já tinha 35 franquias no Rio e dez em São Paulo.

‘Sócio oculto’ em 2021

Nas redes sociais, Magalhães se apresentava como o CEO bem-sucedido da marca: “Três anos que se parecem 30... Dá pra escrever um livro de todas as páginas vividas até aqui”, escreveu numa postagem em comemoração aos três anos da empresa, em fevereiro de 2023. O empresário chegou a dar palestras sobre empreendedorismo, em que contava o “caso de sucesso” da Zé do Churrasco. Magalhães até tatuou, em seu braço esquerdo, o logotipo da marca, uma letra “Z” estilizada.

A investigação do homicídio do advogado Carlos Daniel, porém, descobriu que, a partir de julho de 2021, o negócio ganhou um “sócio oculto”: Allan Diego Magalhães Aguiar, o Allan do Posto, ex-cunhado de Bernardo Bello e apontado pelo MPRJ como um de seus “braços financeiros”. Prometendo alçar a Zé do Churrasco a um “outro patamar”, Aguiar comprou 50% da empresa por R$ 200 mil e passou a ter controle sobre suas contas. O novo investidor teve o cuidado de não vincular seu nome à firma — no papel, o único sócio era Marcello Magalhães. Mas, segundo o MPRJ, com a entrada de Aguiar, “intensificou-se o branqueamento dos capitais auferidos de maneira escusa através da inserção deles nas movimentações financeiras da Zé do Churrasco”.

Dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) anexados ao inquérito revelam que, de abril de 2021 a janeiro de 2022, a empresa movimentou R$ 22 milhões. O MPRJ identificou que boa parte desse montante foi remetido ou recebido de empresas do próprio Allan Aguiar — o que, para a Promotoria, é um indício de lavagem de dinheiro. Por exemplo, no período, a Zé do Churrasco recebeu quase R$ 450 mil de um posto de gasolina que também tem Aguiar como sócio oculto.

A sociedade de Magalhães e Aguiar não durou nem seis meses — e terminou em litígio. Um dia após o fundador da empresa cobrar do sócio pagamentos atrasados a fornecedores, Aguiar teria invadido a sede “com cerca de dez homens armados com pistolas e armas longas”. Nesse dia, segundo Magalhães contou à polícia, ele foi expulso da firma e teve seus poderes administrativos usurpados por Aguiar.

Em meio ao imbróglio, o advogado Carlos Daniel passou a atuar como intermediador entre as partes, mediando tentativas de conciliação. Sem sucesso, ele teria orientado Magalhães a denunciar o caso à polícia — o que, de fato, o empresário fez. Em fevereiro de 2022, após prestar depoimento na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), o fundador da Zé do Churrasco voltou à sede acompanhado de agentes da especializada para retomar o controle da empresa.

Prisões decretadas

Ao estimular a entrada da polícia no caso, Carlos Daniel virou alvo de Bernardo Bello. Pela denúncia remetida pelo MPRJ à Justiça, “a colocação de holofotes estatais no modo de atuação ilícito de Allan Aguiar acabou incomodando não só ele, como também o líder máximo da malta da qual faz parte, Bernardo Bello”. O bicheiro teria desconfiado que o advogado estava atuando no caso como uma espécie de “agente duplo”: ao ajudar Magalhães a retomar a empresa, ele também estaria prejudicando Bello para beneficiar seu maior rival, Rogério Andrade, para quem Carlos Daniel também prestava serviços de advocacia. O homem identificado como autor dos disparos, Rodrigo Coutinho Palomé da Silva, é apontado como segurança de Bernardo Bello.

Em agosto passado, a Justiça decretou as prisões de Bello, Aguiar e Magalhães pelo homicídio do advogado. Segundo a investigação, após retomar o controle da Zé do Churrasco, Magalhães teria se alinhado novamente com Bello e auxiliado no homicídio, marcando o encontro que possibilitaria seu monitoramento pelos atiradores. Aguiar e Magalhães estão presos há pouco mais de quatro meses. Já Bello está foragido.

Procurada, a defesa de Marcello Magalhães preferiu não se manifestar. As defesas de Bello e Aguiar não foram encontradas.

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