Rio
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Por e — Rio de Janeiro

"O carioca é aquele que deita na sombra na hora do almoço/ Está quase sempre com ar de bom moço/ Que bate uma bola até com um caroço (Com um São Jorge no pescoço)". O trecho da letra de um samba antigo composto por Ary do Cavaco e Otacílio ajuda a entender bem o que é o tal espírito da carioquice: um jeito meio irreverente e descontraído de ser e que, por vezes, subverte algumas convenções. A cidade do samba, do carnaval e do futebol foi fundada por Estácio de Sá, há 459 anos, e é motivo de orgulho para quem nasceu ou apenas vive nela.

O nome é homenagem ao rei-menino de Portugal, Dom Sebastião, e ao santo de mesmo nome, que viria a se tornar o padroeiro do Rio. A expedição desembarcou numa estreita faixa de terra entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão, que é tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional. Foi lá que surgiram as primeiras casas e as paredes da primeira igreja. No aniversário da Cidade Maravilhosa, O GLOBO ouviu personalidades de diferentes áreas para apontar os episódios em que se sentiram verdadeiramente cariocas e apaixonados pelo Rio.

Profissional de educação física há 32 anos e consultor de carioquice, William Vorhees precisou sair do Brasil para perceber que estava irremediavelmente ligado ao Rio. Foi numa ocasião em que surgiu uma oferta de trabalho na Dinamarca. Ele conta que estava no interior de Copenhague e fazia 15 graus. Todo mundo saindo para a praia (lá isso é calor) e ele curtindo o frio em casa. Para combater o tédio resolveu hastear num mastro a bandeira da Mangueira que havia levado consigo. Não demorou muito e começou a aparecer vários dinamarqueses que conheciam o Rio de Janeiro, puxando conversa com ele. Conclusão: o dia acabou em churrasco, cerveja e samba. Quer mais carioca do que isso?

Quando fui morar na Dinamarca, eu concluí que ser do Rio é diferente. Era um dia que fazia 15 graus. Todo mundo na praia (lá isso é calor) e eu com frio em casa. Hasteei a bandeira da Mangueira que levei comigo e pessoas que conheciam o Rio vieram puxar conversa. Acabou em churrasco, cerveja e samba.

Ainda assim a relação com a cidade estrangeira durou pouco. Um ano depois, entediado e cansado de receber mensagens de amigos perguntando por ele e enviando imagens do pôr do sol do arpoador, resolveu que era hora de voltar.

— Pensei: posso ganhar aqui uma grana capaz de mudar minha vida, mas na verdade não vai mudar minha cabeça e saúde. No outro dia, deu um obrigado e tchau para a Dinamarca. A gente sofre muito quando sai do Rio de Janeiro — disse ele.

De volta ao Rio, Vorhees se notabilizou também por ciceronear celebridades estrangeiras em visita à cidade. Nessas ocasiões, evita os programas típicos de turista, preferindo passeios fora do convencional. Ele conta que já levou Will Smith para passeios no Méier e no Ponto Chic, em Padre Miguel, sem que o astro americano fosse reconhecido nesses lugares. O máximo que acontecia, segundo garantiu, era ouvir nas mesas próximas - do bar onde estavam, no conhecido point da Zona Oeste — comentários do tipo: "Caraca! esse negão é igualzinho aquele artista". Situação semelhante aconteceu quando ele resolveu levar Matt Dillon à Vila Mimosa, reduto de prostituição em São Cristóvão, na Zona Norte. O consultor de carioquice acha que ser carioca é muito mais que um estado de espírito, como muitos dizem:

— É respeitar as tradições e saber conviver com as mudanças. Todo mundo fala que carioca é um estado de espírito. Normalmente quem fala isso é quem vem de fora e quer mostrar que está dentro do contexto. Não adianta ter trinta anos na cidade e só conhecer a Zona Sul. O Rio é muito maior do que isso. Eu agora estou na Tijuca (no momento da entrevista). Quando chego aqui o meu coração parte, porque a Tijuca dos grandes cinemas, da Gerbô (antiga confeitaria) e do América não existe mais. Mas, eu posso me sentar na Praça Saens Peña, pedir um café e viajar no tempo e também desfrutar das transformações. O mesmo acontece com Madureira — apontou Vorhees, que nasceu na Mangueira, viveu dos 4 aos 16 anos na Funabem, já passou por Ipanema e Jardim Botânico, mas hoje mora no Flamengo.

A atriz e apresentadora Cissa Guimarães — Foto: Divulgação
A atriz e apresentadora Cissa Guimarães — Foto: Divulgação

Foi lá que a atriz e apresentadora Cissa Guimarães nasceu e foi criada, mais precisamente na Rua Paissandu. Filha de pai carioca e mãe cearense, ela conta que se sentiu "local" mesmo aos 14 anos, quando começou a frequentar o Arpoador.

Foi no início da adolescência. Eu saía da escola e ia para o Arpoador ou para um píer que tinha em Ipanema encontrar os colegas. Ali era a nata carioca que frequentava. Tinha as dunas, com a Gal Costa, Caetano Veloso. Eu chegava do colégio meio-dia e ficava o dia inteiro na praia. Andava descalça, às vezes só de biquíni. Ali naquela época foi a primeira vez que eu me senti garota carioca.

Ruy Castro, escritor, jornalista e imortal da Academia Brasileira e Letras, lembra que começou a circular pela cidade com o pai, quando era menino:

Ando pelo Rio desde as calças curtas, nos anos 1950, com meu pai. Ainda peguei os bondes, o Tabuleiro da Baiana, o Flamengo antes do Aterro e, principalmente, a Lapa, com suas ruas estreitas, francesas, antes das demolições. Eu tinha menos de 10 anos.

A paisagem também era palco de outra artista. No carnaval de 1990, a fotógrafa Betina Polaroid, de 48 anos, que participou do Drag Race Brasil, tinha 18 anos quando viu, pela primeira vez, a performance de uma drag queen, na abertura da Banda de Ipanema. Depois disso, ela fez uma verdadeira incursão pela cidade, acompanhando os shows para fotografar e acabou descobrindo outra paixão. Hoje ela também ocupa o outro lado da câmera.

Eu me apaixonei pela arte e me descobri drag queen também. Eu tenho essa memória afetiva com o Rio, de vivenciar momentos muito significativos da minha história em cartões postais da cidade.

Para o escritor Alberto Mussa, a essência dos lugares está nas camadas mais populares. Carioca do Grajaú e que hoje mora no Leblon, ele se orgulha de nunca ter residido fora, e diz que sequer gosta de deixar a cidade, onde diz ter tudo que precisa para ser feliz.

Aqui você tem tudo que é interessante e movimenta a vida: o Maracanã, as escolas de samba, a praia, os botequins, que são espaços extremamente democráticos. Eu prefiro viajar na leitura.

Mussa acrescenta que na sua opinião o verdadeiro espírito da carioquice se encontra no subúrbio e não na Zona Sul, como é vendido para os turistas:

— As elites, principalmente a brasileira, é muito estrangeirada. Sempre tem o olhar voltado para a Europa, num comportamento de colonizador. Nas camadas mais populares há um sentimento maior de identidade e de pertencimento.

O escritor Luiz Antonio Simas  — Foto: Guito Moreto
O escritor Luiz Antonio Simas — Foto: Guito Moreto

Um carioca forjado nas arquibancadas de cimento do velho Maracanã. Assim se define o escritor Luiz Antônio Simas, que, a despeito dos estereótipos, não gosta de praia. Talvez seja por isso que não rejeita um convite, no carnaval, para ir ao Sambódromo, atrás de um bloco ou mesmo aos desfiles da Intendente Magalhães. Simas também é jurado do Estandarte de Ouro. Só não o chame para ir à Região dos Lagos. O autorreconhecimento desse botafoguense como carioca foi um longo processo, iniciado na infância:

No meu caso, inclui as idas ao Maracanã com a família, a primeira vez que vi um desfile de escola de samba, o fato de ter crescido indo às giras de Umbanda. Isso tudo me constituiu como carioca. Ao mesmo tempo, nunca gostei de praia. Mas eu diria que fui um carioca forjado nas arquibancadas de cimento do velho Maracanã.

A relação de amor e de pertencimento com a cidade também começaram na infância de Pâmela Carvalho, gestora cultural e coordenadora da Redes da Maré.

Meus pais levavam eu e minha irmã para ver os carros alegóricos no carnaval na Avenida Presidente Vargas. Eu me lembro de olhar para cima para aqueles carros enormes e achar a rua a coisa mais linda e infinita do mundo.

Mas foi numa viagem para fora do estado que ela se percebeu carioca da gema: — Eu entrei num carro de aplicativo e dei "bom dia". Foi o suficiente para o motorista saber que eu era do Rio. Foi curioso porque não tinha nem "r" e nem "s", que marcam nosso sotaque. É um jeito, um modo muito característico mesmo, que é nosso.

Para Simas, o verdadeiro carioca é aquele que não tem a menor preocupação em demonstrar o espírito da carioquice. Ele simplesmente é. Mas aponta a região da cidade onde, a seu ver, o Rio é mais carioca:

— Na Zona Norte, sem dúvidas. E é mais carioca porque não tem a preocupação de ser. A vida, simplesmente, acontece nas esquinas, botequins, quitandas, terreiros, igrejas, mercados populares, quadras de escolas de samba — explica Simas.

Nascida e criada entre Oswaldo Cruz e Madureira, a criadora de conteúdo Samanta Alves, de 22 anos, não pode discordar:

Acho que tudo se potencializa no subúrbio. Até os meus 15 anos todos os carnavais foram na Portelinha. Isso me marcou muito e marcou a minha relação com o Rio. Fora o churrasco na laje no Morro do Urubu, em Piedade, em família, com piscina de plástico e tudo.

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