O cenário era de guerra: veículos incendiados, helicóptero sobrevoando a cidade, tiroteio intenso, avenidas fechadas, moradores em pânico. O confronto no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, nesta terça-feira, deixou três pessoas mortas, entre elas um policial militar e dois suspeitos. Cercada pelas mais importantes vias expressas do Rio e em disputa territorial por três facções criminosas, a Maré se tornou, ao longo dos anos, quase impossível de ser ocupada pelas forças de segurança.
A incursão policial desta segunda-feira começou pela manhã, com agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e do 22º BPM (Complexo da Maré). Em represália, bandidos fecharam as mais importantes vias expressas da cidade: a Linha Vermelha e a Avenida Brasil ficaram bloqueadas com um ônibus incendiado na altura da Vila do João e uma carreta atravessada na pista.
Segundo a Polícia Militar, dois agentes foram atacados e baleados, nesta terça-feira, ao chegarem próximos de um esconderijo usado pelo traficante Thiago da Silva Folly, o TH da Maré, na Favela do Timbau, uma das comunidades do complexo.
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Apontado pela polícia como o segundo em liberdade na hierarquia do tráfico de drogas de parte do Complexo da Maré, referente a região dominada pela facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP), TH é um dos bandidos mais procurados do Rio. Em nome dele há 16 mandados de prisão expedidos pela Justiça. O último deles foi decretado, no dia 18 de abril de 2024, pela 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Em 2014, o Governo do Estado pediu ajuda ao Exército para ocupar as 16 favelas, o que seria o pontapé para a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Um ano e três meses depois, os militares deixaram a comunidade, que retomou a rotina de antes: bandidos fortemente armados no controle de áreas onde o poder público não chega. No final do ano passado, um centro de treinamento do tráfico mostrou criminosos tendo aulas de guerra em um terreno no interior da comunidade.
A descoberta levou o governo federal a oferecer o apoio da Força Nacional, que ficou nos arredores do complexo controlado por três grupos criminosos. Lá, a maior facção do Rio comanda duas comunidades: a Nova Holanda e o Parque União. A Vila do João — onde fica o centro de treinamento no espaço com piscina que deveria ser uma área de lazer pública — está sob o controle de um grupo de traficantes rival, que também domina outras favelas. Até a milícia tem sua fatia: a Roquete Pinto e o Piscinão de Ramos.
Na ocasião, o governador Cláudio Castro afirmou que a Maré se tornou abrigo para traficantes de outras favelas. Até chefes de quadrilhas de outros estados foram presos no complexo, onde está instalado um batalhão da PM. E não é só o tráfico que move as quadrilhas que dominam a região. Em julho, uma operação das polícias Civil e Militar no conjunto apreendeu 25 carros roubados, entre eles um Porsche avaliado em R$ 479 mil. Um dos veículos usava uma placa com o nome de uma facção.
No meio dessa guerra que se arrasta, estão 140 mil moradores e dezenas de escolas, que funcionam quando não tem tiroteios. Pesquisa divulgada recentemente pela ONG Redes da Maré mostrou o impacto da violência na vida das crianças de até 6 anos, que já reconhecem até o barulho do motor do veículo blindado da polícia.
A origem
Os primeiros moradores chegaram à região, às margens da Baía de Guanabara, na década de 1940. No início, as casas eram de palafita e sofriam impactos conforme as variações da maré. Isso explica a origem do nome da comunidade. Aos poucos, a área foi sendo aterrada, e a população foi crescendo com a chegada de mais migrantes, principalmente oriundos do Nordeste. No início da década de 80, moradores foram removidos para novos conjuntos habitacionais (Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança), agora considerados favelas do complexo.
A Maré foi transformada em bairro por meio de decreto do prefeito Cesar Maia, em 1994. Hoje o conglomerado, que se estende da Avenida Brasil até a Linha Vermelha, pelos dois lados da Linha Amarela, está no caminho de quem segue do Centro para a Baixada Fluminense, a Região Serrana, a Costa Verde, São Paulo e o Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão.
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