Após a prisão de Luis Antonio da Silva Braga, o Zinho, neste domingo, véspera de Natal, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, afirmou que o miliciano tem muito a dizer às autoridades. Em entrevista ao GLOBO, destacou que um grupo como o comandado por Zinho no Rio "não se estabelece sem conexões poderosas". Ele também avaliou haver "conexões evidentes" entre cerco feito pela Polícia Federal ao braço político da milícia e a entrega do criminoso às autoridades.
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— Uma milícia como essa não se estabelece no Rio de Janeiro, dominando quase um terço do território da cidade, sem conexões poderosas. Então, o Zinho tem muito a dizer. E a gente espera que ele fale — disse o secretário.
Segundo a Polícia Federal, a prisão do miliciano ocorreu após "tratativas entre os patronos" — advogados de defesa — de Zinho, a PF e a recém recriada Secretaria de Segurança Pública. O criminoso, que estava foragido, se entregou na delegacia, localizada na Superintendência da PF no Rio, no fim da tarde.
A prisão de Zinho se deu apenas seis dias após uma operação da PF que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados à deputada Estadual Lucinha (PSD). A ação, intitulada Batismo, teve como objetivo investigar a participação e a articulação política da parlamentar na milícia. A apreensão de documentos e telefones na casa de Lucinha, chamada de "Madrinha" por Zinho, representou um revés para a quadrilha. Na mesma semana, a advogada da miliciano entrou em contato com a PF para negociar sua entrega, ocorrida ontem.
— Veja, não são coisas isoladas. Fica claro que é um processo com conexões evidentes, de aproximações sucessivas. A Polícia Federal foi se aproximando, se aproximando, e fica claro que Zinho optou por não correr o risco de ter o mesmo destino de seu sobrinho e também de seu próprio irmão, o Ecko — afirma o secretário, que completa:
— Quando um cidadão como esse, um miliciano como esse, sabe que se tem muita informação sobre ele, percebe que a vida dele começa a correr risco. Até pelo receio de ser assassinado pelos próprios comparsas.
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A prisão do miliciano — considerado o inimigo número 1 do estado do Rio — se deu após sucessivas operações policiais para asfixia do grupo paramilitar. Para Cappelli, fica claro que, com a reunião de inúmeras provas, Zinho acabou sem alternativas que não sua entrega à polícia.
— Tudo indica que ele considerou se entregar para preservar sua própria integridade. É trabalho de inteligência, que foi fechando o cerco e obrigou o criminoso a se entregar. O criminoso só se entrega quando percebe que essa é a única e a melhor alternativa que lhe resta. Senão, não se entrega. Então, a Polícia Federal atacou o braço político da organização, foi fechando com investigações, com inteligência, foi fechando o cerco nas operações financeiras, recolhendo documentos e recolhendo provas — avaliou Cappelli.
As milícias no Rio:
- As milícias são grupos paramilitares, que disputam com os traficantes espaço na subjugação de comunidades carentes e bairros na capital e em outros municípios fluminenses. Em 2005, reportagem do GLOBO revelou que essas quadrilhas formadas por policiais e ex-policiais tinham assumido o controle de 42 favelas na Zona Oeste do Rio.
- Após uma década de expansão e fortalecimento, os grupos milicianos dominam e exploram regiões que se espalham por dezenas de bairros do Rio e no entorno da capital, brigam por novos territórios com um arsenal militar. Corrompem, matam e se infiltram nas instituições. Quase sempre sem punição.
- Em meio a uma crise interna, a maior milícia do Rio deu, no dia 23 de outubro de 2023, uma demonstração de força e parou a capital do estado em represália à morte de um dos integrantes de sua cúpula. Após Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da milícia chefiada por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, ser morto a tiros pela polícia, seus comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem e impactaram o transporte público em uma dezena de bairros da Zona Oeste.
- O miliciano Zinho, chefe da maior milícia do Rio, foi preso na véspera do Natal de 2023 após se entregar na delegacia localizada na Superintendência da Polícia Federal no Rio. Segundo a PF, a prisão ocorreu após "tratativas entre os patronos" de Zinho, a corporação e a recém recriada Secretaria de Segurança Pública. O criminoso, que estava foragido, segue preso após passar por audência de custódia.
Negociação
Segundo fontes da PF, ao se entregar, Zinho está tentando manter os negócios e conter os danos. A apreensão de documentos e telefones na casa da deputada Lucinha, chamada de Madrinha pelo chefe da maior milícia do Rio representou um revés para a quadrilha. Na semana da operação de busca e apreensão na casa de Lucinha, a advogada de Zinho entrou em contato com a PF pra negociar a entrega do miliciano, ocorrida na noite deste domingo. O miliciano era procurado desde 2018.
— Essa é mais uma vitória das polícias e do plano de segurança, mas da sociedade. A desarticulação desses grupos criminosos com prisões, apreensões e bloqueio financeiro e a detenção desse mafioso provam que estamos no caminho certo — afirmou o governador Cláudio Castro.
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Cappelli também comemorou a prisão durante a noite, por meio do X (antigo Twitter): "Parabéns à Polícia Federal! É trabalho, trabalho e trabalho", disse na publicação.
A prisão ocorre menos de uma semana após a Operação Dinastia, da Polícia Federal e do Ministério Público do Rio, que denunciou Zinho e os integrantes de seu bando. Dos 12 mandados de prisão expedidos, cinco foram cumpridos. Zinho seguia foragido, até se entregar neste domingo.
A denúncia descreveu o modus operandi do miliciano, que evita o uso de aplicativos de conversa, que são rastreáveis, e tem o comparsa Andrei Santos de Melo, conhecido como Cansado ou Fechamento, como seu "garoto de recados". Andrei é um dos 14 denunciados pelo MPRJ, apontado como "porta-voz da liderança máxima" do grupo criminoso. Para se manter na liderança da milícia, a preocupação de Luis Antonio da Silva Braga, o Zinho, é para que seu paradeiro não seja descoberto, segundo a denúncia.
Já quando Zinho, número um da milícia, quer dar o recado por conta própria, "utiliza-se do terminal telefônico utilizado por Andrei, tudo demonstrando proximidade física entre eles, além de inegável relação de fidúcia", aponta o documento.
Definida como "Família Braga" ou "Bonde do Zinho", a maior milícia do Rio tem Zinho na liderança, após a morte de seus irmãos, Wellington da Silva Braga, o Ecko, e Carlos da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, nos anos de 2021 e 2017, respectivamente. A morte mais recente da família foi a de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número dois do grupo, durante uma operação da Polícia Civil em Santa Cruz, ocorrência que provocou uma represália com 35 ônibus incendiados pela Zona Oeste da cidade no último mês de outubro.
Semana anterior começou com operação contra deputada
O "envolvimento com a milícia" por parte da deputada estadual Lucinha (PSD) e de sua assessora, Ariane Afonso Lima, fez com que o desembargador Benedicto Abicair decidisse pela imposição de medidas cautelares contra as duas, alvos de ação da Polícia Federal e do Ministério Público na última segunda-feira, dia 18. O requerimento do magistrado descreveu cinco episódios em que a parlamentar teria interferido em prol da milícia de Zinho, a partir de quebra do sigilo telemático do miliciano Domício Barbosa de Souza, conhecido como Dom ou Professor. A Alerj encaminhou o pedido de afastamento de Lucinha à Procuradoria Legislativa.
A investigação da PF e do MP detectou que ao menos 15 encontros foram realizados pessoalmente em 2021 entre Lucinha, sua assessora e integrantes da milícia, inclusive com a presença de Zinho em alguns deles.
A partir da quebra de sigilo de Dom, pôde-se identificar "outros integrantes da associação" criminosa, quando se chegou ao nome de Lucinha. A decisão do desembargador Benedicto Abicair elenca cinco momentos em que, a partir das conversas, demonstrou-se "a interferência da parlamentar e de sua assessoria ora para favorecer os interesses da malta, ora para protegê-los das iniciativas das autoridades policiais de combate ao grupo".
Lucinha teria atuado da seguinte forma:
- Fornecendo informações ao bando;
- Defendendo os interesses dos milicianos, como pelas vans;
- Pessão pelo operação contra o rival Danilo Dias Lima, o Tandera;
- Intervenção por presos do grupo;
- Intervenção em batalhão da PM da área de atuação da milícia.
"Madrinha" — codinome que identificava o telefone da deputada Lucinha na agenda do telefone de Dom — chegou a mandar "beijos" e desejar que os milicianos "ficassem com Deus" em um dos diálogos.
Quem é Zinho?
Com doze mandados de prisão expedidos em seu nome, segundo o governo do estado, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, é o miliciano mais procurado do Rio de Janeiro. Sentenças e despachos de magistrados, referentes a decretações de prisões preventivas do bandido, a última delas publicada no último dia 15, apontam-no como chefe do maior grupo paramilitar da Zona Oeste. Dados de processos revelam ainda que Zinho responde, entre outras acusações, por ordenar o uso de carros clonados para localizar e executar rivais, por ser mandante da morte do ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, apontado pela polícia como um dos fundadores da milícia, e por determinar o pagamento de propina a policiais para ser informado de operações.
A lista de crimes inclui ainda um esquema milionário de lavagem de dinheiro em que Zinho teria usado o nome da mãe de um comparsa para movimentar mais de R$ 4 milhões em uma conta bancária. O dinheiro seria uma pequena parte das extorsões praticadas pelo grupo criminoso. As informações constam de um processo que apura crime de organização criminosa, em trâmite na 1ª Vara Criminal Especializada da Capital.
A mesma investigação menciona a ordem de Zinho para oferecimento de propina a policiais civis e militares para ser informado sobre operações para sua captura. Zinho também determinava o uso de carros clonados pelo bando. "Na condição de líder do grupo criminoso, concorreu eficazmente para a prática de diversos delitos de receptação, à medida que, por deter o domínio final dos atos criminosos da malta, determinou que seus subordinados recebessem, ocultassem e conduzissem veículos 'clonados', que sabia serem produtos de crime. Tais veículos eram utilizados pela horda para a condução das atividades ilícitas inerentes à existência e à estabilidade do grupo, em especial para a realização de "levantamentos" de informações de rivais que seriam por eles eliminados e para a prática de homicídios", escreveu o magistrado em um dos trechos da decisão.
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