São cerca de 800 metros de extensão, ocupados por casarões antigos e poucos prédios altos. A Rua Arnaldo Quintela, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, já foi mais conhecida por abrigar grande quantidade de oficinas mecânicas — e, como outras vias do bairro, vive engarrafada. Nos últimos tempos, o movimento passou a ser outro: o da boemia, que ocupa as calçadas do fim da tarde até altas horas. Esse agito, de bares e restaurantes com perfis diversificados, chamou a atenção da revista Time Out, criada em Londres e, hoje, presente em 59 países com dicas de gastronomia, cultura e arte. Publicada na semana passada, a lista das 30 ruas mais “cool” (legais, descoladas) do planeta, deu à Arnaldo Quintela o oitavo lugar no ranking. Por aqui, muita gente já sabia disso.
A mudança na paisagem, segundo moradores e comerciantes, se tornou mais visível nos últimos cinco anos. Hoje, em torno de 20 bares e restaurantes, de um total de 50 estabelecimentos comerciais, disputam a clientela. Sete oficinas resistem. Na área dos comes e bebes, há opções para todos os gostos e bolsos. O leque vai de bares moderninhos e sofisticados àqueles das antigas, como o Bar Arnaldo Quintela, contemporâneo das oficinas, com decoração de azulejos e cobogós antigos.
Rua do Senado vencida
Essa diversidade pesou na decisão da editora da revista no Rio. A jornalista Renata Magalhães contou que chegou a pensar na Rua do Senado, mas lembrou-se que lá o movimento é grande apenas aos sábados. Além disso, a rua no Centro não tem esse perfil variado.
— A Arnaldo Quintela tem uma característica legal por ser plural e agradar a diversos públicos — contou a jornalista, que, por um mês, recorreu a outros 50 especialistas para bater o martelo.
Decisão feita, a aposta carioca se junta a outras encaminhadas por editores mundo afora para a Time Out, que elabora o ranking. Em seu site, a publicação recomenda lugares específicos, como a Ferro e Farinha, reduto de pizzas originais criadas pelo chef nova-iorquino Sei Shiroma, na rua desde 2014, ou o Quartinho Bar, conhecido pelos drinques de criação própria, inaugurado em 2018. Apostas mais recentes desse baixo boêmio — que se espalha por ruas vizinhas — são o Mãe Joana, para quem gosta de samba, e o Culto, que, além dos hambúrgueres, seu carro-chefe, recebe eventos de rock.
A badalação já fazia a alegria dos comerciantes, mas todos comemoram a inclusão da Arnaldo Quintela na lista dos endereços mais bacanas do planeta. João Oliveira, de 32 anos, que há três abriu o Lemô, especializado em drinques e molhos, é desses:
— É ótimo para o negócio. Vai atrair mais pessoas para cá, e o movimento, que já é bom, vai melhorar — aposta.
O Boteco Panda, apesar de ostentar esse nome na fachada há apenas dois anos, é outro “herói da resistência”. Está no mesmo endereço desde 1996, com os mesmos donos. Hoje quem comanda o balcão é Harlon Mendes, de 33 anos, da segunda geração de comerciantes da família.
— Melhorou o movimento e trouxe segurança. Agora tem mais policiamento. Antes, dava 18h e não se via ninguém na rua. Agora é o contrário. É a partir daí que começa a bombar — afirmou.
A médica Juliana Alves Costa Arruda, de 35 anos, mora na vizinha General Góis Monteiro e conta que mudou os hábitos. Antes, para tomar uma cerveja e encontrar os amigos, caminhava até a Nelson Mandela, rua do metrô de Botafogo. Agora a diversão é perto de casa:
— Aqui tem opção para todos os gostos. Do botecão raiz, com cerveja de garrafa, até os que só servem as artesanais.
O agito na Arnaldo Quintela vai do chinelo ao salto alto — e esse é um dos méritos locais: dá para beber em pé, jogar conversa fora sentado na cadeira de praia na calçada, buscar lugar calmo para um “date”, encontrar amigos e até azarar.
Iago de Medeiros, de 29 anos, diretor de arte, gosta é da bagunça: não abre mão de encontrar os amigos e fechar o bar Treme Treme, que geralmente é o último da rua a encerrar o expediente.
— É um lugar que você pode vir com os amigos, sentar na calçada e beber até tarde. Não é um povo careta. Eu me sinto confortável, sem julgamento. É acolhedor. Tem outros lugares na Zona Sul onde não me sinto bem — explicou Iago, que de vez em quando parte para a “baratona”, a maratona dos bares: aproveita os pastéis do Xepa, o chope do Lemô e os petiscos do Calma.
Nascido no Méier e morador de Botafogo há três anos, ele está à vontade:
— Eu olho para os lados e fico feliz. Tem muito gay, muita lésbica, todas as letras da sigla LGBTQIA+, todas as raças, além de ser um lugar que você escolhe se quer ir no bar mais caro ou no mais acessível. O título de rua mais descolada com certeza veio por ser um lugar plural.
As atividades comerciais da rua não se limitam aos bares e oficinas. Tem supermercado, barbearia, fábrica de sorvete, hortifrúti, farmácia e pet shop. O Plano Diretor do Rio proíbe a construção de escolas particulares na via, para não prejudicar o tráfego. Já há quem veja na extensão da via, após a Rua da Passagem, quando passa a se chamar General Severiano, um alternativa: João Paulo Loffler, 28 anos, abrirá no próximo dia 25 sua pizzaria naquele trecho.
— Botafogo é um bairro que está mais jovial e se tornou um point alternativo. Sem contar que, do ponto de vista comercial, é estratégico para atender toda a Zona Sul — avalia ele.
Nada mal para a velha rua das mecânicas, que, nas décadas de 1970 e 1980, encontrava-se degradada pela vizinhança incômoda de antigos canteiros das obras do metrô — perto dali ficava o que seria a estação Morro de São João, que nunca saiu do papel.
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