Quem entra numa sala de cinema para assistir o arrasa-quarteirão “Godzilla e Kong: o Novo Império”, produção norte-americana, com direção de Adam Wingard, corre o risco de desviar a atenção da trama para tentar adivinhar os lugares do Rio que serviram de cenário para uma batalha entre os personagens do título. Prédios da Avenida Atlântica, em Copacabana, da Avenida Chile, no Centro e da Rua Francisco Muratori, em Santa Teresa, assim como os Arcos da Lapa ganham destaque, alguns deles sendo destruídos em meio à luta. Além desse filme, um dos maiores sucessos de bilheterias da atual temporada, a cidade tem sido protagonista em muitas outras produções nacionais e internacionais.
A cidade, que já era a mais filmada do país, tem se destacado também em produções estrangeiras, superando Paris, no ano passado, como uma das mais procuradas no mundo para locações. Números da Rio Film Commission, departamento da RioFilme— órgão da Secretaria Municipal de Cultura — que atende às produções que filmam no município, mostram que em 2023, foram registradas 7.885 diárias de filmagem no Rio. A título comparação, na capital francesa foram 7.400. Cidade do México e Lisboa, somam 7.876 e 1.309 diárias de gravação, respectivamente, no mesmo período. São Paulo, a segunda cidade mais filmada do país, teve 4.895 diárias de filmagens.
Ruas, praias, praças, parques e até bairros inteiros do Rio ganharam as telas do país e do mundo, em alguns casos, com ares de protagonista. É o caso de Marechal Hermes, na Zona Norte, que figura no levantamento como o terceiro bairro mais procurado para locações, ficando atrás apenas do Centro e do Flamengo. A constante movimentação de equipes de filmagens já rendeu ao lugar o apelido de “Marechalwood”, numa alusão a Hollywood, a meca do cinema americano.
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Uma das vias do bairro preferidas pelas produções é a Rua Engenheiro Emílio Baumgarth. Com suas casinhas antigas, de muros baixos que preservam a arquitetura original de mais de 50 anos atrás, como o típico piso com cerâmica de caquinho no quintal, característico do subúrbio, a via é o cenário perfeito para filmes, novelas e séries, principalmente que retratam épocas passadas. Não é raro encontrar um morador que já cedeu sua casa para gravações.
— Minha casa já serviu de cenários para filmes, novelas, séries e até comerciais. É tanta coisa que nem me lembro de tudo — diz o técnico de contabilidade, Leonardo Pedrosa, de 57 anos, dono de uma das casas mais conservadas da rua.
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Segundo o morador “Cosme e Damião Quase Santos”, série do Globoplay e do Multishow, foi a produção mais recente a utilizar sua casa para gravações. Detalhe: na trama a ação se passa em Realengo, na Oeste. A grande procura do bairro pelas produções audiovisuais rende um dinheiro extra para os moradores. Leonardo disse que já faturou R$ 15 mil pela utilização de sua casa por uma produção que durou mais de um mês. Se o interesse for só pela fachada, ele não cobra menos de R$ 1.500. O imóvel também recebeu melhorias feitas por uma das produções, como troca do piso da varanda e dos vidros da janela e da porta, segundo o proprietário. O bar de Pedro José Filho, de 70, na Rua General Savaget, também recebeu melhorias de uma das produções filmadas no local.
O casal Zel Mir, de 52, e Lucy dos Santos, de 59, também já perdeu a conta de quantas vezes sua casa, na mesma rua, serviu a gravações. Os dois moram há 14 anos no imóvel, dos anos 1960 pertencente à família de Lucy. Ela conta que para transformar a residência numa típica construção do sul do país, a produção do filme Lulli, da Netflix e estrelada por Larissa Manoela, revestiu de madeira as paredes externas e a da sala. A moradora disse ainda que recebeu mensagem de um amigo que se mudou para Portugal dizendo ter reconhecido a construção, numa cena da série “O mecanismo”, também da Netflix.
— Marechal Hermes é um dos poucos lugares do subúrbio quem mantém um cenário de época. Muitas produções vêm para cá com essa inspiração — analisa Zel Mir, cuja casa, assim como a do vizinho Leonardo, aparecem no comercial de uma empresa de venda e locações de imóveis protagonizado por Martinho da Vila, que buscava uma atmosfera dos anos 1970.
Em fase de finalização, o novo longa de Jeferson De, “Narciso”, foi quase todo rodado em Marechal. Para a produtora Cristiane Arenas, da Buda Filmes, responsável pela produção, a diversidade de cenários e o fato de boa parte do elenco morar no Rio são grandes atrativos da cidade. São aspectos que facilitam a realização e a logística, diz. Também teve cenas filmadas no Alto da Boa Vista.
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— Os dois bairros estão se adaptando cada vez mais para receber filmes e séries, com produtores locais agilizando e facilitando a entrada das equipes, contribuindo nos acordos com os proprietários e as locações — aponta a produtora.
Do ano passado para cá, Marechal Hermes recebeu gravações da novela Terra e Paixão, da minissérie Encantados, ambas da Globo, e de séries como Histórias Impossíveis (Globoplay) e Um dia Qualquer (Max), entre outras. Outro destaque no subúrbio é a Rua da Cevada, na Penha Circular, onde foram gravadas cenas de cinco séries, em 2023.
— Acredito que o Rio seja mais procurado para produção de filmes e séries pela diversidade de locações que proporciona. Sem precisar sair da cidade você encontra cenários de praia, comunidade, mata ou apartamentos glamourosos da elite. Incluir viagens na programação de uma filmagem encarece muito o orçamento e no Rio de Janeiro você consegue esse contraste separado por poucos quilômetros de distância — explica a diretora de produção Raissa Drumond, da Boutique Filmes, que filmou uma série na Penha:
— Recentemente filmei uma série que tinha identidade de subúrbio, e a região da Penha estabelece essa imagem com individualidade. Como a Igreja da Penha, por exemplo, essas características e locais facilmente reconhecidos ajudam a aproximar o espectador da história.
O levantamento mostra ainda que 26 produções internacionais solicitaram autorizações para 258 diárias de filmagem na cidade no ano passado. Estados Unidos, França e Áustria lideram a lista. A Avenida Atlântica, em Copacabana, foi a mais buscada por essas produções. A via da Zona Sul é também a mais procurada para produções seriadas, incluindo as nacionais, seguida do Aterro do Flamengo. Entre as praias, as preferidas são: Copacabana, Leme, Grumari e Ipanema. Dos parques públicos, o do Flamengo, Quinta da Boa Vista, Praça Mauá e Largo das Neves, em Santa Teresa.
Para atrair as produções, a prefeitura criou em 2022 o cash rebate. É o mecanismo pelo qual um percentual do orçamento (entre 30% e 35%) retorna para as produções que escolhem o Rio como locação, desde que o contrato seja firmado por meio de produtora carioca. Em 2023, a RioFilme investiu R$ 61,3 milhões no audiovisual. Pelos cálculos da prefeitura, para cada R$ 1 investido R$ 3 voltam para os cofres municipais.
— Entre as ações que propiciaram esse sucesso é importante ressaltar o lançamento de editais de fomento com esse fim, como o de “Incentivo à Atração de Produções Audiovisuais para o Município do Rio de Janeiro, o Cash Rebate”, que faz parte do Pró-Carioca Audiovisual; a nossa presença em eventos essenciais para o mercado audiovisual, como o Marché de Cannes, e, sobretudo, o trabalho diário da Rio Film Commission para facilitar e desburocratizar o processo de autorização de filmagens no município — aponta o secretário de Cultura, Marcelo Calero.
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