Sozinho, com medo de ser traído pelos próprios aliados, o chefe de uma milícia que controla trechos de três cidades da Baixada Fluminense, Tauã de Oliveira Francisco, o Tubarão, de 25 anos, foi morto ontem pela Polícia Civil. Apesar de cercado em seu esconderijo, uma casa simples em Nova Iguaçu, os agentes contaram que o criminoso atirou e lançou uma granada em direção à equipe. Segundo a polícia, Tubarão foi baleado quando tentava fugir pelos fundos do imóvel e morreu no Hospital Geral de Nova Iguaçu. Em seu lugar, como adiantou ontem o blog Segredos do Crime, assumiu o miliciano Ricardo Coelho da Silva, o Cientista ou Cadinho, de 38 anos
Cientista é ex-integrante da milícia Liga da Justiça e do clã Braga, dos irmãos Carlos da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, morto em abril de 2017, Wellington da Silva Braga, o Ecko, executado em junho de 2021, e Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, que se entregou à Polícia Federal na véspera do Natal do ano passado. A prisão de Zinho desencadeou uma guerra pelos territórios sob seu domínio: a Zona Oeste e cidades vizinhas da Baixada. Pelo menos sete já teriam sido mortos nessa disputa.
Sem avisar cúmplices
Segundo o delegado Moysés Santana, da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), o esconderijo de Tubarão era alugado e tinha dois quartos e muros altos. A desconfiança do miliciano chegava ao ponto de ele não avisar aos cúmplices, tampouco a parentes, onde ficava. O delegado explicou que o local foi descoberto a partir de um “trabalho de inteligência e monitoramento”, iniciado há dois meses. Com ele, foram apreendidos uma pistola e uma outra granada.
Na garagem do imóvel, havia um carro, provavelmente, que seria usado para fuga. Além da DRF, participaram da operação agentes da 27ª DP (Vicente de Carvalho), da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), da Subsecretária de Inteligência e do Departamento Geral de Polícia da Capital.
Tubarão controlava os negócios da milícia em Seropédica, e em partes dos municípios de Itaguaí e Nova Iguaçu. Investigações da Polícia Civil revelam que ele iniciou sua vida criminosa no tráfico de drogas em Seropédica. Em 2021, ele teria fugido da região, após Danilo Dias Lima, o Tandera, dominar uma parte de suas áreas. Ex-integrante da quadrilha de Zinho, ele rompeu com seu ex-chefe e montou seu próprio grupo paramilitar. Em 2022, quando o bando de Tandera se enfraqueceu, Tubarão retornou a Seropédica.
Em meados de dezembro de 2022, segundo a Polícia Civil, Tubarão decidiu avançar para o território de Zinho. Desde então, os dois grupos se tornaram ainda mais rivais. Para se fortalecer, Tubarão buscou o apoio de traficantes e do paramilitar Gilson Ingrácio de Souza Junior, o Juninho Varão. Com este último, que explora atividades da milícia em bairros de Nova Iguaçu como Valverde, Cabuçu e Km 32, Tubarão fez um pacto de não agressão, já que ambos teriam Zinho como arquiinimigo.
Tubarão não mediu esforços para vender a guerra com o ex-chefe. Aliou-se inclusive, segundo investigadores, a traficantes de uma facção criminosa do Complexo da Maré — há três grupos de bandidos na região. Segundo a polícia, ele também chegou a se refugiar em comunidades do conjunto de favelas controladas por essa mquadrilha. Em outubro, numa demonstração de exibicionismo, um vídeo, que circulou pelas redes sociais, mostrou Tubarão testando um fuzil, no qual faz, pelo menos, 18 disparos, em Seropédica.
Desde que Zinho, se entregou à Polícia Federal, pelo menos cinco pessoas foram assassinadas em meio a disputas por áreas controladas pelo ex-chefe da milícia da Zona Oeste. No dia 29 de dezembro, Antônio Carlos dos santos Pinto, o Pit, que seria responsável pela parte finaceira da quadrilha do clã Braga, foi assassinado em uma emboscada, na favela Três Pontes, em Paciência, na Zona Oeste do Rio. Na ocasião, o filho dele, de 9 anos, que o acompanhava no carro, também foi morto. Pit chegou a a ser um dos cotados para assumir o comando dos negócios de Zinho.
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Sumiço de miliciano
Em 21 de janeiro, Sérgio Rodrigues da Costa e Silva, o Sérgio Bomba, suspeito de chefiar os negócios da milícia em Sepetiba, foi executado em um quiosque do Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, ao lado de uma mulher. Por último, no mesmo mês, dois homens foram assassinados em um bar, em Seropédica. A polícia também investiga o desaparecimento de Jairo Batista Freire, o Caveira, suspeito da morte de Pit.
Para o sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro especializado em temas de violência urbana como milícias, grupos de extermínio e tráfico de drogas, a hipótese de que a morte de Tubarão sirva como estopim para uma nova guerra por territórios na Baixada e em parte da Zona Oeste não pode ser descartada.
— É possível ocorrer uma disputa ampla, não envolvendo apenas herdeiros da quadrilha de Tubarão, mas também novos personagens que podem surgir, como milicianos do grupo de Juninho Varão, do grupo de Zinho ou até mesmo traficantes — analisa o sociólogo.
As milícias no Rio:
- As milícias são grupos paramilitares, que disputam com os traficantes espaço na subjugação de comunidades carentes e bairros na capital e em outros municípios fluminenses. Em 2005, reportagem do GLOBO revelou que essas quadrilhas formadas por policiais e ex-policiais tinham assumido o controle de 42 favelas na Zona Oeste do Rio.
- Após uma década de expansão e fortalecimento, os grupos milicianos dominam e exploram regiões que se espalham por dezenas de bairros do Rio e no entorno da capital, brigam por novos territórios com um arsenal militar. Corrompem, matam e se infiltram nas instituições. Quase sempre sem punição.
- Em meio a uma crise interna, a maior milícia do Rio deu, no dia 23 de outubro de 2023, uma demonstração de força e parou a capital do estado em represália à morte de um dos integrantes de sua cúpula. Após Matheus da Silva Rezende, o Faustão, apontado como número 2 da hierarquia da milícia chefiada por seu tio, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, ser morto a tiros pela polícia, seus comparsas incendiaram 35 ônibus e um trem e impactaram o transporte público em uma dezena de bairros da Zona Oeste.
- O miliciano Zinho, chefe da maior milícia do Rio, foi preso na véspera do Natal de 2023 após se entregar na delegacia localizada na Superintendência da Polícia Federal no Rio. Segundo a PF, a prisão ocorreu após "tratativas entre os patronos" de Zinho, a corporação e a recém recriada Secretaria de Segurança Pública. O criminoso, que estava foragido, segue preso após passar por audência de custódia.
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