A faturista Roselaine dos Santos Paula, de 43 anos, moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, conheceu o marido quando tinha apenas 23. Eles se tornaram muito amigos e, por meio de uma carta, Anderson Rodrigues Santos confessou estar apaixonado. Namoraram por anos, casaram e depois resolveram tentar ter filhos. Sem conseguir engravidar, Roselaine e Anderson decidiram iniciar o processo de adoção, sem imaginar que ele morreria antes da conclusão do sonho a dois.
Mesmo com a partida de Anderson, há quatro anos, Roselaine conseguiu colocar o nome do marido no registro do filho, após uma ação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro assegurar o reconhecimento do direito à adoção póstuma. Essa alternativa é possível quando uma pessoa manifesta a vontade de adotar e dá início ao procedimento.
Para Roselaine e Anderson, a adoção foi o caminho após tentativas frustradas de inseminação artificial. Eles não conseguiram gerar um filho devido a problemas de saúde de Anderson, que tinha Síndrome de Kartagener, uma condição que atinge as vias respiratórias e afeta a efetividade da concepção por meios naturais.
— A decisão de adotar aconteceu em um momento em que Anderson já estava debilitado pela doença e tinha se aposentado. Mesmo com as frequentes internações e a necessidade de oxigênio, nunca passou pela minha cabeça que ele faleceria antes de termos nosso filho. Ele estava muito animado com o processo, ligava todos os dias para o Fórum querendo saber novidades, visitava abrigos — lembra ela.
Sete anos de espera
A saúde de Anderson foi piorando com o decorrer do tempo. Até que, três anos após o início do processo, ele morreu por complicações respiratórias aos 39 anos. Mesmo sabendo da síndrome dele desde os primeiros dias de namoro, Roselaine conta que foi um baque se ver sem o seu melhor amigo.
Apesar da tristeza que a atingiu, a faturista conta que em nenhum momento pensou em desistir da ideia de ter um filho. Segundo ela, o desejo, que nasceu compartilhado pelo casal, não foi embora com a partida de Anderson. Certidão de óbito em mãos, comunicou a vontade de continuar o processo.
Foi somente quatro anos depois da morte do marido que a ligação aguardada por Roselaine há sete anos finalmente aconteceu. Ela lembra que congelou ao ouvir a notícia de que havia uma criança disponível para adoção, que se encaixava no perfil dela. O menino Samuel, na época com três meses, chegou transformando a vida da moradora de São João de Meriti.
— Assim que conheci Samuel, um filme passou pela minha cabeça. Quando ele encostou a bochecha na minha, senti uma paz que nunca havia sentido antes — conta, emocionada.
Mas a burocracia ainda estava longe do fim. Quando ela precisou dar entrada na certidão de nascimento já com o nome escolhido, expressou o desejo de incluir Anderson como o pai da criança, mas descobriu que não era um procedimento tão simples. Para conseguir o direito à adoção póstuma, é preciso provar que a pessoa que faleceu durante o processo havia manifestado o desejo de adotar.
— Era evidente a vontade do casal de formar uma família. Desejo manifestado desde a habilitação para adoção, o que chamo de gestação processual. Foram sete anos de espera. Infelizmente, o pai adotante faleceu enquanto aguardava a tão sonhada criança — observa a defensora titular de São João de Meriti, Sabrina Azevedo Castro de Carvalho.
Cartas como prova
O reconhecimento possibilita que a criança usufrua de direitos decorrentes da filiação, como o uso do sobrenome paterno, pensão por morte e reconhecimento do vínculo afetivo.
Para conseguir o direito, Roselaine apresentou à juíza do processo dez declarações de testemunhas — escritas de próprio punho — falando sobre a vontade de Anderson. E também adicionou nas provas as várias cartas que o marido escreveu para ela. O hábito de trocar declarações escritas em papel era um ritual de todos os aniversários de casamento. O desejo de ter um filho estava descrito em várias delas.
Depois de reunir todas as evidências, a certidão foi finalmente emitida com o nome do Anderson como pai do menino. Roselaine conta que se emocionou ao ver o documento.
— Tive a sensação de dever cumprido, uma felicidade inexplicável. Esse simples papel tem um significado tão grande que tinha vontade de emoldurar e pendurar na parede. É o símbolo de tudo que vivemos juntos — afirma. — Tenho certeza de que ele (Anderson) está muito feliz e acompanhando a gente de algum lugar. Foi uma jornada dolorida, mas faria tudo novamente.
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