Rio
PUBLICIDADE
Por e — Rio de Janeiro

Homens da Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop), com apoio da Polícia Militar iniciaram, nesta terça-feira, a demolição de dois prédios que, segundo o município, estavam sendo construídos irregularmente na Rua da Santinha, na favela da Rocinha, na Zona Sul. Uma das construções tem cinco pavimentos e dois apartamentos por andar e a outra possui dois pisos, sendo quatro unidades em cada.

Os dois prédios estão com as obras em andamento, em fase de estrutura e alvenaria e desocupados. A expectativa é concluir os trabalhos, que estão sendo feitos manualmente, nesta quinta-feira, se a prefeitura não for surpreendida por uma liminar, já que queda de braço entre a prefeitura e os supostos proprietários de imóveis construídos em áreas não edificáveis, sob domínio do tráfico e das milícias, chegou ao Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ).

No momento há pelo menos seis demolições suspensas, por força de liminar, sendo duas na Rocinha — na Rua Dioneia e no Caminho do Terreirão —, mais duas na Ilha da Gigóia, na Barra da Tijuca, além de uma na Estrada do Joá e outra no Recreio dos Bandeirantes. Um desses casos é o de um triplex com cobertura, incluindo três suítes, avaliado em R$ 2,5 milhões, na favela da Zona Sul. O imóvel começou a ser demolido em 13 de setembro do ano passado pela Seop. No dia seguinte, o suposto dono ingressou com uma liminar no Plantão Judiciário exigindo o fim da demolição e a nulidade do ato, mas a decisão acabou favorecendo a prefeitura. O caso foi parar em segunda instância do TJRJ, que determinou o contrário, que parassem de derrubar o imóvel.

SEOP e PM realizam demolição de dois prédios irregulares na Rocinha. Construções, na Rua da Santinha, têm seis e dois pavimentos, respectivamente, e prejuízo aos responsáveis ultrapassa os R$ 6 milhões — Foto: Divulgação
SEOP e PM realizam demolição de dois prédios irregulares na Rocinha. Construções, na Rua da Santinha, têm seis e dois pavimentos, respectivamente, e prejuízo aos responsáveis ultrapassa os R$ 6 milhões — Foto: Divulgação

Segundo Brenno Carnevale, secretário da pasta, não há dúvidas de que as medidas judiciais contra a prefeitura têm como objetivo proteger interesses de organizações criminosas na exploração imobiliária da região ou servir de moradia para o chefe do grupo.

— Para chegarmos no Caminho do Terreirão, onde fica essa construção da Rocinha, são mais de 25 minutos de caminhada, passando por vielas com seteira, onde os traficantes botam o bico do fuzil para fora. A construção fica no topo, com uma vista privilegiada, onde é possível ver todos os acessos à favela — diz Brenno.

— É um ambiente extremamente tenso para chegarmos lá. Na primeira vistoria, nossas equipes da secretaria foram abordadas por traficantes de fuzil. Estamos falando de domínio territorial. Todo mundo sabe que, para construir na Rocinha, tem que ter aval do tráfico — afirma ele, que no dia da demolição, foi acompanhado da Polícia Militar e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio (MPRJ).

O secretário não confirmou se as demolições iniciadas nessa terça-feira pertencem a integrantes do crime organizado. Um homem, que não apresentou documentação, teria se identificado aos agentes da prefeitura como sendo o responsável pelas construções, estimadas em R$ 6 milhões. Entretanto, Carnevale diz que nessas regiões é praticamente impossível levantar prédios como aqueles sem, no mínimo, o aval de criminosos.

— Hoje você tem, infelizmente, muitos territórios que sofrem influência do crime organizado armado e a Rocinha é um exemplo. Para fazer qualquer tipo de operação ali, por parte da prefeitura, é preciso de apoio policial e não me parece crível que vai subir um empreendimento imobiliário dessa magnitude, nessa região com influência do crime organizado, sem que haja no mínimo aval, a conivência e/ou a participação ativa dos criminosos. Isso, tanto em área de tráfico, como de milícia e de narcomilícia — aponta o secretário.

Carnevalle justifica as demolições como a única medida cabível em áreas onde os técnicos da prefeitura atestam que há irregularidade nas obras e a impossibilidade de sua legalização, por estarem em desacordo com parâmetros ambientais e de construção, além dos riscos de desabamento.

— Como secretário de Ordem Pública, primeiro tenho essa obrigação de frear o crescimento desordenado, prevenir dano ambiental, satisfazer o interesse público e prestar contas à própria comunidade e à associação de moradores dos bairros vizinhos — justifica o secretário.

Segundo a prefeitura, a Rocinha foi declarada Área Especial de Interesse Social, havendo decretos específicos de uso e ocupação do solo e reconhecimento de logradouros. É considerada ainda área de alta suscetibilidade a deslizamento, de acordo com o inventário de risco geotécnico da Fundação GeoRio.

Prefeitura faz demolição de dois prédios irregulares na Ilha da Gigoia — Foto: Fabio Costa
Prefeitura faz demolição de dois prédios irregulares na Ilha da Gigoia — Foto: Fabio Costa

Ao lado do imóvel do Caminho do Terreirão, há uma área de lazer com mesa de sinuca e inscrições nas paredes: “Todos pelo R” e um homem com a camisa do Brasil, de costas, com o número 57, o que seria uma alusão ao traficante Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, do Comando Vermelho, preso em presídio federal desde 2018. Em seu lugar na favela, ficou John Wallace da Silva Viana, o Johny Bravo, apontado por Brenno como possível dono do imóvel.

João Bosco Barros de Castro, que se apresenta como dono do triplex, é o atual presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR). Para provar sua condição de proprietário do imóvel, ele apresentou um documento da associação, assinada por um dos diretores da entidade. A decisão que determinou que a Seop parasse a operação foi da desembargadora Lidia Maria Sodré de Moraes, da Sexta Câmara de Direito Público.

A segunda construção, paralisada por decisão da Justiça, na Rocinha, fica no número 800 da Rua Dioneia. Em 16 de fevereiro deste ano, a fiscalização constatou a existência irregular do prédio de sete andares. De acordo com o Laudo de Vistoria Administrativa da prefeitura, a construção não atendia os parâmetros urbanísticos da região, sendo considerada ilegalizável. A Seop informou que o proprietário foi notificado sobre a irregularidade. Nos dias 20 e 21 de março, o prédio começou a ser desmanchado. Só havia pessoas morando no primeiro andar. No nível da rua, havia quatro andares. Os outros três ficam abaixo do térreo.

Prefeitura faz demolição de dois prédios irregulares na Ilha da Gigoia — Foto: Divulgação / Prefeitura
Prefeitura faz demolição de dois prédios irregulares na Ilha da Gigoia — Foto: Divulgação / Prefeitura

Em 26 de março, a juíza Georgia Vasconcelos, da 2ª Vara de Fazenda Pública, determinou a paralisação da demolição, atendendo a uma liminar da defesa de José Albino Junior, que diz ser o dono do imóvel. Ela ainda ressalta que, em caso de descumprimento por parte da prefeitura, será cobrada multa diária de R$ 50 mil. Em um trecho da decisão, a magistrada ressalta:

“Em relação à demolição de construção que se afirma irregular, se trata de medida extrema cuja execução é temerária nesta fase processual, dada seu caráter irreversível, sendo razoável que se aguarde ao menos a resposta do réu”.

O advogado Alberico Montenegro, que defende José Albino e João Bosco, nega que seus clientes tenham sido notificados pela prefeitura, contradizendo o órgão público. Segundo ele, os dois imóveis estavam em processo de regularização na prefeitura. O advogado de Albino e João Bosco garante que as duas construções têm engenheiros civis assinando os projetos.

— Eles (agentes da Seop) chegam na Rocinha e montam uma verdadeira operação de guerra. Colocam os moradores em risco, além deles próprios. A prefeitura tem que tentar o caminho legal, como nós estamos fazendo, e não demolir para demonstrar força —alega Alberico, que ressalta que a situação tem viés político. Sobre a acusação de Brenno de que as duas construções são do crime organizado, como a mansão de alto padrão no Caminho do Terreirão, Alberico rechaça:

— Não é atribuição do secretário de Ordem Pública dizer que o imóvel é do tráfico. Quem tem essa atribuição é o Ministério Público e a Polícia Civil. É uma inverdade do secretário. Quando eles estiveram lá para demolir, eles encontraram traficantes? Não existe tráfico naquela área do Terreirão. Prenderam algum traficante lá? Apreenderam armas? Eles estavam com a PM lá. Mais uma vez, querem justificar a ação truculenta na região.

O secretário explica que está fora de cogitação qualquer tipo de regularização no local, até por ser área “ilegalizável”. Na área da Dioneia, de acordo com decreto vigente, só é autorizado até três pavimentos, enquanto a construção tem sete andares.

A Procuradoria Geral do Município está recorrendo da decisão que favorece Albino. No último dia 6, o procurador Diogo dos Santos Baptista ingressou com um agravo de instrumento para reformar a decisão da a 2ª Vara de Fazenda Pública. Ele argumenta que a Dioneia é uma área suscetível a deslizamentos. Segundo ele, o “autor não possui licença de construção de edificação, que ocorreu às escondidas, sem qualquer ciência da prefeitura, à margem da lei”.

Também alertou em seu recurso que “somente após a atuação da prefeitura é que (o suposto proprietário) buscou criar uma situação de aparente legalidade, induzindo o Judiciário a erro”. Para provar isso, Baptista demonstra que os autores entraram com pedidos de regularização após serem notificados pela prefeitura.

A situação não é diferente para o lado da Ilha da Gigoia. Iniciada a demolição de dois imóveis, um na Alameda dos Colibris, outro na Alameda das Mangueiras, a juíza da 13ª Vara de Fazenda Pública, Luciana Losada Albuquerque Lopes, deferiu a tutela de urgência determinando o fim das demolições e a redistribuição dos processos para Juizados Especiais Fazendários, para que os casos fossem reexaminados.

Segundo a Seop, depois da decisão da Justiça interrompendo a demolição, a construção na Alameda das Mangueiras foi retomada e já há até gente morando nela. O município tenta revogar a liminar. Procurado pelo GLOBO, o advogado Filipe Cabral, que defende os supostos proprietários dos dois imóveis, disse que entraria em contato, o que não ocorreu, nem por telefone, nem por e-mail.

Desde 2021, a Seop já demoliu 3.500 construções irregulares, sendo 70% delas em áreas sob influência do crime organizado. Segundo Brenno, cerca de 55% ficam na Zona Oeste. Nas contas da secretaria, foi possível causar um prejuízo de meio bilhão ao tráfico e a milícia neste período.

Ao ser procurado o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Ricardo Cardozo esclareceu que: “os magistrados estão impedidos de comentar e debater publicamente o teor dessas decisões judiciais. Os juízes e desembargadores que decidiram merecem toda a confiança do presidente. No entanto, é importante ressaltar que existem leis a serem observadas e cumpridas. Ninguém em sã consciência pode imaginar que o Judiciário aplaude ilícitos, especialmente aqueles provenientes da milícia, que subjugam a sociedade ao desordenamento urbano ou à barbárie”.

E prosseguiu: “Portanto, quando há estranheza em relação a certas decisões, isso não significa que elas são definitivas. Na maioria das vezes, essas decisões representam uma pausa para que a lei seja observada, e posteriormente, após ouvir todas as partes e examinar as provas, chegue-se a uma decisão justa, correta e que garanta segurança jurídica”.

Por nota, a Polícia Civil, informou que: “por meio de delegacias especializadas e distritais, investiga o parcelamento irregular do solo urbano por organizações criminosas. A Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), por exemplo, tem inquéritos acerca dessas atividades ilícitas em áreas exploradas por facções criminosas ligadas ao tráfico e planeja, junto com outras instituições, ações de demolição de construções irregulares”.

O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio informou que vem acompanhando as demolições e investiga as organizações criminosas e, por meio de nota destacou o trabalho da Força-Tarefa de Enfrentamento à Ocupação Irregular do Solo Urbano, que atua em parceria com a Seop nas operações para demolição de construções irregulares em áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia, o que tem causado prejuízo de milhões de reais às organizações criminosas.

"A Força-Tarefa ainda tem como objetivo apurar eventuais indícios da prática de crimes ambientais e de organizações criminosas, entre outros, com vistas a promover a responsabilização criminal dos autores das construções irregulares e dos ilícitos ambientais", completa o texto.

A nota destaca ainda que na grande maioria dos casos, os construtores irregulares não dispõem de documentos ou provas que os respaldem juridicamente no sentido de demonstrar, ainda que superficialmente, a legalidade e a segurança das obras. O coordenador do Gaeco, Fabio Corrêa, explica que o trabalho desenvolvido pela Força-Tarefa adota um modelo disruptivo de combate aos grupos armados.

— Além de impedir a prática de danos ambientais e preservar a segurança das pessoas, busca-se evitar, preventivamente, que estas construções irregulares se tornem mais uma fonte de lucro ilícito por organizações criminosas. Seja tráfico ou milícia — afirmou Corrêa.

Mais recente Próxima Rota do Solimões: drogas entram pela fronteira com Colômbia e Peru, e têm como destino final o Rio

Inscreva-se na Newsletter: Notícias do Rio

Mais do O Globo

Regras só valem para concursos federais e a partir de 2028

Lula sanciona lei que libera concurso público pela internet e avaliação psicológica

Ministério elaborou, por determinação de Dino, lista dos municípios proporcionalmente mais beneficiados por verbas parlamentares

Fogo no país vizinho ameaça o Pantanal brasileiro

Governo brasileiro envia militares para combater incêndios na Bolívia em área de fronteira

Infância pobre, visual criado em 'laboratório' e iate de Roberto Carlos: a trajetória do cantor cuja empresa é suspeita de envolvimento com esquema de lavagem de dinheiro de jogos ilegais

Qual é o nome verdadeiro de Gusttavo Lima, que foi de cortador de cana a embaixador do agronegócio?

O padrasto das crianças usava meios descritos como “cruéis” para praticar os abusos sexuais, chegando até mesmo a ameaçá-las com um alicate

Mulher morre após ter 40% do corpo queimado por companheiro, em GO;  homem estuprava enteados com a mãe deles na UTI

Unidade passa a fazer diagnóstico de diferentes transtornos intelectuais e motores, com encaminhamento para a rede pública se necessário

Policlínica na Barra aumenta oferta de atendimentos e serviços

Condomínio conta que os bichanos se apropriavam das áreas comuns e das demais residências, segundo o condomínio.

'Condomiau': mulher é processada pelos vizinhos por ter 10 gatos em seu apartamento

Site conta com a aba 'escolhidos da doutora', que seleciona os jogos que seriam recomendados pela influenciadora

Deolane: bet suspeita de lavagem de dinheiro tem cassino, tigrinho e capital de R$ 30 milhões