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Por — Rio de Janeiro

Uma decisão do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski — escolhido pelo presidente Lula como seu novo ministro da Justiça e Segurança Pública — beneficiou o bicheiro Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, patrono da Unidos de Vila Isabel. Em dezembro de 2022, ao julgar um caso que envolvia fraudes no Departamento de Trânsito (Detran) do Paraná, Lewandowski considerou nulas todas as provas obtidas de uma conta de e-mail após o Ministério Público pedir a provedoras de internet, sem autorização judicial, a preservação dos dados.

Dez meses depois, seguindo a decisão monocrática do então ministro do STF, o juiz Juarez Costa de Andrade, da 2ª Vara Especializada em Organização Criminosa do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), decretou a anulação da ação penal em que Guimarães e mais 15 réus respondiam pelo crime de organização criminosa. Promotores e policiais alegam que pedidos de preservação de dados de contas de investigados viraram praxe em casos sensíveis e afirmam que, se a tese do novo ministro da Justiça vier a prevalecer, ocorrerá uma avalanche de nulidades em processos que envolvem o crime organizado em todo o país.

A decisão de Lewandowski foi tomada a partir de um habeas corpus impetrado pela defesa de um dos investigados na Operação Taxa Alta, do Ministério Público (MP) do Paraná, que apurou irregularidades na contratação de uma empresa pelo Detran do estado. O advogado argumentou que a Promotoria teria agido de forma ilegal ao pedir às empresas Apple e Google a preservação de dados de contas de e-mail de diretores da firma investigada, antes de obter a quebra de sigilo na Justiça. Os promotores alegaram que apenas solicitaram que os provedores guardassem uma cópia dos dados para evitar prejuízos à investigação, caso os alvos apagassem informações das contas. Segundo o MP, estas informações só foram acessadas depois de autorização judicial.

Antes de o caso chegar ao Supremo, tanto o TJ do Paraná quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) — em decisões colegiadas — não haviam considerado a prática ilegal. Ao decidir anular as provas, no entanto, Lewandowski argumentou que o MP “retirou do seu legítimo proprietário o direito de dispor do conteúdo dos seus dados para quaisquer fins, sem que houvesse autorização judicial para tanto”. O MP do Paraná recorreu da decisão, e o caso foi submetido à 2ª Turma do STF. Atualmente, o placar está 2 a 1 pela legalidade da prática: André Mendonça e Edson Fachin votaram contrariamente a Lewandowski; Gilmar Mendes e Nunes Marques ainda não apresentaram seus votos.

Morte de pastor

O MP do Rio usou do mesmo expediente na investigação do homicídio do pastor Fábio de Aguiar Sardinha, executado a tiros num posto de gasolina em São Gonçalo em 1º de julho de 2020. Temendo que o policial civil Alzino Carvalho de Souza — apontado como chefe da segurança de Capitão Guimarães e um dos suspeitos de participação no crime — apagasse dados sensíveis de seu e-mail se soubesse que estava sendo investigado, promotores do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) pediram à Apple a preservação de e-mails, histórico de buscas, mídias arquivadas e agenda de contatos vinculados à conta do agente em 20 de junho de 2022. Na semana seguinte, somente após a Justiça autorizar a quebra de sigilo de Alzino, a Promotoria acessou os arquivos.

As provas colhidas no e-mail — como trocas de mensagens que mostravam que Alzino estava monitorando a vítima, levantando seus dados e acompanhando sua rotina na época do crime — levaram o MP do Rio a mover dois processos contra Guimarães e seus seguranças: um pelo homicídio do pastor, em dezembro de 2022; e outro por organização criminosa, em setembro de 2023.

Em fevereiro de 2023, com base na decisão monocrática de Lewandowski, a defesa de uma série de policiais militares mencionados em mensagens de e-mail impetrou habeas corpus pedindo a nulidade de todas as provas colhidas na conta de Alzino. A 5ª Câmara Criminal seguiu o entendimento do novo ministro da Justiça e, por unanimidade, declarou “imprestáveis” os elementos obtidos a partir da requisição de preservação de dados.

A ação a que Alzino e Guimarães respondem pelo homicídio do pastor só segue em andamento porque o MP recorreu da decisão e conseguiu um efeito suspensivo concedido pela segunda vice-presidente do TJ, desembargadora Suely Lopes Magalhães. Graças a essa decisão, Guimarães segue em prisão domiciliar e não deve poder comparecer ao desfile da Vila Isabel na Sapucaí, na segunda-feira de carnaval. A defesa do bicheiro alega que ele já está nessa situação há mais de um ano, tem bom comportamento, e, por isso, espera que a Justiça restitua sua liberdade. O filho do acusado, Luiz Guimarães, é o atual presidente da escola.

O processo por organização criminosa, no entanto, foi anulado ainda em primeira instância. “Evidente que não pode o Estado repressivo, sem autorização judicial, manter inalterados conversas de aplicativos, e-mails, fotos, agendas”, escreveu o juiz Juarez Costa de Andrade, seguindo a decisão de Lewandowski. O MP também recorreu da sentença.

Em defesa da preservação

Investigadores de vários estados ouvidos pelo GLOBO acompanham com apreensão o julgamento do caso no STF, afinal o resultado vai estabelecer um precedente a ser seguido pelos tribunais estaduais. No Rio, por exemplo, a mesma prática foi utilizada na investigação que levou à cadeia Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins.

— Quando eu peço a reserva dos dados, eu não tenho acesso ao conteúdo. O acesso só é realizado com o deferimento da interceptação pela Justiça. Não existe uma ferramenta cautelar para pedir a preservação desses dados. Espero que esse entendimento não prevaleça porque isso vai provocar a anulação de várias investigações de lavagem de dinheiro e organização criminosa — afirma o delegado Giniton Lages, da Polícia Civil do Rio, experiente em investigações telemáticas.

Para o advogado Omar Kaminski, que pesquisa a relação entre o Direito e novas tecnologias, o pedido de preservação dos dados não causa prejuízo aos investigados que possa ensejar nulidades processuais.

— A reserva dos dados de acesso não pressupõe o acesso aos mesmos dados sem que haja a necessária ordem judicial. Preservar os dados de forma segura não implica violação da privacidade — explica Kaminski.

Procurada, a assessoria de Lewandowski não retornou. Já o MP do Rio afirmou, em nota, que “pedidos de preservação de dados são importantes instrumentos utilizados em investigações”. Segundo o órgão, “tal prática, todavia, não implica em ‘congelamento’ de dados de usuários e nem mesmo em efetivo acesso a dados sem a necessária autorização judicial”.

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