A nova paisagem ao redor do Museu de Arte Moderna chama atenção. No lugar do gramado verde, terra mexida; em volta das 48 palmeiras imperiais, redes de proteção; no pátio que contorna o museu, valas e rachaduras. O cenário remexido é temporário. Faz parte do movimento do Comitê Organizador do G20 para arrumar a casa e receber os chefes de estado das maiores economias mundiais, em novembro. Repaginar o jardim, porém, não deixa de ser uma homenagem a Roberto Burle Marx semanas após se completar 30 anos da morte do maior paisagista brasileiro. Foi ele o autor dos Jardins do MAM, cujo projeto é de 1955, e do paisagismo de todo o Aterro do Flamengo, de 1961.
No processo de revitalização será feita a readequação do Parque do Flamengo ao projeto original de paisagismo projetado por Burle Marx.
— Agora estamos mapeando as espécies e, após o levantamento, um agrônomo vai fazer o diagnóstico de cada uma. Algumas cresceram demais e fazem sombra, é preciso podar; outras não estão onde deveriam e serão explantadas. E a vegetação original que morreu será replantada — afirma Denise Pinheiro, paisagista do escritório Burle Marx.
O Parque do Flamengo tem tombamento federal e é considerado Patrimônio Mundial da Unesco. A maioria das espécies, árvores escultóricas, como jasmim-manga e pata-de-elefante, foram plantadas pelo próprio paisagista, na década de 1950. Inicialmente, as plantas eram cultivadas no sítio de Burle Marx, em Guaratiba, e posteriormente trazidas para a capital. Décadas atrás, era lá que ele residia e mantinha sua coleção botânica. Posteriormente, a propriedade foi doada ao Governo do Estado e hoje é do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A recuperação da área verde do Aterro faz parte de um extenso projeto do Comitê do G20 no Rio. As obras e melhorias, aos cuidados da prefeitura, vão custar R$ 32 milhões. No MAM, incluem ainda a revisão dos elevadores, dos sistemas elétrico e hidráulico, além do tratamento e limpeza das fachadas.
Foram fechados dois contratos de licitação via Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), um dá conta das obras de reforma estrutural e das instalações do MAM e foi orçado em R$ 17,5 milhões. O outro inclui as obras de urbanização do entorno, no valor de R$ 14,7 milhões. Deste fazem parte os trabalhos de recomposição paisagística das áreas de jardim (R$ 3,5 milhões).
O entorno do museu, no Parque do Flamengo, também passará por melhorias, como a impermeabilização e recuperação do jardim idealizado por Burle Marx, incluindo o restauro das pedras portuguesas e calçadas, nova sinalização e monitoramento por câmeras conectadas ao Centro de Operações Rio (COR).
— O Aterro estava muito abandonado, o gramado péssimo, a orla muito largada, sem manutenção. Depois de restaurar, tem que manter o cuidado — comenta o fotógrafo Filipe Gerias, de 34 anos, que costuma usar o cenário para clicar clientes.
Arrumando a casa
Esta é considerada a primeira grande intervenção no MAM e no Aterro do Flamengo dos últimos 24 anos. A previsão de entrega é para outubro. Depois deste prazo, a União poderá fazer adaptações provisórias para a reunião do G20.
— Em 2000, houve o projeto Riomar e o parque foi entregue todo atualizado. Desde aquele ano, não tinha sido feito um trabalho grande como o de agora— lembra Isabela Ono, gestora do Escritório Burle Max, que também tem como sócios Julio Ono e Gustavo Leivas.
Um dos primeiros espaços públicos configurado em linhas modernas, o Parque do Flamengo tem 1,2 milhão de metros quadrados, é dividido em 11 setores e tem mais de 240 espécies brasileiras e tropicais. Isabela, que é arquiteta, diretora do Instituto Burle Marx (criado como uma organização de sociedade civil e pensado para preservar, catalogar e tornar público o acervo produzido pelo escritório do mestre do paisagismo) e filha de Haruyoshi Ono, sócio de Burle Marx por mais de 30 anos, explica por que o escritório foi acionado para coordenar as intervenções no projeto paisagístico, apesar de a recuperação ser comandada pela prefeitura:
— Projeto históricos têm uma autoria. E a revitalização tem que estar de acordo com essa assinatura. Quando se faz uma recuperação de jardim, muitas vezes notam-se mudanças porque ele é efêmero: pode ter aparecido uma área de sombra que antes não tinha, por exemplo. Então, é preciso ter sensibilidade para reformar preservando o que está no conceito — diz a especialista.
Em caminhada pelas alamedas do Parque na manhã de ontem, turistas se deparavam com a paisagem transformada. As amigas paulistas Jeimy Cortez, de 34 anos, e Lara Barbosa, de 33, do interior de São Paulo, ficaram frustradas ao ver as obras no lugar do famoso cenário de fotos e filmes.
— É muito lindo aqui. Espero que a restauração melhore o ambiente, que é muito agradável, e que eu encontre um jardim mais bonito na próxima vez que vier — torce a mais nova.
Cem jardins
Além dos jardins do Aterro, no ano em que também se completam 115 anos do nascimento de Roberto Burle Marx, a memória do mestre do paisagismo ganha outros afagos. O maior deles é o planejamento, pelo Instituto Burle Marx, da Casa Cavanelas. Localizada em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis, na Região Serrana, ali será a abrigada a reserva técnica do Instituto, acessível ao público e projetada para, além de guardar o acervo, possibilitar que seu espaço seja usado para discussões de temas que vão de paisagismo a emergências climáticas. Atualmente há uma mansão projetada por Oscar Niemeyer e com paisagismo de Burle Marx e seus colaboradores. A perspectiva é que o terreno ganhe ainda outras três edificações. A previsão de abertura é para 2028.
— Neste momento, estamos fazendo os planos de viabilidade socioambiental, licenciamento... A casa foi projetada há exatos 70 anos mas é muito atual e possibilita o que o Instituto preserva: legado, vivências educativas, estéticas, o paisagismo. Queremos atrair pessoas para a experimentação do lugar, do jardim, de um espaço. É um lugar único que era uma residência privada e foi doada para um projeto do Burle Marx. É bonito pensar como os próprios lugares são ressignificados. A ideia é cada vez mais tornar esse legado inclusivo e diverso. Acho que Burle Marx e Haruyoshi estariam felizes com esse projeto — diz Isabela Ono.
Para tirar os planos do papel, no entanto, o Instituto, que é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, dependerá de apoio, sobretudo para os trabalhos que envolvem a salvaguarda, o transporte e a digitalização do acervo, que conta com 150 mil itens. Para 2024 e 2025, o Instituto tem outros projetos que estão sendo encaminhados, entre eles exposições fora do Rio e do Brasil, uma publicação que discutirá questões ambientais e a disponibilização, no site, de um mapa georreferenciado em que o público poderá visitar virtualmente 100 jardins de Burle Marx.
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