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Por e — Rio de Janeiro

Em julho de 2018, Eduardo Siqueira, o Dudu do Clone, foi detido pela Delegacia de Homicídios (DH), no Rio, sob suspeita de ter sido o responsável por clonar o Cobalt usado nos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes. Na época, seu celular foi apreendido pelos policiais e, no mês seguinte, a Justiça determinou a quebra de sigilo do aparelho. A partir daí, porém, essa história parece ter emperrado. Três anos depois, como os dados do telefone não tinham chegado ao inquérito, o Ministério Público do Rio (MPRJ) perguntou à Polícia Civil onde estava o aparelho. A DH respondeu que o enviou ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) que, por sua vez, alegou jamais ter recebido o celular. Até hoje não se sabe o paradeiro do aparelho, e a participação de Dudu do Clone no crime jamais foi comprovada.

Marielle e Anderson: sumiço de celular

Sumiço de celular no caso Marielle e Anderson — Foto: Editoria Arte
Sumiço de celular no caso Marielle e Anderson — Foto: Editoria Arte

Este sumiço é só um dos indícios de sabotagem em investigações da DH — parte delas questionada no relatório da Polícia Federal que apontou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão como mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson. O GLOBO teve acesso a documentos que revelam uma série de irregularidades em inquéritos da delegacia desde 2011 — a maioria entre 2012 e 2018, período em que era chefiada pelo delegado Rivaldo Barbosa, preso pela PF sob suspeita de participação no caso Marielle. Há desde trechos de uma investigação destruídos por uma goteira até denúncia sobre o desaparecimento de um inquérito inteiro dentro da delegacia.

No caso do celular de Dudu do Clone, o último rastro documental antes do sumiço é um “auto de encaminhamento” da DH ao ICCE, assinado pelo delegado Giniton Lages (ex-braço direito de Rivaldo e que acabou afastado, na semana passada, por suspeita de tentar sabotar a investigação do Caso Marielle). Ninguém assina, contudo, o campo do documento destinado ao responsável por receber o aparelho no ICCE. E Giniton, em depoimento ao MPRJ, não soube dizer o paradeiro do aparelho.

Falcon: Celular retirado da cena do crime

Falcon: Celular retirado da cena do crime — Foto: Editoria Arte
Falcon: Celular retirado da cena do crime — Foto: Editoria Arte

A apuração do assassinato do PM e ex-presidente da Portela Marcos Falcon, executado em 2016, também é recheada de denúncias de sabotagem. Ao GLOBO, Marcelle Souza, filha de Falcon, conta que testemunhas foram coagidas na delegacia:

— O investigador pediu para que tomássemos cuidado com o que falávamos, que poderia acontecer conosco o que ocorreu com o meu pai. Hoje, tenho certeza de que a polícia foi conivente com a morte do meu pai. Eles tinham condição de solucionar o crime e não quiseram.

Um dos mistérios que ronda a investigação também envolve um celular: no caso, o da vítima, removido da cena do crime. O aparelho chegou a ser fotografado ao lado do corpo de Falcon, mas nunca foi apreendido pela DH. Dias depois, o PM Anselmo Dionísio das Neves, um desafeto de Falcon, entregou o aparelho, já quebrado, para a família — que o levou ao MPRJ. Por conta do dano, não foi possível periciar o celular. O homicídio segue sem esclarecimento.

André Serralho: o inquérito desapareceu

André Serralho: o inquérito desapareceu — Foto: Editoria Arte
André Serralho: o inquérito desapareceu — Foto: Editoria Arte

"Já o que desapareceu na investigação do homicídio do ex-PM André Serralho, em 2016, foi o inquérito inteiro, que estava dentro da delegacia. O sumiço foi denunciado ao MPRJ pelo próprio delegado que conduzia a investigação, Brenno Carnevale. Ele contou que fez um despacho pedindo uma série de diligências e, então, “nunca mais teve contato físico com os autos”. Carnevale disse que passou um ano tentando achá-los, sem sucesso, em setores da delegacia, até ser removido da DH, em março de 2018. Hoje, o caso está arquivado, sem identificação dos autores.

O inquérito que apurou o homicídio de André Serralho passou mais de um ano parado: de março de 2017 até maio de 2018, nenhuma diligência foi realizada. A investigação só foi retomada — e os autos "reapareceram" — a partir do depoimento do PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, a testemunha que foi plantada para sabotar a investigação dos homicídios de Marielle Franco e Anderson Gomes. Assim como fez no Caso Marielle, Ferreirinha culpou, em seu relato, seu desafeto e rival pelo controle da milícia de Curicica, na Zona Oeste: o ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica.

Com base no relato, Orlando e um comparsa chegaram a ser indiciados e denunciados pelo Ministério Público do Rio (MPRJ), em agosto de 2018, pelo homicídio de André Serralho. Em depoimento à Justiça, no entanto, Ferreirinha alegou que "não leu os depoimentos que prestou em sede policial, mas que os assinou por ordem de sua advogada". Em outubro de 2021, os dois réus foram absolvidos sumariamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo decisão do ministro Joel Ilan Paciornik, "o arcabouço probatório coligido no inquérito e o testemunho indireto do Delegado são insuficientes para sustentar a pronúncia". Hoje, o caso está arquivado — e não houve punição aos assassinos."

Zé Personal: goteira destrói inquérito

Zé Personal: goteira destrói inquérito — Foto: Editoria Arte
Zé Personal: goteira destrói inquérito — Foto: Editoria Arte

Em comum, algumas dessas investigações com falhas aparentes são relacionadas a bicheiros. A execução, em setembro de 2011, de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, é uma delas. Dez dias depois do homicídio, o pai do contraventor, testemunha ocular do crime, afirmou ter reconhecido pela voz um dos encapuzados que invadiu um centro espírita para matar seu filho. Seria o PM Luiz Carlos Martins, que, segundo ele, “sempre foi ligado” ao ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, um dos maiores matadores de aluguel do Rio.

Outra testemunha corroborou o depoimento. Mas, somente um ano depois, quando Rivaldo Barbosa já era o titular da especializada, Adriano foi ouvido na DH. Disse que, no dia do crime, estava no hospital onde sua filha recém-nascida foi internada. Álibi que logo foi contestado pela unidade de saúde, que disse não ter registro da presença de Adriano.

Após o depoimento, o inquérito ficou seis anos parado: nenhuma diligência foi realizada pela DH para confirmar ou negar os relatos da participação de Adriano e de seu capanga. A investigação passou por gavetas de diferentes delegados e chegou a ter partes destruídas: em 2015, goteiras inundaram a sala do chefe de operações da DH, e várias páginas foram molhadas. O crime segue sem solução.

Em aberto também está a execução, em 2017, do bicheiro Haylton Escafura, filho do contraventor José Escafura, o Piruinha. Um dos carros usados no crime foi filmado por uma câmera de segurança. Questionado se era ele quem aparecia na imagem, o proprietário do veículo respondeu de pronto: “Não, mas esse aí é meu irmão”. Após o reconhecimento, Bruno da Rocha Barbosa, o suspeito, chegou a ser intimado, mas seu depoimento nunca foi tomado: dois dias depois, ele foi assassinado.

Marcelo Diotti: corte nas imagens

Marcelo Diotti: corte nas imagens — Foto: Editoria Arte
Marcelo Diotti: corte nas imagens — Foto: Editoria Arte

Por sua vez, a morte, na Barra da Tijuca, de mais um bicheiro, Marcelo Diotti— ocorrido na mesma noite das execuções de Marielle e Anderson, em março de 2018 — é alvo de uma investigação do MPRJ sobre “falhas graves” na coleta de provas. Uma equipe da DH foi a uma padaria em Rio das Pedras frequentada por integrantes do Escritório do Crime, suspeitos do assassinato, para coletar imagens de uma câmera. Mas o arquivo extraído não continha imagens de boa parte da madrugada posterior ao crime — justamente o intervalo da possível chegada dos criminosos.

O outro lado

O crime só foi esclarecido graças a uma investigação paralela feita pelo MPRJ, que levou à condenação de dois integrantes do dito Escritório do Crime. Na sentença, o juiz Bruno Rulière determinou que fossem oficiados o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Corregedoria do MPRJ e a Procuradoria-Geral de Justiça por conta de indicativos da “omissão deliberada dos órgãos de investigação estaduais na apuração de homicídios em contexto de disputas da contravenção”.

Procurado, o MPRJ alegou que os homicídios de Marcos Falcon, Haylton Escafura e Zé Personal seguem em curso, “sob necessário sigilo”. Já a Secretaria estadual de Polícia Civil ressaltou que, no fim do ano passado, a atual gestão criou um grupo de trabalho no Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa para analisar os inquéritos de homicídios ainda sem solução e os que, porventura, ocorram relacionados ao crime organizado nas suas principais frentes de atuação: milícia, tráfico e contravenção. Além disso, afirmou em nota que, no início da atual gestão, uma reunião com o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público elencou, em comum acordo, homicídios que deveriam ser tratados com atenção especial, uma vez que as investigações apontavam para crimes cometidos por essas organizações criminosas.

“O trabalho conjunto entre as instituições segue para que os casos sejam completamente elucidados e os envolvidos responsabilizados”, diz a nota.

O GLOBO fez contato também com as defesas dos delegados Rivaldo Barbosa e Giniton Lages, mas, até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.

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