Berço das milícias no estado, a comunidade de Rio das Pedras tem sido alvo quase diário das investidas do Comando Vermelho. Nas redes sociais, relatos de moradores expõem os desafios de uma rotina marcada por tiroteios, extorsões e medo — que já interfere até no funcionamento do comércio. Na noite da última quarta-feira, um incêndio atingiu a mata da área de Pinheiro e levou mais de três horas para ser combatido pelos bombeiros. Moradores dizem que as chamas teriam sido provocadas pela milícia numa tentativa de evitar o acesso do tráfico ao bairro.
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A rota feita pela facção atravessa o Parque Nacional da Tijuca, que tem acesso por diversos bairros da cidade, e termina próximo ao Itanhangá, vizinho de Rio das Pedras. Se assumir o controle da região, o Comando Vermelho fechará o “cinturão do tráfico”, ligando as zonas Norte e Oeste, onde já tem o controle de ao menos 14 comunidades.
As incursões acontecem durante a noite. Os mais antigos lamentam as mudanças na comunidade.
— Muito antigamente, quando começou a ter essa história de miliciano por aqui, não tinha tiroteio, a gente não via pessoas armadas circulando, não éramos encarados ou abordados na rua. Agora, qualquer movimento em falso pode gerar uma situação de risco, principalmente para quem mora mais para dentro (da comunidade) — destaca um morador, que prefere não se identificar.
A insatisfação também se estende à milícia atual, que já não teria mais qualquer identificação com as pessoas que vivem no local.
— São pessoas de fora, sem qualquer relação com Rio das Pedras. Antes, por mais que houvesse um problema ou outro, a gente se sentia respeitado, protegido de alguma forma, mas isso acabou. Tem muito morador sendo esculachado. Se não consegue pagar a taxa no dia certo, não tem nem conversa, já é ameaçado. Os caras não estão nem aí — explica o morador.
![Mapa do crime — Foto: Editoria de Arte](https://s2-oglobo.glbimg.com/rJ6VBnMRJzwLg4BJAGYtZntmOH8=/0x0:648x517/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/e/Q/iWM0GlRAStmhM7BOzUhw/mapa-favelas-trafico.jpg)
Comércio afetado
Uma outra moradora, também sob anonimato, conta que o comércio está fechando cerca de duas horas antes do habitual na Avenida Engenheiro Souza Filho, que concentra o maior número de lojas da região. Parte da via, inclusive, estava sem asfalto devido a obras de revitalização e drenagem. Segundo a Secretaria municipal de Infraestrutura, elas serão concluídas hoje.
— Se você chegar aqui (na avenida) por volta das 19h ou 20h, vai ver tudo fechado, deserto. Antes, era gente para todo canto, até por ser a hora em que as pessoas chegam do trabalho. Então, o morador descia da van ou do ônibus e passava no mercado, no açougue, fazia um lanche, comprava alguma coisa que estivesse faltando — conta ela.
Uma das principais queixas dos moradores é o aumento da frequência nas extorsões pela milícia. Desde que o Comando Vermelho começou as tentativas de invasão, em meados de 2023, a cobrança das taxas, que era mensal, passou a ser quinzenal. O valor se manteve o mesmo: R$ 50. A taxa do comércio continua semanal, com quantia a depender do estabelecimento, e sujeito a interferências. Algumas padarias passaram a vender o pão francês com o preço exigido pela milícia, entre R$ 0,70 e R$ 1.
— É complicado, porque tira a autonomia dos comerciantes. O preço leva em consideração as despesas, a margem de lucro, o perfil de quem compra. Se uma pessoa chega obrigando a cobrança de um determinado valor sem considerar isso tudo, vai quebrar o estabelecimento — reclama um vendedor.
Ao GLOBO, ele contou que, segundo os milicianos, o aumento na frequência das cobranças serve para financiar a guerra contra o tráfico, seja para a compra de armamentos ou munições.
Um outro morador revelou que alguns representantes da milícia quebram os relógios de luz e cobram de R$ 300 a R$ 400 pelo conserto, que acontece junto a ameaças:
— Eles falam assim: “se não pagar pela segurança, pode acontecer de novo”. Aí, a pessoa fica com medo e acaba pagando. Eu posso até dizer que tem bastante morador torcendo para o Comando Vermelho invadir logo aqui. Temos a ilusão de que pelo menos as extorsões vão parar.
Nas redes sociais, como no X, antigo Twitter, diversas publicações mostram os tiroteios em Rio das Pedras. As ocorrências são quase diárias, com moradores se queixando do barulho e da sensação de insegurança. Muitos falam sobre a dificuldade de dormir em meio ao caos, outros, de acordar de madrugada para ir ao trabalho ainda sob o som dos disparos.
Na última terça-feira, o sushiman Ramon de Sousa Reis Pereira, de 26 anos, foi executado a tiros após discussão com um homem apontado por testemunhas como miliciano. A morte aconteceu na Rua Nova, também conhecida pelo intenso comércio.
Relatos de quem presenciou o crime revelam que o homem que discutia com Ramon chegou a ir embora após o bate-boca terminar, mas retornou e atirou contra o rapaz: foram dois tiros no peito e um no rosto; e depois fugiu. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital.
Infraestrutura precária
Rio das Pedras é uma extensa área pantanosa aterrada ao longo dos anos. Começou a ser povoada na década de 1950 por retirantes nordestinos que vieram ao Rio em busca de oportunidades, e hoje tem mais de 31 mil moradores, de acordo com o IBGE. Historicamente, recebe pouca atenção governamental, que ainda não conseguiu resolver problemas estruturais da comunidade.
Uma delas é o valão na Via Light, transversal à Avenida Engenheiro Souza Filho. Às 10h da última sexta-feira, o local acumulava grande quantidade de lixo, além de cheiro de esgoto. As casas erguidas à margem do córrego têm encanamento exposto no local e estão suscetíveis a problemas, principalmente quando chove e há inundações.
Próximo ao valão há uma placa da prefeitura do Rio destacando obras de urbanização no local. Embaixo dela, na entrada do bairro Maravilha, um blindado da Polícia Militar está estacionado, assim como uma viatura, distante poucos metros dele. Nela, um agente fica do lado de fora, observando a circulação dos moradores. Questionado sobre a violência no local, ele respondeu:
— Nada. Aqui é um lugar bem tranquilo.
Em nota, a prefeitura do Rio informou que “vai inaugurar neste domingo (hoje) as obras de urbanização, com melhorias viárias, da Avenida Engenheiro Souza Filho. Principal ligação entre as comunidades da Muzema e de Rio das Pedras, no Itanhangá, a via recebeu a implantação de rede de drenagem de águas pluviais para minimizar alagamentos, entre outras melhorias. As obras foram realizadas pela Secretaria municipal de Infraestrutura, com custo total de R$ 34,7 milhões”.
Já a Fundação Rio-Águas disse, também em nota, que “parte do canal da Via Light é canalizado. A limpeza do rio ocorre regularmente e faz parte da programação de manutenção dos canais de Rio das Pedras. A última limpeza do canal ocorreu em maio deste ano”.
Em nota, a Polícia Militar informou que o comando da corporação está atento diretamente à movimentação criminosa na região, e que o 18º BPM (Jacarepaguá) já "retirou" mais de 780 criminosos da rua só nos primeiros seis meses do ano. A corporação também disse que tem feito ações conjuntas com o Comando de Operações Especiais (COE) da corporação para checar denúncias de esconderijos de criminosos e armamentos localizados no interior da comunidade e na área de mata próxima.
Veja nota na íntegra:
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que o comando da corporação está atento diretamente à movimentação criminosa na Região do Rio da Pedras, na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro.
Através do 18º BPM (Jacarepaguá), que já retirou mais de 780 criminosos nas ruas somente nos seis primeiros meses deste ano, a corporação tem atuado ininterruptamente na região, inclusive através de uma Companhia Destacada e equipes em ostensividade e baseamentos definidos estrategicamente.
Em ações conjuntas com Comando de Operações Especiais (COE) da corporação, o 18º BPM também tem atuado pontualmente na checagem de informações precisas sobre esconderijos de criminosos e armamentos localizados no interior da comunidade e na área de mata próxima.
Nesse contexto, vale destacar o trabalho integrado entre a SEPM e as delegacias da Polícia Civil, num conjunto de esforços voltados à identificação e localização dos envolvidos nas práticas delituosas diversas no Rio das Pedras.
Para a efetividade dessa estratégia, a colaboração da população é de suma importância com informações através da Central do Disque-Denúncia (2253-1177), assim como através do acionamentos via App 190 RJ e Central 190, tando quando pelos registros em delegacias
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