Já faz décadas que os cartões-postais foram substituídos pelos registros em câmeras digitais ou nos celulares. E as fotografias de viagem, salvas em cartões de memória, na nuvem, nos e-mails ou compartilhadas nas redes sociais, são revisitadas uma vez ou outra, quando não se perdem num aglomerado de outros registros. Mas o Rio tem recebido grupos de turistas tão apaixonados que optam por levar as lembranças gravadas na pele — fáceis de serem vistas, dificilmente esquecidas.
Faça chuva ou faça sol, um estúdio de tatuagem na Rua Francisco Otaviano, entre Copacabana e o Arpoador, tem um entra e sai de viajantes interessados em tatuar o Morro Dois Irmãos, o Cristo Redentor ou o que mais a criatividade aflorar. Só nos 60 minutos em que a equipe de reportagem visitava o local, dois argentinos e uma francesa buscaram adornos que reproduziam pontos turísticos cariocas, enquanto outros dois franceses já estavam na cadeira para serem tatuados.
— Outro dia, uma mulher pediu para tatuar o Cristo vestido de Batman… No carnaval, um americano fez o Cristo segurando um fuzil que soltava glitter… Tem de tudo — diz Ricardo Lima, tatuador mais antigo do Arpô Tatto Studio, que existe há três anos.
Dono do empreendimento, Edgar Machado, de 40 anos, diz que a maioria dos frequentadores é estrangeira, que chega ali por conta do “boca a boca”:
— Desde a criação do estúdio até o dia 8 de fevereiro, recebemos 2.198 clientes. Desse número, cerca de 90% eram turistas. Carioca não acha a gente (risos). Como o turista costuma buscar referência de onde se hospedar, onde comer, também procura de onde se tatuar. Recentemente, fiquei sabendo que o nome do estúdio costuma ser recomendado num grupo de rede social de israelenses e em outro de franceses.
Machado dispõe em seu catálogo de mais de 200 desenhos inspirados na cidade. Além dos característicos morros e pedras, estão ali riscos inspirados na estátua de Carlos Drummond de Andrade, no calçadão de Copacabana, os Arcos da Lapa, o Bondinho do Pão de Açúcar e favelas.
As comunidades bem que poderiam ter sido as escolhas de Adrien Roure, de 28 anos, e Leo Valery, de 27. Foi na Rocinha, na Tavares Bastos e no Vidigal que os franceses frequentaram bailes e noitadas “inesquecíveis”. Valery, aliás, está morando no Santa Marta, em Botafogo, há um mês.
— Prefiro morar na comunidade porque as pessoas são mais simpáticas, aceitam todo tipo de gente — afirma o cozinheiro, que talvez fique no Rio para sempre. — O que fez eu me apaixonar foi o sol. Onde eu morava faz frio por seis meses. E na verdade eu sou da Ilha da Reunião, perto de Madagascar. Então, estou acostumado com o calor. Sentia falta dele.
DJ e produtor, Roure voltará para Lyon, na França, com uma tatuagem igual à do amigo, na parte posterior do braço esquerdo: o calçadão de Copacabana, cenário de boas memórias e que combina com outros desenhos que carrega na pele.
— A outra tatuagem que tenho com um significado de lugar é a de Lyon, o lugar de onde venho — conta.
Seis horas
Valery chegou a pensar em tatuar, em cima do calçadão, a palavra “saudade”, por ela ser única na língua portuguesa; desistiu por conta do excesso de informações que o adorno traria. O fato é que ela caberia melhor no contexto sentimental de Letícia Guaranho, brasileira de 37 anos que se divide entre Paris e Montpellier e sente falta de casa. No estúdio para gravar uma lembrança eterna do Rio, ela optou por tatuar o Morro Dois Irmãos e o Cristo na costela.
— Moro há 14 anos na França. Todas as vezes que desanimo, que penso em voltar, eu falo: preciso concluir meu objetivo porque, se eu voltar, vai ser para nunca mais sair. O Rio traz alegria. Aqui eu vejo sorriso no rosto, as pessoas se cumprimentam nas ruas — diz ela, que é empresária e traz franceses maquiadores para trabalhar no carnaval e fazer projetos sociais.
A orientação é deixar a tatuagem para os últimos dias da viagem. Mas se o desenho for muito grande, é importante se organizar para não haver imprevistos. O planejamento, conta o londrino Ajay Matharu, de 23 anos, foi fundamental em seu caso. Em novembro do ano passado, ele tatuou o Maracanã, o Pão de Açúcar e o Cristo de uma só vez.
— O tatuador e eu conversamos por cerca de uma hora e ele esboçou o desenho. No dia seguinte, demorou cerca de seis horas para ser concluído. Não tenho nenhuma outra tatuagem inspirada em lugares que visitei. A do Rio é e sempre será a única — derrete-se o inglês apaixonado.
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