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GERADO EM: 11/07/2024 - 06:00

Justiça absolve policiais que mataram João Pedro

Adolescente João Pedro foi morto por policiais civis em operação no Complexo do Salgueiro. Após 4 anos de espera, os agentes foram absolvidos pela juíza, alegando legítima defesa. Família e Defensoria vão recorrer da decisão, criticando a Justiça e a lentidão do processo.

18 de maio de 2020. Início da pandemia de Covid-19. João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morreu enquanto brincava no quintal de casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, ao ser atingido nas costas por fragmentos de um tiro de fuzil, durante uma operação das polícias Civil e Federal na comunidade. Na casa do adolescente, ficou a marca de mais de 70 disparos. Os agentes alegaram que houve confronto, mas testemunhas e uma perícia do Ministério Público do Rio produziu provas técnicas que desmentem a versão. Na terça-feira, os três policiais civis acusados da morte do jovem foram absolvidos: a juíza entendeu se tratar de "legítima defesa". Para o pai de João Pedro, foi como "uma nova morte" do filho. A Defensoria do Estado do Rio, que representa a família, vai recorrer da decisão.

A sentença de mais de 300 páginas foi proferida pela juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal do TJ do Rio. No texto, ela declarou inocentes dos crimes de homicídio doloso e fraude processual os policiais Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister.

O caso estaria sujeito ao júri popular, se não tivesse sido encerrado de forma antecipada pela magistrada. No documento, ela escreveu que “os réus no momento do fato encontravam-se no local do crime, em razão de perseguição a elementos armados. Após os inúmeros disparos, já na área externa da casa, houve uma pausa, momento em que fora lançado, por parte dos traficantes, um artefato explosivo artesanal em direção aos policiais. Sob esse panorama, a fim de repelir injusta agressão, os policiais atiraram contra o elemento que teoricamente se movimentava em direção ao interior da residência.”

Ao analisar as provas apresentadas pelo Ministério Público, que pedia a condenação dos agentes, a juíza rechaçou a hipótese de homicídio doloso.

“Vale destacar que embora seja cediço que houve a morte de um adolescente inocente, a vítima João Pedro, é necessário entender, com apego à racionalidade, que a dinâmica dos fatos, como narrada e confirmada pelos diversos laudos anexados ao processo, não pode ser inserida em um contexto de homicídio doloso por parte dos policiais. Isso porque, no plano da tipicidade, o aspecto subjetivo já não se completa, haja vista a clara ausência de dolo, uma vez que não houve qualquer intenção de matar o adolescente", afirma a magistrada, e reforça a tese de legítima defesa:

"Nessa linha de raciocínio, saindo do aspecto da tipicidade e adentrando na antijuridicidade, é imperioso entender que os policiais, à primeira vista, agiram sob um excludente de ilicitude, a saber: a legítima defesa.”

— Foi uma nova morte do João Pedro. Parece que a Justiça está matando ele novamente. Voltou tudo para o zero. Agora temos que lutar de novo para conseguir algo que a Justiça já deveria ter feito (punir os acusados da morte) — disse o pai do adolescente, Neilton da Costa, de 45 anos, que se recusa a aceitar o argumento da juíza.

Perícia do Ministério Público descartada

As investigações do homicídio de João Pedro foram feitas pela Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI). O inquérito policial concluiu que o projétil que matou o adolescente era compatível com o modelo de arma utilizado por dois dos réus. A defesa dos agentes afirmou que eles só entraram na casa onde estava o garoto porque perseguiam bandidos e que houve um confronto. Numa audiência de instrução de julgamento, ocorrida em 2022, uma testemunha afirmou que não se lembrava da presença de traficantes armados perto da residência onde o adolescente estava.

Parentes de João Pedro também afirmaram que os policiais chegaram à residência atirando e que a cena do crime foi alterada para dar a impressão de que ocorrera um confronto com traficantes. Um laudo de reprodução simulada do crime contratado pelo MP não confirmou a versão dos policiais, além de constatar que foram plantados no local uma pistola e explosivos, e que uma escada foi posicionada no muro nos fundos da casa. A juíza não considerou a perícia do MPRJ como prova do homicídio doloso e do crime de fraude processual.

Em nota, a 2ª Promotoria de Justiça junto à 4ª Vara Criminal de São Gonçalo do MPRJ informou que vai recorrer da decisão, uma vez que não foram consideradas as provas apresentadas pela acusação, especialmente o relato das testemunhas e as provas técnicas, tendo considerado “frágil” a versão defensiva.

Segundo o Ministério Público, os acusados assumiram o risco de matar um inocente ao efetuarem disparos na direção de uma residência com vidros espelhados, onde não tinham condições de enxergar quem estava dentro. A denúncia apresentada pelo órgão destaca ainda que a perícia da Polícia Civil atestou que não houve qualquer disparo efetuado de dentro da residência, o que afasta a hipótese de os policiais estarem apenas se defendendo.

A Promotoria reforçou ainda que "é regra de conduta de qualquer agente policial atirar apenas no que se vê", mas violaram essa regra e assumiram o risco de matar ao atirarem numa casa fechada, de onde não vinham disparos.

O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria do Rio, que representa a família de João Pedro, afirmou que "ao descartar a prova técnica produzida por peritos externos ao próprio órgão de segurança ao qual pertencem os acusados, a sentença contraria a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, que determinam investigações independentes e perícias autônomas em casos de morte provocada por agentes de Estado".

Indignada, a mãe de João Pedro, Rafaela Matos, criticou a decisão da Justiça.

— Não é o que esperávamos, né? A Justiça nos matando mais uma vez. E essa decisão é uma decisão absurda. São quatro anos de busca por Justiça e quatro anos de espera, onde a gente tenta sobreviver de alguma forma. E agora a gente vem com mais essa notícia, né? É a justiça mostrando que é normal a polícia invadir uma casa e efetuar mais de 60 disparos. É a justiça mostrando que a justiça para jovem, preto, favelado é diferente se fosse um filho de um diplomata, como aconteceu há poucos dias. E é isso — disse em entrevista à rádio CBN.

Em nota, a Anistia Internacional destacou a lentidão da Justiça em relação ao caso: o ajuizamento da ação penal pelo Ministério Público aconteceu mais de um ano após o crime, as primeiras audiências só aconteceram dois anos depois do assassinato, e a decisão pela absolvição dos réus depois de quatro anos. "A lentidão da justiça, que muitas vezes culmina na impunidade dos agressores, é mais uma forma de violência contra a memória das vítimas e seus familiares".

O julgamento

Os pais do adolescente estavam sentados juntos na primeira fila durante o julgamento no Tribunal do Júri de São Gonçalo. Neilton disse que, desde as primeiras audiências sobre o caso, sentia que os policiais eram descritos como profissionais experientes.

— Desde o início, o tratamento comigo e com a Rafaela era de frieza. Ela (a juíza) não olhava para a nossa cara. Não estava nem aí para a nossa dor. Parecia que eu e minha esposa éramos os réus — criticou o motorista.

Ele contou que, após ouvir a decisão judicial, teve vontade de pedir para que Juliana Bessa se colocasse em seu lugar:

— Será que se fosse o filho dela numa situação assim ela ia achar isso normal? Acha normal a polícia efetuar vários disparos em direção a uma casa onde estavam vários adolescentes?

Há dois anos ele e a família deixaram a residência no Complexo do Salgueiro.

— Nós nos mudamos porque a casa trazia lembranças. Então, resolvemos ir para outro lugar para tentar amenizar um pouco a nossa dor, que é diária — desabafou

O governo do estado do foi condenado a pagar uma indenização aos pais de João Pedro. O poder estadual deve pagar dois terços de um salário mínimo para Neilton e Rafaela até a idade que ele completaria 25 anos e depois um terço até a data que o filho completaria 65 anos. O motorista afirmou que o pagamento ainda não começou a ser realizado.

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou que "o processo segue em tramitação na Justiça, não tendo a decisão definitiva transitada em julgado".

Procurado para saber se a juíza ou o Tribunal de Justiça emitiriam algum comunicado sobre as falas de Neilton, o TJ afirmou que "não se manifesta sobre decisões dos seus magistrados. Os juízes somente se pronunciam por meio das suas decisões nos processos".

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