Mil cairão ao teu lado, dez mil, à sua direita, mas nada o atingirá. O trecho faz parte do Salmo 91 que, entre os milicianos da Zona Oeste do Rio, na verdade faz referência ao "CEO" do grupo, conforme aponta denúncia do Ministério Público do Rio. O dono do codinome bíblico é Jhonatas Rodrigues Medeiros, conhecido também como Pardal, que aparece no documento como outros comparsas de Luis Antonio da Silva Braga, o Zinho — mais um na lista de apelidos.
A partir de diálogos entre os criminosos, o Ministério Público descreve que o grupo armado extorque empreiteiros durante obras e, depois de concluídas, passa a cobrar dos condomínios, que repassam os valores aos seus moradores. Nas conversas, o "profissionalismo", conforme define a denúncia, se dá por meio de tabelas, que detalham os valores exigidos das empreiteiras, apontando o nome da empresa extorquida, assim como o local em que o empreendimento está instalado, a data dos pagamentos, além das cifras recebidas.
Definido como "CEO" do grupo, por trás do controle dessas tabelas, está Jhonatas Rodrigues Medeiros, o Pardal. O codinome usado por ele em seu celular é "Salmos 91", referência bíblica que fala que Deus é o refúgio e a fortaleza que "te cobrirá com suas penas e, debaixo de suas asas, te confiarás".
Esse, no entanto, não é o único apelido com referência religiosa. Na denúncia do MP, diálogos mostram Delson Xavier de Oliveira — conhecido como Delsinho ou Careca, preso nesta terça-feira — negociando a compra de armas. Uma dessas conversas é com Deus Proverá, que não foi identificado, a quem pergunta valores. Isso, segundo o órgão, deixa "claro sua função de revendedor de armamentos para o crime organizado". Um dos armamentos chega a ser negociado por R$ 42 mil.
Para o Ministério Público, Deus Proverá "parece ser agente público atuante no sistema carcerário, evidenciando a já sabida promiscuidade entre integrantes da milícia, de que ora se trata (d)e agentes das forças de segurança pública".
Cansado, Papel, Jeitoso, Filé com Fritas: lista de 'vulgos' do Bonde de Zinho
Luis Antonio da Silva Braga, o Zinho, tem o comparsa Andrei Santos Melo, conhecido como Cansado ou Fechamento, como seu "garoto de recados". É através de Cansado que o líder da milícia se comunica com seus comandados, já que evitar usar meios de comunicação rastreáveis para não ter o paradeiro descoberto, conforme aponta a denúncia.
Ao todo, a Operação Dinastia prendeu cinco pessoas, de um grupo de 12 com mandados de prisão, todos com apelidos: além de Delsinho, foram presos na ação em conjunto com a Polícia Federal Alessandro Calderaro, o Noque ou Nokia; Jaaziel de Paula Ferreira, conhecido como Papel ou Jeitoso; Renato de Paula da Silva, o RT; e William Pereira de Souza, o Bolinho.
As milícias no Rio:
- As milícias são grupos paramilitares, que disputam com os traficantes espaço na subjugação de comunidades carentes e bairros na capital e em outros municípios fluminenses. Em 2005, reportagem do GLOBO revelou que essas quadrilhas formadas por policiais e ex-policiais tinham assumido o controle de 42 favelas na Zona Oeste do Rio.
- Após uma década de expansão e fortalecimento, os grupos milicianos dominam e exploram regiões que se espalham por dezenas de bairros do Rio e no entorno da capital, brigam por novos territórios com um arsenal militar. Corrompem, matam e se infiltram nas instituições. Quase sempre sem punição.
- Em meio a uma crise interna, a maior milícia do Rio deu, no dia 23 de outubro de 2023, uma demonstração de força e parou a capital do estado em represália à morte de um dos integrantes de sua cúpula. Após Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da milícia chefiada por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, ser morto a tiros pela polícia, seus comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem e impactaram o transporte público em uma dezena de bairros da Zona Oeste.
- O miliciano Zinho, chefe da maior milícia do Rio, foi preso na véspera do Natal de 2023 após se entregar na delegacia localizada na Superintendência da Polícia Federal no Rio. Segundo a PF, a prisão ocorreu após "tratativas entre os patronos" de Zinho, a corporação e a recém recriada Secretaria de Segurança Pública. O criminoso, que estava foragido, segue preso após passar por audência de custódia.
Entre os denunciados pelo MP, estão ainda Vitor Cavalcanti Canellas, o Canela, e Bruno Oliveira Silva, o China. Assim como Fabíola dos Santos, Gabrielli Ruama Barros da Silva, Hudson Guimarães de Oliveira e Jonatha da Silva Souza.
Este último, inclusive, tem uma lista com contatos salvos em sua agenda telefônica que "também evidenciaram sua inconteste ligação" com o grupo de Zinho, " na medida em que foram identificados números ligados a milicianos, alguns presos". Na lista de codinomes salvos estão AZ (Vanderlei Proença de Souza, o Azeitona), Jhon (Jhony Alexandre de Souza Silva, o JhonJhon) e GG (Geovane da Silva Mota), os três presos em 2022, assim como os nomes Dino, Dkaju (Caju do Rodo), Flavasco, Lobinho, PB e Filé Com Fritas, esses últimos sem identificação.
Operação Dinastia
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Federal deflagraram, na manhã desta terça-feira, a segunda fase da Operação Dinastia. O objetivo é cumprir 12 mandados de prisão preventiva e 17 mandados de busca e apreensão contra integrantes da milícia comandada por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, que atua em bairros da Zona Oeste carioca. Um dos mandados de prisão é contra ele, que é considerado o bandido mais procurado do estado. Cinco pessoas foram presas e houve apreensão de armas e documentos.
Esta segunda fase da investigação é um desdobramento da operação deflagrada em 25 de agosto de 2022, que também resultou na deflagração da Operação Batismo, realizada nesta segunda-feira, contra o núcleo político da organização — que teve como alvo a deputada estadual Lucinha (PSD). A ação desta terça-feira visa a desmantelar o núcleo financeiro do grupo paramilitar, identificando a estrutura de imposição de taxas ilegais a grandes empresas e pequenos comerciantes locais, assim como as contas correntes beneficiárias dessas cobranças.
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