Quem disse que Papai Noel não existe? Basta acreditar. Os profissionais, que passam dezembro inteiro com roupas vermelhas de até 15 quilos em shoppings, hospitais e orfanatos do Rio, põem fé nessa magia de Natal. E a convite do GLOBO, eles próprios — tão acostumados a ouvir os pedidos de crianças e adultos — escreveram suas cartas ao Bom Velhinho, para expressar seus desejos.
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“Uma vida longa e repleta de saúde” foi o que ansiou Mário Sérgio dos Santos Roque, de 69 anos. Mais humildade e paciência para as pessoas no mundo estiveram entre as aspirações de Édson Jerusalém, de 67. Saymon Claus, de 76, rogou por “paz, amor e compreensão” para todos. E além de moradia digna para a população, Pedro Lazary, de 60, lembrou até dos pets abandonados. “Que alguém cuidasse dos animais que estão nas ruas”, registrou ele.
Os quatro são integrantes da Escola de Papai Noel. E, entre a noite de hoje e a manhã de Natal, cada um vai visitar até dez residências alimentando sonhos infantis. Para isso, é preciso caprichar nos detalhes. A barba branca, por exemplo, é cultivada ao longo de todo o ano. E essa turma ainda tem mais uma característica em comum, que não se resume a uma questão de aparência. Mesmo quando é a vez de eles fazerem seus pedidos, são generosos. Em suas cartinhas a Noel, os quatro têm mais desejos para os outros do que para si.
“Que seja extensivo a todos que me cercam”, escreveu Mário Sérgio ao almejar “fartura e harmonia”. “Compaixão pelo outro — empatia”, destacou Pedro.
Abnegados
Criado numa família católica, Pedro conta que, até os 12 anos, acreditou que Papai Noel o presenteava com brinquedos caros para a época, como carrinhos com controle remoto. Mas seus amigos teimavam em dizer que se tratava apenas de um mito. Ele cresceu, passou vários Natais longe da família, no trabalho na Marinha Mercante, mas, no fundo do coração, continuou crendo no Bom Velhinho.
— Tanto que me transformei em Papai Noel. Primeiro, na empresa em que trabalhava, a pedido de um amigo. Depois, entrei na escola (de Papai Noel), embora, inicialmente, eu não tivesse sido aceito, porque não tinha idade mínima (de 60 anos) para isso — recorda o caçula dos Noéis cariocas, que cultiva o hábito de celebrar o 25 de dezembro. — Só comemoro a data a partir das 3h, quando ceio com minha esposa, depois de cumprir o roteiro de visitas. Ela compreende que o que faço é por amor — diz ele, que não teve filhos, mas tem uma enteada adulta.
Já o administrador de empresas aposentado Mário Sérgio tem 14 Natais na carreira, após começar na profissão por acaso. Certa vez ele foi convidado pela diretora do educandário onde o filho mais novo estudava para interpretar Papai Noel. Tomou gosto pela coisa.
— Na época, eu já tinha cabelo comprido e barba branca. A dona da escola era amiga da minha mulher e perguntou se eu não queria ser Papai Noel no lugar da secretária. A escola encomendou, inclusive, uma roupa para mim. Ficou uma coisa linda! Nem meu filho me reconheceu. No imaginário dele, era mesmo o Papai Noel — conta.
Este ano, será a primeira vez que seu neto, o pequeno Fernando, receberá a visita do Papai Noel. Só que será no almoço de amanhã à tarde. A exemplo dos demais colegas de profissão, a noite de 24 para 25 de dezembro será percorrendo endereços de classe média, entregando presentes para outras famílias, que não a sua.
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Quase uma terapia
Encarar o personagem é justamente isso, diz o fundador da Escola de Papai Noel, Limachem Cherem. É um ato de entrega, pois a pessoa sabe que o trabalho a manterá afastada da família na noite de Natal. Em 2023, a escola completou 30 anos.
— Muita gente vê um Papai Noel trabalhando e acha que é a coisa mais fácil do mundo. Não é nada disso! Interpretar o personagem não é só vestir uma roupa vermelha, sentar numa cadeira e repetir um ho ho ho! É preciso aprender postura, dançar, interpretar. Tenho duas filhas: Sluchem (de 34 anos) e Slanny (de 26), com as quais nunca passei a noite de Natal — conta Limachem, que calcula já ter preparado mais de mil idosos para a nobre função de encantar com roupa e gorro vermelhos.
E engana-se quem pensa que são só os pequenos que se fascinam com essa figura bonachona e terna. Com 13 anos de carreira, Saymon Claus já sabe: em todo adulto, mesmo aqueles com a cara mais fechada e sisuda, há uma criança escondida que quer relembrar os tempos em que acreditava no que Noel simbolizava.
— A criança quer conversar com Papai Noel. Mas sabe o que o adulto realmente deseja? Tirar uma foto, abraçar. O brilho nos olhos é de criança. É como uma terapia — diz Saymon.
E nesse quase divã, depositam-se nas conversas com Noel um sem fim de expectativas. Algumas, diz Saymon, que já o fizeram até “chorar por dentro”.
— Na pandemia, uma criança me pediu o pai de volta. Ele tinha morrido de Covid-19 — relembra.
Mas também sobram histórias alegres. O aposentado Édson Jerusalém, por exemplo, afirma ter garantido alguns presentes de Natal antecipados este ano para uma garotada que gosta de futebol:
— Duas crianças me pediram para eu não deixar que o Vasco da Gama fosse rebaixado no Brasileirão.
Bem, o campeonato acabou no começo de dezembro, com a permanência do time na Série A. E ai de quem diga para aquelas crianças que não foi Papai Noel quem intercedeu para livrar o clube da degola.
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