Cercado de mistério, um símbolo da cultura tupinambá chegou ao Brasil nesta semana e já compõe o acervo do Museu Nacional. O Manto Tupinambá, de 335 anos de existência, é uma herança dos povos que habitavam a costa do Brasil na época do descobrimento e estava desde o século XVII no Nationalmuseet, em Copenhague, na Dinamarca.
Culturalmente, para os tupinambás, o manto feito com penas de pássaros guarás — ave com plumagem na coloração vermelha — é como um ancião multicentenário; não apenas um objeto sagrado. Glicéria Tupinambá, antropóloga em formação e artista plástica que há anos visitou e “escutou” mantos de seu povo expostos em museus da Itália, da Suíça e da Bélgica, explica que a figura encantada faz manifestações para indígenas com mediunidade:
— Ele está no lugar de um ancestral, tem espiritualidade. A própria possibilidade de retorno do manto ao Brasil se deu através de uma escuta (uma espécie de consulta espiritual). Nesta manifestação, ele pediu ao que o Cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva) que fizesse uma carta solicitando a volta ao país.
![Detalhe do manto tupinambá que a Dinamarca devolveu ao Brasil — Foto: Museu Nacional da Dinamarca/ Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/EqCA_V-iRxeXbhosVX7gMBeUzvI=/0x0:816x572/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/t/7/LLJdg6QnWO07epQx821Q/museu.png)
Desde a manifestação espiritual até a chegada ao Brasil, dois anos se passaram. Nesta quinta-feira, nas redes sociais, outros integrantes do Povo Tupinambá de Olivença, na Bahia, alegraram-se com a chegada do manto sagrado, mas se frustraram em seguida porque não puderam colocar em prática os rituais necessários para recebê-lo:
“O manto retornou para nós, mas ainda não foi recepcionado pelo nosso povo de acordo com nossas tradições. Este manto de mais de 300 anos é um ancião sagrado que carrega consigo a história e a cultura de nosso povo (...) Reiteramos firmemente que nossa relação com o manto deve ser respeitada”, diz um trecho do pronunciamento, que continua “É essencial que todas as decisões futuras sobre o manto e a cerimônia de abertura respeitem os acordos estabelecidos e reconheçam a importância deste sagrado para nosso povo”.
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Até o momento, o item é o único dos dez espalhados pela Europa a voltar para o Brasil. A repatriação representa uma empreitada multidisciplinar que envolveu representantes do governo, de povos originários tupinambás, do ministério das Relações Exteriores, da embaixada brasileira na Dinamarca e do Museu Nacional, comandado pela UFRJ.
— Para nós, a chegada do manto é uma alegria enorme. Sabemos que é sagrado para os povos originários e pretendemos apresentá-lo tão logo tenhamos oportunidade para a população — diz Roberto Medronho, reitor da UFRJ.
Segundo O GLOBO apurou, a previsão é de que a peça seja exposta já no próximo mês, quando deve ser realizado um evento com a presença dos Tupinambá e autoridades. Enquanto isso, o Manto Tupinambá está guardado sob cuidados, já que pode sofrer degradação se não for exposto à iluminação adequada, à climatização e se a sala não tiver controle da umidade, como reforça Medronho:
— Ele precisa uma ambientação muito específica e também não pode ser exposto sem uma condição adequada. Estamos em contato com o Ministério dos Povos Indígenas justamente para ter todo esse cuidado.
O Museu Nacional emitiu um comunicado confirmando a chegada do objeto e informando que os povos indígenas serão respeitados: “Queremos organizar a apresentação com todo cuidado e respeito aos saberes dos povos indígenas, com quem estamos trabalhando em harmonia e contato direto”.
Na nota, a Dinamarca também foi citada, em agradecimento, “pela confiança na reconstrução” do Museu Nacional, que aliás, vem empenhando esforços para que outras nações façam doações. O Museu Histórico da França foi um dos que já doou. Em 2024, chegou ao Brasil uma réplica de celacanto, peixe considerado internacionalmente uma “obra-prima da evolução” e cujos ancestrais de mais de 360 milhões de anos atrás.
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Diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner diz que a réplica de peixe deve ser exposta em breve:
— Em agosto, o Museu terá um Centro de Exposição. E essa é uma das principais peças a serem expostas nele. Em seguida, em setembro, vão acontecer as comemorações do início da reconstrução do museu.
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![Museu Nacional foi consumido por um incêndio em 2018 — Foto: Uanderson Fernandes / Agência O Globo / 02-09-2018](https://s2-oglobo.glbimg.com/pmljNZU2V4uCEhZWe9dgMwOZpek=/0x0:5513x3676/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/B/K/8mCQg3QBSwtRJAwgDGiQ/78677092-ri-rio-de-janeiro-rj-02-09-2018-local-museu-nacional-na-quinta-da-boa-vista-peg.jpg)
Há ainda a possibilidade de a China doar fósseis numa empreitada rara, ainda dependente de articulações políticas.
— Seria maravilhoso fazer o anúncio no G20 — diz Kellner, que fala com cautela sobre a promessa de abertura parcial do Museu Nacional para 2026: — Sem ajuda substancial de ordem financeira e política do governo federal, eu me preocupo se esta será uma data viável.
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