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Madrugada de 17 de maio deste ano, por volta das 4h da manhã, na Zona Oeste. Um ônibus da linha 926 (Senador Camará—Penha) mal sai do ponto final e, 500 metros depois, é impedido de seguir viagem ao se deparar com outro coletivo atravessado na pista, usado como barricada por traficantes. Sem alternativa, os passageiros desembarcam, precisando caminhar por dez minutos até a estação de trem, onde, após pagarem nova passagem, seguem viagem. O drama vivido por eles não é um fato isolado. Números do Sindicato das Empresas de Ônibus da Cida- de do Rio (RioÔnibus) revelam que, desde maio do ano passado, 164 ônibus foram sequestrados por bandidos para serem usados como barricadas. Este ano, entre janeiro e anteontem, 71 coletivos foram alvo desse tipo de ataque—durante operações policiais ou protestos —em comunidades do Rio.

Em média, a cada dois dias de 2024, um ônibus foi retira- do de linha por criminosos para bloquear a passagem de viaturas policiais. Os locais com mais casos são a Vila Aliança, em Bangu, na Zona Oeste, e os bairros de Cordovil e Ramos, na Zona Norte.

—Quando a gente vê que o clima não está bom com alguma operação, fica o medo de ser barrado a qualquer momento. É o medo do imprevisto —relata um servidor público que estava a bordo do ônibus da linha 926 e que preferiu não se identificar.

Em um ano, 164 ônibus foram usados como barreira pelo tráfico — Foto: Arte/Agência O Globo
Em um ano, 164 ônibus foram usados como barreira pelo tráfico — Foto: Arte/Agência O Globo

Além de sequestrado, o ônibus pode acabar incendiado, como no caso de um veículo destruído na Estrada Benvindo de Novaes, em Vargem Pequena, no início do mês, após uma operação policial na comunidade Cesar Maia.

Os ataques quase sempre são da mesma maneira: os veículos são capturados por bandidos, e os passageiros são retirados. Rendidos, os motoristas têm de estacionar os ônibus para bloquear a passagem nas vias. Os traficantes geralmente jogam fora as chaves dos veículos, para dificultar o trabalho da polícia. Segundo o Rio- Ônibus, cada vez que um coletivo é sequestrado e retirado de linha acaba surgindo um “buraco” no itinerário.

— As outras pessoas (que não moram onde o sequestro acontece) também sofrem com os atrasos, porque os carros ficam retidos até a situação se normalizar. E isso pode de- morar uma, duas, três ou mais horas. Por exemplo, se uma linha tem dez ônibus rodando e três veículos são retidos, ela fi- ca com a oferta de serviço reduzida em 30%. E aí esses passageiros, que dependem da linha ao longo de todo o eixo, são prejudicados e têm de esperar mais nos pontos — observa Paulo Valente, diretor de comunicação do RioÔnibus, lembrando que os trajetos dessas linhas precisam ser encurtados até a situação se normalizar.

O impacto da insegurança

A Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) mapeia dados da operação de 443 linhas de ônibus da cidade, inclusive impactos na operação. De janeiro até o último dia 15, a 875 (Tanque—Praça Seca) foi a que mais enfrentou algum tipo de bloqueio de via relacionado à segurança pública: isso ocorreu em 94 dias este ano (equivalente a 69% do período). Atrás dela, no ranking, estão linhas que passam por Penha, Ramos, Jacarepaguá e Vila Aliança.

Na prática, a sensação de in- segurança já afeta a demanda de passageiros: no pós-pandemia esse foi o principal motivo para que eles deixassem de usar o ônibus na cidade do Rio, conforme apontou um estudo recente do Programa de Engenharia e Transportes da Coppe/UFRJ.

—Quando fizemos o recorte por região, constatamos que as pessoas deixaram o ônibus por motivos diversos: no Leste Fluminense (Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Mari- cá), os passageiros deixaram o ônibus por critérios relacionados ao tempo, enquanto na Baixada Fluminense o problema foi o desemprego. Já na capital, as pessoas não se sentem seguras nos coletivos —explica a pesquisadora da Coppe Cintia Machado de Oliveira.

Entre abril e maio deste ano, o problema se acentuou, com 33 ônibus sequestrados no período. No último dia 17, por exemplo, quatro coletivos foram retidos em barricadas, três deles na Vila Aliança e um próximo a uma comunidade de Realengo. A cena se repetiu no dia 21, quando, durante operação policial na localidade conhecida como Cinco Bocas, em Cordovil, dois ônibus da linha 335 (Cordovil—Tiradentes) foram sequestrados por bandidos e usados como barricadas.

‘Minha vontade é ir embora'

Em 3 de junho, outros cinco coletivos (das linhas 926 Senador Camará—Penha e 746 Jabour—Cascadura) foram sequestrados em Senador Camará, para serem usados como barricadas. Na sexta-feira passada, após a operação da Polícia Civil que terminou com a morte do miliciano Rui Paulo Gonçalves Estevão, o Pipito, na Favela do Rodo, em Santa Cruz, três ônibus foram sequestrados e utilizados como barricadas na Avenida Antares, no mesmo bairro.

Trabalhando como motorista há quatro anos, um rodoviário concordou em falar sobre o problema, sem ser identifica- do. Entre 23 de outubro de 2023 — quando Matheus da Silva Rezende, o Faustão, sobrinho do miliciano Zinho, foi morto em Santa Cruz — e março deste ano, o motorista teve um coletivo que dirigia incendiado e outros três, sequestrados. Ele chegou a ser transferido de linha entre os ataques, mas isso não evitou que o problema se repetisse.

A primeira vez foi em outubro e me assustou mais. Homens com fuzis em duas motocicletas fecharam o ônibus. Só deu tempo de parar. Todo mundo desceu correndo e o carro foi incendiado. Em outras oportunidades, já em outras linhas, tive o ônibus sequestrado três vezes. Dirigindo em ruas de comunidade a gente vê fuzil a toda hora, parece até que está no Afeganistão. Minha vontade é ir embora do Rio, mas tenho filhos para criar e preciso trabalhar. Sou devoto de Nossa Senhora e, antes de sair para trabalhar, rezo e peço todos os dias para ela me proteger —relata ele.

O profissional não é o único. Segundo o RioÔnibus, em três anos uma centena de rodoviários foi afastada para passar por tratamento psicológico. No mesmo período, 300 pediram demissão por conta da violência urbana. Após os episódios, o Sindicato dos Rodoviários também começou a oferecer este mês atendimento psicológico aos motoristas.

Procurada, a Polícia Militar informa que realiza constantes estudos com o objetivo de readequar e realinhar ações de combate à criminalidade. “Em algumas comunidades, o ponto final de ônibus está localizado em seu interior, facilitando a ação de criminosos que obrigam os motoristas a atravessarem os veículos na pista para dificultar a atuação da polícia”, diz trecho da nota.

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