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Por — Rio de Janeiro

Um dia após uma decisão judicial absolver sumariamente três policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) que eram réus pela morte do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, o pai do menino fez um desabafo. O motorista Neilton da Costa, de 45 anos, disse, nesta quarta-feira, não aceitar o argumento da juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine de que os agentes agiram em "legítima defesa" e afirmou que a família entrará com um recurso. O garoto foi atingido nas costas durante uma operação das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro, em São, Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

— Foi uma nova morte do João Pedro. Parece que a Justiça está matando ele novamente. Voltou tudo para o zero. Agora temos que lutar de novo para conseguir algo que a Justiça já deveria ter feito (punir os acusados da morte) — disse Neilton.

João Pedro estava em casa quando foi morto com um tiro de fuzil — Foto: Reprodução
João Pedro estava em casa quando foi morto com um tiro de fuzil — Foto: Reprodução

Para ele, os argumentos usados pela magistrada dão a entender que ela acha "normal policiais saírem atirando numa casa onde só havia adolescentes":

— O meu filho estava dentro de casa, brincando. Um ambiente onde achávamos que se encontrava seguro. Na época, estava evitando sair, até mesmo por causa da pandemia (de Covid-19). E aí vem o Estado e, ao invés de tomar conta do João Pedro, o que é o seu papel, não agiu como deveria.

Neilton, que estava sentado ao lado da esposa, Rafaela Coutinho, na primeira fila durante o julgamento no Tribunal do Júri de São Gonçalo, disse que, desde as primeiras audiências sobre o caso, sentia que os policiais eram descritos como profissionais experientes.

— Desde o início, o tratamento comigo e com a Rafaela era de frieza. Ela (a juíza) não olhava para a nossa cara. Não estava nem aí para a nossa dor. Parecia que eu e minha esposa éramos os réus — criticou o motorista.

Ele contou que, após ouvir a decisão judicial, teve vontade de pedir para que Juliana Bessa se colocasse em seu lugar:

— Será que se fosse o filho dela numa situação assim ela ia achar isso normal? Acha normal a polícia efetuar vários disparos em direção a uma casa onde estavam vários adolescentes?

A casa onde estava João Pedro foi atingida por 70 tiros — Foto: Jack Silva/Arquivo
A casa onde estava João Pedro foi atingida por 70 tiros — Foto: Jack Silva/Arquivo

De acordo com Neilton, os últimos quatro anos têm sido uma batalha para ver punidos os responsáveis pela morte de João Pedro.

— Acho que nem consegui viver meu luto ainda. Vivo nessa angústia de esperar por justiça. Estamos nessa luta dia após dia — lamentou.

O motorista contou que não desistirá e acredita que conseguirá um dia provar que não é verdadeira a versão apresentada pelos policiais. A defesa dos agentes diz que bandidos armados entraram na casa onde João Vitor estava e que esses criminosos atiraram e lançaram granadas contra eles, dando início a um confronto. Neilton segue afirmando que apenas aos agentes fizeram disparos:

— Pode demorar, mas vai acontecer.

Há dois anos ele e a família deixaram a residência no Complexo do Salgueiro.

— Nós nos mudamos porque a casa trazia lembranças. Então, resolvemos ir para outro lugar para tentar amenizar um pouco a nossa dor, que é diária — desabafou

O governo do estado do foi condenado a pagar uma indenização aos pais de João Pedro. O poder estadual deve pagar dois terços de um salário mínimo para Neilton e Rafaela até a idade que ele completaria 25 anos e depois um terço até a data que o filho completaria 65 anos. O motorista afirmou que o pagamento ainda não começou a ser realizado.

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou que "o processo segue em tramitação na Justiça, não tendo a decisão definitiva transitada em julgado".

Procurado para saber se a juíza ou o Tribunal de Justiça emitiriam algum comunicado sobre as falas de Neilton, o TJ afirmou que "não se manifesta sobre decisões dos seus magistrados. Os juízes somente se pronunciam por meio das suas decisões nos processos".

O que diz a decisão judicial

Veja trechos da decisão da juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine:

  • “Os réus no momento do fato encontravam-se no local do crime, em razão de perseguição a elementos armados. Após os inúmeros disparos já na área externa da casa, houve uma pausa, momento em que fora lançado, por parte dos traficantes, um artefato explosivo artesanal em direção aos policiais”.
  • “Sob esse panorama, a fim de repelir injusta agressão, os policiais atiraram contra o elemento que teoricamente se movimentava em direção ao interior da residência”, emendou.
  • “Vale destacar que embora seja cediço que houve a morte de um adolescente inocente, a vítima João Pedro, é necessário entender, com apego à racionalidade, que a dinâmica dos fatos, como narrada e confirmada pelos diversos laudos anexados ao processo, não pode ser inserida em um contexto de homicídio doloso por parte dos policiais. Isso porque, no plano da tipicidade, o aspecto subjetivo já não se completa, haja vista a clara ausência de dolo, uma vez que não houve qualquer intenção de matar o adolescente”.
  • "Nessa linha de raciocínio, saindo do aspecto da tipicidade e adentrando na antijuridicidade, é imperioso entender que os policiais, à primeira vista, agiram sob um excludente de ilicitude, a saber: a legítima defesa. ”
  • "A agressão sofrida pelos réus era atual, face aos disparos efetuados em sua direção, bem como o lançamento dos explosivos, além do que os mesmos se utilizaram dos meios necessários que possuíam para repelí-la. A prova produzida nos autos não deixa dúvidas que a conduta dos réus se deu em legítima defesa e como tal deve ser reconhecida".

'Assassinos impunes', diz Rio de Paz

Por meio de suas redes sociais, a ONG Rio de Paz — que acompanha casos de crianças e adolescentes mortos por tiros — lamentou a absolvição dos policiais. O texto começa dizendo que os pais de João Pedro estão condenados a viver sem o filho enquanto "os assassinos ficaram impunes".

O Rio de Paz afirmou que o caso do adolescente é uma exceção pois "houve investigação e chegaram aos culpados. A ONG lembrou ainda que o Ministério Público do Rio denunciou os policiais "após uma investigação minuciosa que contou até com reprodução simulada em 3D". E frisou que a casa em que João estava com outras crianças foi "metralhada"

"Há 17 anos acompanhamos casos de crianças e adolescentes mortos por armas de fogo, a maioria por bala perdida. Já são mais de cem. A maioria pobre, negra e de favela. Um adolescente de 14 anos foi assassinado e ninguém pagará por isso?", finaliza o texto.

Relembre o caso

João Pedro brincava em casa, no dia 18 de maio de 2020, quando começou uma operação conjunta das polícias Civil e Federal. O adolescente estava com amigos e, segundo afirma a família, os agentes chegaram atirando. O garoto foi atingido por um tiro de fuzil nas costas. Socorrido num helicóptero da polícia, ele não resistiu ao ferimento. A casa onde ele morava ficou com mais de 70 marcas de tiros.

Durante a investigação, foi constatado que o disparo que atingiu João Pedro partiu de um policial civil. A defesa dos agentes afirmou que eles só entraram na casa onde estava o garoto porque perseguiam bandidos e que houve um confronto.

Numa audiência de instrução de julgamento, ocorrida em 2022, uma testemunha afirmou que não se lembrava da presença de traficantes armados perto da residência onde o adolescente estava. A versão confrontou o que diziam os policiais civil e federais. Eles afirmaram que criminosos do Complexo do Salgueiro pularam o muro da casa. De acordo com os agentes, os bandidos atiraram contra eles e lançaram granadas.

Parentes de João Pedro também afirmaram que os policiais chegaram à residência atirando e que a cena do crime foi alterada para dar a impressão de que ocorrera um confronto com traficantes. O Ministério Público do Rio, que denunciou os agentes, destacou que foram plantados no local uma pistola e explosivos. Além disso, uma escada foi posicionada no muro nos fundos da casa, afirmou o MP.

Em nova audiência em setembro de 2023, o policial civil Fabio Vieira Rodrigues, que estava em um helicóptero sobrevoando o Complexo do Salgueiro, disse ter visto mais de um traficante andando perto da casa que era alvo da operação, localizada a menos de cem metros do imóvel onde estava João Pedro.

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