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Por — Rio de Janeiro

Os últimos fatos sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes mostram a intensa associação de crime, polícia e política no Rio de Janeiro. Segundo relatório da Polícia Federal, a motivação para que os irmãos Chiquinho Brazão, deputado federal pelo União Brasil, e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, apontados como mandantes, encomendassem a morte da parlamentar estava relacionada à dificuldade política que eles estavam enfrentando em explorar terrenos na Zona Oeste do Rio. Nesta região, os irmãos já estabelecidos em cargos vinculados ao Estado (na época, Chiquinho era vereador) tinham uma fortalecida rede de contatos ligados ao crime (à milícia) e uma relação firmada com Rivaldo Barbosa, nomeado chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro em março de 2018.

A demora de seis anos para o crime ser elucidado e as intervenções em diferentes instâncias provam que havia proteção policial, criminal e institucional dos personagens envolvidos. Confira abaixo quem são eles e de que maneira agiram para se proteger.

A proposta do crime

A proposta do atentado contra Marielle Franco arquitetada pelos irmãos Brazão chegou ao ex-sargento da PM Ronnie Lessa no segundo semestre de 2017 através do sargento reformado da Polícia Militar Edmilson Macalé. Em delação que consta no relatório final da Polícia Federal, Lessa revelou que a contrapartida que ele e Macalé ganhariam seriam loteamentos de terra bastante lucrativos. Lessa tinha interesse em explorar os terrenos e deixar de ser só um matador de aluguel. O intermediador da reunião de Macalé (também miliciano em Osvaldo Cruz que tinha relação próxima com os irmãos Brazão) e de Lessa foi Robson Calixto Fonseca, o Peixe, que já tinha sido assessor de Domingos Brazão na Alerj e no Tribunal de Contas do Estado.

Edmilson Macalé procurou Ronnie Lessa para apresentar a proposta dos irmãos Brazão de matar a vereadora Marielle Franco — Foto: Editoria de Arte
Edmilson Macalé procurou Ronnie Lessa para apresentar a proposta dos irmãos Brazão de matar a vereadora Marielle Franco — Foto: Editoria de Arte

A primeira reunião

O primeiro encontro para tratar do crime acontece no Hotel Transamérica, na Barra. Chiquinho e Domingos Brazão estavam num carro sozinhos. Segundo Lessa, Domingos, o mais falante dos irmãos, descreveu todo o serviço e avisou que tinha colocado um infiltrado, Laerte Silva de Lima, no PSOL para levantar informações internas do partido. Este trecho mostra como a operação foi arquitetada política e criminalmente. Segundo Lessa, Domingos disse que Laerte o alertou que Marielle Franco, em algumas reuniões comunitárias, pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia.

Marielle se indispôs com os irmãos Brazão durante a tramitação de projeto de Lei na Câmara de Vereadores. Chiquinho Brazão reclamou de Marielle a pessoas próximas, longe do microfone da Câmara. — Foto: Editoria de Arte
Marielle se indispôs com os irmãos Brazão durante a tramitação de projeto de Lei na Câmara de Vereadores. Chiquinho Brazão reclamou de Marielle a pessoas próximas, longe do microfone da Câmara. — Foto: Editoria de Arte

A motivação para o crime

Segundo a delação de Ronnie Lessa à PF, Marielle, em votações na Câmara, teria sido contrária, em 2017, a um projeto de lei de autoria de Chiquinho Brazão que regularizaria terrenos de áreas de milícia. Trata-se do projeto de Lei 174/2016, e Chiquinho Brazão teria reclamado de vereadores que não votaram a favor da lei mas que, especificamente sobre Marielle, teria comentado com pessoas próximas, longe do microfone da Câmara. Ela, assim como outros políticos do Psol, votaram contra o PL. Adiante, o projeto foi vetado por Marcelo Crivella, então prefeito.

O projeto de Chiquinho Brazão se tornou a Lei Complementar 188, posteriormente declarada inconstitucional com efeitos ex tunc (retroativos) pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 2019. Em vários artigos, o texto criava regras para legalização fundiária em todos os 162 bairros do Rio. Na época, Chiquinho presidia a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores, estratégica na análise de propostas de regularização.

Orientações para a execução

No fim da primeira reunião, Domingos Brazão alertou a Lessa que o Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, orientou que a execução não acontecesse perto da Câmara dos Vereadores para o caso não assumir uma conotação política e não ter investigação federal. O delegado ordenou que a morte acontecesse longe dali para manter as investigações sob sua alçada. Como foi provado adiante, Barbosa obstruiria as investigações. Assim que assumiu a Polícia Civil, ele nomeou Giniton Lages chefe da Delegacia de Homicídios da Capital para impedir que a investigação chegasse aos mandantes.

Macalé providenciou informações sobre Marielle Franco, além das ferramentas para o crime: a arma (a submetralhadora HK MP5), o veículo (o Cobalt Prata) e o aparelho celular que usariam — Foto: Editoria de Arte
Macalé providenciou informações sobre Marielle Franco, além das ferramentas para o crime: a arma (a submetralhadora HK MP5), o veículo (o Cobalt Prata) e o aparelho celular que usariam — Foto: Editoria de Arte

O pós-reunião

Depois do encontro com os Brazão, Lessa pediu que Macalé providenciasse informações sobre Marielle Franco, além das ferramentas para o crime: a arma (a submetralhadora HK MP5), o veículo (o Cobalt Prata) e o aparelho celular que usariam. Lessa, no passado, já integrou o Batalhão de Operações Policiais Especiais, o Bope, e o 9º Batalhão da PM. Era, então, um atirador treinado pelo Estado. Para a dar conta do crime, ele buscou a arma com Peixe e Fininho (miliciano) em Rio das Pedras e, numa outra ocasião, foi com Maxwell Simões Correa, o Suel, a um motel abandonado na Zona Oeste testar os disparos. Segundo o relatório da PF, Suel foi peça-chave do crime também porque arrumou o carro clonado para Élcio de Queiroz (ex-PM expulso da corporação por fazer segurança ilegal de casas de jogos de azar), e Lessa realizarem o atentado.

Dois dias antes do crime, Lessa tomou uíque com André Luiz Fernandes Maia e buscou o endereço de Marielle no Google Maps — Foto: Editoria de Arte
Dois dias antes do crime, Lessa tomou uíque com André Luiz Fernandes Maia e buscou o endereço de Marielle no Google Maps — Foto: Editoria de Arte

Estudo do cenário do crime

Segundo relatório da PF, Lessa e Macalé foram à rua de Marielle e a de um bar que ela frequentava, cogitando que o crime pudesse acontecer nesses locais. Ao encontrarem dificuldade, Lessa convocou outra reunião com os Brazão para passar por cima da exigência de Rivaldo Barbosa e proceder com o crime a partir da saída da Câmara dos Vereadores, mas foi proibido. Dois dias antes do crime, Lessa tomou uísque com o amigo André Luiz Fernandes Maia e buscou novamente o endereço de Marielle no Google Maps. Este advogado criminalista foi morto um mês após o crime.

No dia do crime, Élcio de Queiroz foi até a casa de Lessa, no condomínio Vivendas da Barra. Os dois entraram no Cobalt e foram até a Casa das Pretas, na Lapa — Foto: Editoria de Arte
No dia do crime, Élcio de Queiroz foi até a casa de Lessa, no condomínio Vivendas da Barra. Os dois entraram no Cobalt e foram até a Casa das Pretas, na Lapa — Foto: Editoria de Arte

O crime

A nomeação de Rivaldo Barbosa ao cargo de chefe da Polícia Civil aconteceu um dia antes do assassinato de Marielle. Tal constatação é destacada no relatório da PF, que grifa como oportuna a data do atentado do ponto de vista do prejuízo à investigação.

Élcio de Queiroz confessou em delação que dirigiu o carro usado no ataque e que Ronnie Lessa fez os disparos. Já Lessa relatou que Macalé lhe passara uma informação vinda do miliciano Major Ronald (Ronald Paulo Pereira) de que na noite do dia 14 de março haveria um evento na Casa das Pretas. Marielle Franco estaria presente. No dia do crime, Élcio foi até a casa de Lessa, no condomínio Vivendas da Barra. Os dois entraram no Cobalt e foram até a Casa das Pretas, na Lapa.

Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram da Barra até a Casa das Pretas, no Centro, para o atentado contra Marielle e Anderson — Foto: Editoria de Arte
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram da Barra até a Casa das Pretas, no Centro, para o atentado contra Marielle e Anderson — Foto: Editoria de Arte

Depois do fim do evento, Élcio e Lessa o carro de Marielle e Anderson. Os disparos foram efetuados na esquina entre as ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, entre Cidade Nova e Estácio.

Trajeto da Casa das Pretas até o local do crime — Foto: Editoria de arte
Trajeto da Casa das Pretas até o local do crime — Foto: Editoria de arte
Os dois esperaram o fim do evento e seguiram o carro de Marielle e Anderson. Os disparos foram efetuados na esquina entre as ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, entre Cidade Nova e Estácio — Foto: Editoria de Arte
Os dois esperaram o fim do evento e seguiram o carro de Marielle e Anderson. Os disparos foram efetuados na esquina entre as ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, entre Cidade Nova e Estácio — Foto: Editoria de Arte
Dinâmica de como aconteceram os disparos contra Marielle Franco e Anderson Gomes — Foto: Editoria de arte
Dinâmica de como aconteceram os disparos contra Marielle Franco e Anderson Gomes — Foto: Editoria de arte

A fuga

Após os disparos, Lessa e Élcio foram até a casa da mãe de Lessa e abandonaram o Cobalt. Ali, Dennis Lessa, irmão de Lessa, pediu um táxi, que os levou para um bar onde estava passando o jogo Flamengo x Emelec. Não foram localizadas, em tempo algum, imagens da cidade nem do condomínio de Lessa que mostrassem as rotas do assassino.

Após os disparos, Lessa e Élcio foram até a casa da mãe de Lessa, abandonaram o Cobalt e foram para um bar, na Barra da Tijuca, de táxi — Foto: Editoria de Arte
Após os disparos, Lessa e Élcio foram até a casa da mãe de Lessa, abandonaram o Cobalt e foram para um bar, na Barra da Tijuca, de táxi — Foto: Editoria de Arte

Pós-crime

Ainda no dia do crime, num bar, Lessa e Élcio encontraram Suel e pediram sua ajuda para destruir o Cobalt. Suel, então, faria a intermediação com Orelha (Edilson Barbosa dos Santos), responsável por ferros-velhos e desmanches em Rocha Miranda que assumiria o trabalho. Segundo delação de Élcio de Queiroz, Maxwell teria providenciado a troca de placas do veículo Cobalt, se desfeito das cápsulas e munições usadas, assim como providenciado o posterior desmanche do carro com Orelha.

No bar, encontraram Suel e pediram sua ajuda para destruir o Cobalt — Foto: Editoria de Arte
No bar, encontraram Suel e pediram sua ajuda para destruir o Cobalt — Foto: Editoria de Arte

De acordo com relatório da PF, a Polícia Civil não solicitou nas horas subsequentes ao crime as filmagens. Essas são consideradas "horas de ouro", já que com o passar do tempo muitas das provas podem se perder.

Suel providenciou a troca de placas do veículo Cobalt, se desfez das cápsulas e munições usadas, e falou com Orelha (Edilson Barbosa dos Santos), responsável pelo desmanche do carro — Foto: Editoria de Arte
Suel providenciou a troca de placas do veículo Cobalt, se desfez das cápsulas e munições usadas, e falou com Orelha (Edilson Barbosa dos Santos), responsável pelo desmanche do carro — Foto: Editoria de Arte

Terceira reunião

Segundo relatório da PF, Lessa se reuniu com os irmãos Brazão em abril, mês seguinte à morte de Marielle e Anderson. No encontro, Domingos o tranquilizou e garantiu que o delegado Rivaldo Barbosa já estava agindo para dificultar a investigação. O conselheiro do TCE também alertou a Lessa e Macalé, neste encontro, que a arma devia ser "recolocada no lugar", sem especificar qual. Três dias depois desse encontro, Macalé e Lessa foram a Rio das Pedras, e Macalé entregou a bolsa com a arma a Fininho e a Peixe, que tirou os carregadores e as munições e jogou num córrego. Quando a PF foi ao local buscar os vestígios do crime, se deparou com a informação de que a prefeitura do Rio teria realizado obras de desassoreamento por volta de seis meses antes da incursão, o que inviabilizou as buscas. Já uma investigação da Polícia Civil diz que a arma também teria sido jogada no mar.

Três dias depois desse encontro, Macalé e Lessa foram a Rio das Pedras, e Macalé entregou a bolsa com a arma a Fininho e a Peixe, que tirou os carregadores e as munições e jogou num córrego — Foto: Editoria de Arte
Três dias depois desse encontro, Macalé e Lessa foram a Rio das Pedras, e Macalé entregou a bolsa com a arma a Fininho e a Peixe, que tirou os carregadores e as munições e jogou num córrego — Foto: Editoria de Arte

Desvios na investigação

Rivaldo Barbosa levou a Giniton Lages a informação de que três delegados da PF teriam chegado a uma testemunha do crime. Barbosa ligou para Lages e mandou que ele interrogasse o ex-policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, apontado como testemunha de uma conversa entre Orlando da Curicica e o vereador Marcello Siciliano em que teriam planejado matar a vereadora. Mas a manobra foi comprovada como uma farsa em seguida pela PF com uma "investigação da investigação".

Lessa se reuniu com os irmãos Brazão no mês seguinte à morte de Marielle e Anderson. No encontro, Domingos o tranquilizou e garantiu que o delegado Rivaldo Barbosa já estava agindo para dificultar a investigação — Foto: Editoria de Arte
Lessa se reuniu com os irmãos Brazão no mês seguinte à morte de Marielle e Anderson. No encontro, Domingos o tranquilizou e garantiu que o delegado Rivaldo Barbosa já estava agindo para dificultar a investigação — Foto: Editoria de Arte

Um outro integrante da manobra foi o comissário da Polícia Civil no Rio Marco Antonio de Barros Pinto. Foi ele quem orientou Ferrerinha, posteriormente preso por atrapalhar as investigações do caso ao relacionar o miliciano Orlando e Siciliano ao crime. Segundo o miliciano Orlando da Curicica, Lages ainda o teria pressionado a assumir a autoria do crime, antes de a investigação chegar aos reais executores, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.

O delegado Rivaldo Barbosa ligou para Giniton Lages e mandou que ele interrogasse o ex-policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, apontado como testemunha de suspeitos de planejar a morte da vereadora. Mais tarde, a manobra foi comprovada como uma farsa — Foto: Editoria de Arte
O delegado Rivaldo Barbosa ligou para Giniton Lages e mandou que ele interrogasse o ex-policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, apontado como testemunha de suspeitos de planejar a morte da vereadora. Mais tarde, a manobra foi comprovada como uma farsa — Foto: Editoria de Arte

Ainda com o plano de que a investigação não fosse federalizada, a Polícia Civil vazou para a imprensa que as munições empregadas no assassinato eram advindas de um lote (UZZ-18) vendido para a Polícia Federal em 2006. O relatório ainda aponta que "o coro foi entoado pelo então Procurador-Geral de Justiça do Rio, José Eduardo Gussem" em 2018, no fim do mês do atentado, e que o procurador impediu que fosse à frente um pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, para que fosse instaurada uma apuração preliminar do caso no Ministério Público Federal. Gussem pediu aposentadoria do MPRJ em 2021.

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