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GERADO EM: 06/07/2024 - 02:00

Abordagem da PM a jovens negros em Ipanema: debate sobre racismo estrutural

A abordagem da PM a jovens negros filhos de diplomatas em Ipanema gerou debate sobre racismo estrutural no Brasil. O caso truculento levou a pedido de desculpas do Itamaraty aos países envolvidos e repercutiu na sociedade, destacando a necessidade de medidas efetivas para evitar situações semelhantes. A Polícia Civil investiga se houve crime de racismo na ação dos policiais, que resultou em trauma para os jovens abordados. Medidas para combater o preconceito racial são urgentes.

Classificada como truculenta e racista por parentes, a abordagem de policiais militares a um grupo de cinco jovens — dois brasileiros brancos e três estrangeiros, filhos de diplomatas, negros — na noite de quarta-feira, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, não é incomum no Brasil, especialmente no Rio e ainda mais nas regiões consideradas periféricas da cidade. O caso ganhou contornos de crise diplomática com pedido formal de desculpas do Itamaraty aos embaixadores do Gabão, de Burkina Faso e do Canadá, países de origem dos jovens, e abriu espaço para uma discussão sobre racismo estrutural e despreparo de policiais na abordagem a negros.

— A atitude dos policiais é uma reprodução da sociedade racista que existe no nosso país. O caso está tendo maior repercussão, obviamente, por se tratar de jovens estrangeiros. Mas essa abordagem acontece a todo momento em vários lugares do Brasil — diz o jornalista Rene Silva, da ONG Voz das Comunidades. — As atitudes racistas acontecem de forma natural, e ninguém mais questiona porque o branco tem um tratamento diferente em comparação a um preto. Já tivemos muitos casos de jovens negros inocentes que morreram e nada mudou. A sociedade não se choca — diz.

Pais denunciam PMs por racismo em abordagem a adolescentes de férias no Rio

Pais denunciam PMs por racismo em abordagem a adolescentes de férias no Rio

O ativista Jota Marques, atuante na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, reforça que a indignação das pessoas com a abordagem policial é mais pela repercussão na mídia do que pelo desejo de mudar a postura dos agentes.

— Pra mim, não há efetivamente uma indignação coletiva. O que eu vejo, neste caso, é uma maior midiatização, o que é diferente de indignação. O corpo do menino negro neste país, vivo ou morto, é objeto de desumanidade. Ele representará risco independentemente da classe social que ocupar, e a indignação não ocorrerá em nenhuma das hipóteses sociais das quais este garoto fizer parte. No entanto, ser filho de diplomata, talvez em uma falsa vantagem, lhe garanta um pedido de desculpas público. O que fundamentalmente não resolve o problema.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, o episódio deixa claro que há falhas no treinamento dos policiais do Rio, em que, segundo diz, a questão racial não é tratada com a devida importância:

— A origem disso está no próprio processo de formação dos policiais e nas falhas na supervisão da tropa. Além disso, é preciso que, desde a sua formação, o policial seja preparado para não avaliar situações apenas por questões de raça e cor.

O caso repercutiu em Brasília. O Ministério de Relações Exteriores afirmou que “acionará o governo do Estado do Rio, solicitando apuração rigorosa e responsabilização adequada dos policiais envolvidos na abordagem”. Já o Ministério da Igualdade Racial repudiou a abordagem policial, que classificou como “violenta e irresponsável” e expressou solidariedade com as vítimas e suas famílias.

‘Bem chocante’

Abordagem da PM a adolescente em Ipanema foi gravada por câmeras de segurança — Foto: Reprodução
Abordagem da PM a adolescente em Ipanema foi gravada por câmeras de segurança — Foto: Reprodução

Mãe de um dos adolescentes, a servidora pública Rhaiana Chacon, que mora em Brasília, assim como quatro dos adolescentes abordados, disse, ontem, que o filho e os amigos estão traumatizados, mas seguem na cidade ainda tentando ter uma experiência boa.

— Ontem nós nos falamos e eles contaram que viram uma viatura na mesma rua. Ficaram assustados. Com razão. Foi tudo bem chocante. Eles nunca tinham visto uma arma — disse.

A funcionária pública revelou que o adolescente mais novo, de 13 anos, se machucou após ter um dos pés pisados por um dos PMs:

— Eles não tiveram nem chance. Foi tudo muito indignante. Poderiam ser abordados? Sim. Mas nunca daquela forma. Ficou uma marca neles.

Rhaiana contou ainda que se sente responsável pelo que aconteceu porque foi quem organizou as férias do filho e dos amigos, que também moram em Brasília.

— Meu filho vai muito para o Rio e queria mostrar para os melhores amigos a cidade. A Praça Nossa Senhora da Paz, o calçadão, o Arpoador... Mas nas primeiras horas (no Rio) passaram por isso — lamentou.

Ao RJTV, da TV Globo, um dos adolescentes contou que os policiais foram mais agressivos com os amigos negros do que com ele, que é branco:

— Muito mais tensão vindo para eles, muito mais agressividade, encostando eles na parede, levantando o braço, do que comigo.

Um dos rapazes estrangeiros falou sobre a violência da abordagem.

— Eles empurram na parede, com força. Até que machucou um pouco. Eu não estava preparado para o policial, estava mais preparado para ser roubado pelos bandidos — disse se referindo às suas expectativas ao visitar o Rio.

Um dos rapazes de 14 anos, filho de diplomatas do Gabão, escreveu um relato em francês, seu idioma de origem: "Estávamos deixando o primo de Caetano em casa quando a polícia chegou apontando armas para nós. Levantamos as mãos, encostamos no muro, mas eles me pegaram e me jogaram contra o muro (acho que me machuquei naquele momento). Revistaram-nos, fizeram perguntas, pediram até para levantarmos nossas partes íntimas para verificar se não havia nada escondido ali. Depois, foram embora nos dizendo para não andarmos por aí, senão seríamos abordados novamente", em tradução livre.

Encontro com os jovens

Integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj estiveram ontem com os adolescentes e preparam um relatório sobre o caso. Presidente da comissão, a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL) escreveu em suas redes sociais que, “infelizmente, esse não é um caso isolado; todos os dias jovens negros são abordados com truculência e até mesmo agredidos por agentes da PM. Mas sem pais influentes, esses casos não repercutem e nenhum agente responde por isso”. A parlamentar afirmou ainda que desculpas oficiais são fundamentais, porém são necessárias “medidas efetivas que evitem que isto se repita”.

De janeiro de 2022 a março de 2024, 1.435 pessoas registraram nas delegacias do Estado do Rio denúncias de preconceito de raça ou cor, o equivalente a 53 vítimas por mês, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Apenas no primeiro trimestre de 2024 foram 223 relatos nas delegacias, ou 74 casos por mês.

A Polícia Civil investiga se houve o crime de racismo na ação dos PMs, que seriam sargentes da UPP do Vidigal. Segundo informou o RJ2, da TV Globo, o porteiro do prédio, que presenciou a ação, foi ouvido e disse que a abordagem foi dura, mas que não ouviu expressões racistas por parte dos policiais. Dois dos adolescentes também já foram ouvidos. A PM informou que as imagens das âmaras corporais usadas pelos policiais serão analisadas para constatar se houve algum excesso.

Mais recente Próxima Artigo: Violência recorrente e autorizada

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